Ministra com o Presidente da República numa cerimónia na Guarda. Cavaco Silva vetou uma proposta idêntica. O que fará Marcelo?
Há 820 oficiais na GNR (80% do total) a sentir-se afrontados pela ministra da Administração Interna
Pode um enfermeiro ser médico sem um curso de medicina? Claro que não. É esta a analogia que fazem os oficiais da GNR, formados na Academia Militar (AM) para serem uma elite de comandantes da maior força se segurança do país, quando olham para a proposta do novo estatuto preparado pela ministra da Administração Interna.
Constança Urbano de Sousa quer permitir que militares da GNR, com menos habilitações e menos tempo de formação (ver caixa em baixo), possam subir ao topo da hierarquia e que , mesmo sem o curso da Academia, sejam promovidos a generais. Seria caso único na Europa. A Associação que representa os oficiais da AM (ANOG) diz que esta ideia da ministra "constitui uma afronta para a maioria dos oficiais da GNR, que veem as suas expectativas comprometidas, e para a prestigiada Academia Militar". Acusam a governante de querer criar "generais Simplex" e acreditam que, a ser aprovada, esta medida causará "uma desunião e destabilização sem precedentes, que podem ser fatais na GNR".
Confrontada pelo DN com as preocupações destes oficiais, a ministra alega que a proposta de estatuto "mantém a base não discriminatória do atual estatuto, que também não faz qualquer distinção entre a origem dentro do mesmo quadro, pelo que a expectativa mantém-se para todos".
Mas, na verdade, a proposta de Constança Urbano de Sousa dissipa a dúvida que o atual regulamento suscitava em relação aos requisitos necessários para o "salto" dos coronéis, que não passaram pela Academia, para o generalato. O estatuto em vigor desde 2007 diz que devem ter "habilitações complementares idênticas às exigidas" aos oficiais das Forças Armadas. Esta expressão criou expectativas a esses coronéis, ao ponto de, pelo menos um deles, Albano Pereira, já na reserva, o ter tentado. Mas sem sucesso.
Mas agora, a ministra clarificou e insiste numa ambição que já foi de António Costa, quando era ministro da Administração Interna e que foi vetado por Cavaco Silva. No documento que enviou às associações da GNR admite como qualificação para a promoção a brigadeiro-general (novo posto na categoria dos oficiais generais) o "grau de mestre obtido em estabelecimento do ensino superior, nas áreas de conhecimento com interesse para a Guarda, definidas pelo comandante-geral", não exigindo que tenham a licenciatura da Academia.
Para a ministra "expectativas dos oficiais da AM mantém-se inalteráveis, não havendo nesta proposta de estatuto nenhuma alteração em relação ao atual". Não é esse o entendimento da ANOG. "Para nós é mais que claro que a sra.Ministra pretende igualar o que não e igual e prejudicar os oficiais da AM. Se os coronéis sem o curso da Academia forem promovidos, ocupam os lugares de topo, impedindo irreversivelmente os nossos oficiais, que tinham a expectativa de poder liderar a GNR, de lá chegar. E isso é que é discriminar. É gravíssimo para a coesão da instituição", diz Santos Alves, da direção da ANOG.
Quem beneficiará deste novo modelo são 167 tenentes coronéis e coronéis que fizeram um curso de formação mais curto e que já beneficiam, em relação aos da AM, em termos de antiguidade e promoções por terem entrado mais cedo nos quadros. Um número reduzido, cerca de uma dezena, fez cursos superiores, entre os quais Direito, História e Sociologia. Estão à dirigir os Comandos Distritais e alguns deles em postos de confiança política do governo, como é o caso dos coronéis Óscar Rocha, assessor do primeiro-ministro, Costa Pinto, oficial de ligação no MAI, e Paulo Guerreiro, o chefe de gabinete da secretária-geral do Sistema de Segurança Interna. Sendo que a GNR só tem 10 vagas para generais e a serem preenchidas as da Academia ficam bloqueadas.
Como tiveram uma formação mais prolongada, os militares da Academia ainda estão agora no posto de tenente coronel, embora haja 10 que já podem ser promovidos a coronel. No entanto, precisam ainda de quatro anos no posto, para poderem frequentar o curso de oficial general. Se tudo corresse como previram substituiriam os generais das Forças Armadas em 2020. Assim, assinala um deles, "é como uma morte súbita na carreira. 25 anos a cumprir tudo o que havia, passo a passo, para quando estamos quase a chegar ao objetivo para que nos preparámos, alguém nos empurrar para o lado e, fazendo batota, chegar à meta primeiro. Caso único nos países civilizados e aliados de Portugal".
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