O New York Times revelou que Donald Trump não pagou impostos durante 18 anos por ter declarado, em 1994, prejuízos de quase mil milhões de dólares. Esse "azar" (ou esperteza?) nos negócios deu-lhe direito, legalmente, a uma moratória fiscal de quase duas décadas. Graças a essa ajuda da máquina fiscal, o falido da década de 1990 está podre de rico no século XXI.
Ronald Reagan, o presidente norte-americano que praticamente acabou com os impostos para os ricos, explicava que numa fase da sua carreira como ator começou a recusar trabalho porque, a partir de certo rendimento, todo o dinheiro que ganhava ia para os impostos. Para ele, esta bizarria (e sim, era uma bizarria) demonstrava por si só como era errado taxar mais os ricos do que os pobres - o que se devia fazer era precisamente o contrário, taxar mais os pobres do que os ricos para estes criarem mais e melhores empregos.
Desde essa altura, no princípio dos anos 1980, nos tempos de Reagan, de Thatcher e do programa televisivo Liberdade para Escolher, do economista Milton Friedman (uma forma de propaganda destas doutrinas económicas adaptada aos PMI - Pequenos e Médios Intelectuais) até ao último dia do governo de Passos Coelho em 26 de novembro de 2016, o discurso político dominante, com o contributo ativo da esquerda social-democrata, transformou o Estado, na cabeça de milhões e milhões de pessoas, pobres e ricas, num mero usurpador ignóbil dos seus rendimentos.
Os comunas, como eu, chamam a isto "batalha ideológica" e a vitória nessa contenda, apesar dos escândalos na alta finança e na banca, está, ainda, muito mais inclinada para o lado das teses da esmagadora maioria dos que lemos e ouvimos desde há 40 anos : doutores brilhantes e respeitáveis, jornalistas influentes e populares, banqueiros e empresários admiráveis, governantes de todo o mundo ocidental, unidos no objetivo de inocular nas massas o vírus do ódio ao Estado.
É por isso que o New York Times prestou um grande serviço a Donald Trump. Quem consegue fugir aos impostos, ainda por cima de forma legal, é visto por largos setores da população como um herói que escapa ao esbulho estatal. Trump vai subir nas sondagens.
É ainda por isso que me assusta ver a seráfica Mariana Mortágua, do Bloco de Esquerda, sibilar, suave, ser preciso perder "a vergonha de ir buscar dinheiro a quem está a acumular dinheiro". Tentar vencer uma batalha ideológica que se está a perder há 40 anos com uma única "bala de prata", uma curta frase de belo efeito mas que milhões e milhões de pessoas não entendem, só ajuda, neste momento crucial, os Donald Trumps da vida que temos por cá.
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