A imagem já é recorrente: todos os dias, Fernanda Martins chega à Escola Secundária de Loulé, vinda da Campina de Cima, de bicicleta. Professora de Geografia, o seu gosto por andar de bicicleta é antigo. Nas aulas, tenta incutir aos alunos as questões ligadas com a mobilidade sustentável, mas o sucesso, diz, «ainda é fraco».
De passo acelerado, a professora Fernanda Martins vai saindo de mais uma aula. Nas costas traz uma mochila, típica dos ciclistas, onde tem o computador, os livros e todo o material necessário para as aulas. «Tenho de dar o exemplo, trazer tudo e vir muito pesada», diz. Este é um problema com que a docente se depara e que já a obrigou a ter de deixar de andar de bicicleta.
«No ano passado, estava a desenvolver um problema na coluna que me obrigou a parar de andar de bicicleta, por vir com muito peso na mochila», revela. Por conseguinte, agora, sempre que tem de ir “apetrechada” para a escola, opta pelo carro, apesar de ter comprado um cesto para a bicicleta onde consegue trazer a mochila. De resto, só há outra situação que a leva a deixar a bicicleta em casa: quando chove. Mas como no Algarve não chove muito…
A aposta que faz no uso da bicicleta não surgiu por acaso. Sempre sorridente, a docente revela que há vários anos que fala destas questões da mobilidade leve nas suas aulas. O compromisso pela bicicleta, assinado pela Câmara Municipal, há dias na própria Escola Secundária de Loulé, vem no sentido da promoção desse tipo de mobilidade, mas há lacunas, no entender da professora.
«Acho que estamos a começar pelo teto e não pela base. Antes de incentivar o uso da bicicleta, temos de criar condições mínimas para que isso seja possível. Por exemplo, em Loulé, temos de adequar alguns espaços e limitar a velocidade em algumas ruas. Dessa forma, os condutores seriam obrigados a andar àquela velocidade e não iriam buzinar por sermos ciclistas e irmos mais devagar», atira a professora Fernanda Martins.
Por toda a cidade de Loulé, a docente de Geografia nota várias falhas. A primeira: «o separador central da Avenida tem vários desníveis, que levam a que, quem ande bicicleta, caia facilmente». A segunda: «o facto de ruas que não estão abertas ao trânsito não serem abertas aos ciclistas». E, por fim, a terceira: «a falta de itinerários».
«Vir de bicicleta? A professora está maluca?»
Desde nova que a professora Fernanda Martins anda de bicicleta. Nos seus tempos de aluna, havia quem lhe perguntasse se era um rapaz… apenas por andar de bicicleta. Hoje, é na escola que continua a lutar para que este meio de transporte seja mais usado.
No ano letivo passado, nas turmas que tinha, fez um levantamento das razões que levavam a que os alunos não fossem de bicicleta para a escola. Houve quem lhe dissesse: «Com este calor vir de bicicleta? A professora está maluca?». Outros alegaram que a bicicleta, que é disponibilizada, na escola, pela Câmara de Loulé, é para meninas, por ser cor-de-rosa.
«É psicológico, mas noto isso entre os rapazes. Se fossem todas de uma cor mais neutra, os alunos aderiam mais», frisa. Reconhece, contudo, que a «Câmara trabalhou bem». «São dadas as bicicletas, que podem levar para casa se assinarem um termo de responsabilidade, os capacetes, cadeados. Tudo. O que há é preconceito», diz, zangada.
Nas aulas, a professora tenta alertar os alunos para esta necessidade de «evitar a utilização do carro». Para tal, calcula, por exemplo, a pegada de carbono… e desenvolve estudos de caso. «Cada aluno pega num problema, analisa-o, procura causas e soluções. Há alguns anos, tive um aluno que foi um dos grandes mentores da necessidade de se criar ciclovias em Loulé e na ligação com outras localidades. Na altura, estava a ser delineado o Plano de Sustentabilidade e Mobilidade Urbana e o estudo de caso foi apresentado a um membro da Câmara, que achou muito interessante», recorda, orgulhosa.
Para este ano letivo, a professora também já tem um projeto: os alunos de Geografia C, do 12º ano, vão perguntar, por toda a Escola, qual a razão que leva a que os colegas não queiram ir para de bicicleta para a Secundária de Loulé. «Também é preciso ter em conta o facto de haver alunos que são de Boliqueime e, por isso, ser complicado virem de bicicleta. Se, em Loulé, as condições já são más, fora da cidade são péssimas», atira a professora.
Francisco Lino é um caso isolado em toda a Escola
O parque destinado a bicicletas que há à entrada na Escola Secundária de Loulé está, todos os dias, quase vazio. Quase, porque, além da bicicleta da professora Fernanda Martins, apenas um aluno usa esse meio de transporte para se deslocar para a escola.
Francisco Lino é um caso isolado. Alto, é de capacete na mão que anda pelos corredores da Secundária de Loulé. Apesar de ser aluno da professora Fernanda, não foi nas aulas de Geografia que se sentiu motivado a ir de bicicleta para a escola. «Já há muitos anos que pratico BTT», revela. «Venho todos os dias de bicicleta porque quero e porque gosto», conclui.
Nestes dias em que muito se tem falado do uso da mobilidade sustentável e da bicicleta, o exemplo desta professora e deste aluno é daqueles que faz pensar que, afinal, para lá da retórica das belas palavras, há quem leve estas questões muito a sério.
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