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quinta-feira, 29 de setembro de 2016

A MISSÃO BANDIDA DOS ESTADOS UNIDOS NA SÍRIA


Pentágono bombardeou Exército Sírio para matar o cessar-fogo?

Mike Whitney, Unz Review

Tradução: Vila Vudu



“Tudo sugere que o ataque (…) foi cometido deliberadamente por forças dentro do governo dos EUA hostis ao cessar-fogo (…). Alegações de que os norte-americanos não saberiam quem estavam bombardeando simplesmente não são críveis e são completamente desmentidas por outros relatos da mídia”

– Alex Lantier, World Socialist Web Site

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Um ‘racha’ entre o Pentágono e a Casa Branca foi convertido em rebelião declarada no sábado, quando dois jatos F-16s e dois aviões de combate A-10 dos EUA bombardearam posições do Exército Árabe Sírio (EAS) em Deir al-Zor matando no mínimo 62 soldados regulares sírios e ferindo outros 100. Os EUA assumiram responsabilidade direta pelo incidente, que chamaram de “um erro”, mas o momento em que o massacre ocorreu fez crescer as especulações de que o ataque foi tentativa desesperada, no último segundo, para fazer gorar a implementação do frágil acordo de cessar-fogo contra o qual os líderes do Pentágono posicionaram-se abertamente. Muitos analistas trabalham hoje para tentar definir se os ataques são mesmo indicação de que o Departamento de Defesa infestado de neoconservadores estaria ativamente sabotando a política do presidente Obama para a Síria, o que implicaria que o Pentágono estaria sob comando de rebeldes antidemocráticos que rejeitam a autoridade constitucional civil. O massacre do sábado passado sugere fortemente que cresce um motim dentro do Departamento de Guerra.

O cisma que emergiu entre os falcões do Pentágono e membros mais conciliadores do governo Obama já gerou críticas vindas tanto dos principais jornais nos EUA (The New York Times) como dos mais altos membros do gabinete russo. No sábado, em conferência de imprensa de emergência na ONU, o embaixador russo Vitaly Churkin referiu-se ao que já apareceu como uma luta de poder que se trava em Washington, em termos duríssimos:

Churkin (vídeo): “A grande pergunta que se tem de fazer é ‘Quem manda em Washington? A Casa Branca ou o Pentágono?’ (…) Porque ouvimos comentários vindos do Pentágono que desmentem completamente o que ouvimos de Obama e Kerry…” (ver 10’15”)

Churkin não é o único que percebeu a ravina que separa o que diz Obama e o que dizem seus generais. Artigo recente no New York Times também destaca as divisões que parecem ampliar-se, enquanto a situação na Síria só deteriora. Aqui, um excerto do New York Times:

(SECDEF Ash) “Carter estava entre os funcionários do governo que se opôs ao acordo [de cessar-fogo] (…), embora o presidente Obama claramente aprovasse o esforço. Na 3ª-feira no Pentágono os comandantes não aceitavam sequer que se decidisse que, se a cessação da violência se mantivesse por sete dias – parte inicial do acordo –, o Departamento de Defesa implementaria a parte dele do acordo, no oitavo dia (…).

“Não estou dizendo nem sim nem não”, disse o tenente-general Jeffrey L. Harrigian, comandante do Comando Central das Forças Aéreas dos EUA, em vídeo conferência com jornalistas. “Seria prematuro dizer que vamos saltar diretamente dentro desse acordo” (“Details of Syria Pact Widen Rift Between John Kerry and Pentagon” [Detalhes do Pacto na Síria amplia a rixa entre John Kerry e o Pentágono, New York Times).

Pensem um pouco: o tenente-general Harrigian parece estar dizendo que talvez não obedeça a uma ordem do Comandante em Chefe da qual não está gostando. E quando foi que líderes militares começaram a supor que obedecer a ordens seria coisa opcional, ou que caberia ao Departamento da Defesa intrometer-se em políticas de estado já definidas? Adiante, mais um trecho do NYT:

“A rixa entre os senhores Kerry e Carter reflete o conflito inerente da política do senhor Obama para a Síria. O presidente pôs politicamente sob fogo crescente por ter-se recusado a intervir com mais força na guerra civil (sic) que já dura cinco anos, que a ONU diz que já matou mais de 400 mil pessoas, converteu mais de seis milhões em sem-teto e levou a grave crise de refugiados na Europa. Mas manter longe da Síria norte-americanas de solo também gerou espaço para que a Rússia assumisse ali papel muito maior, tanto no campo de batalha como na mesa de negociações (…).

O resultado é que, em tempo em que EUA e Rússia estão nas respectivas posições mais combativas desde o final da Guerra Fria, os militares norte-americanos são informados de que, no prazo de uma semana, terão de começar a partilhar inteligência com um de seus maiores adversários para que, juntos, os dois ataquem forças do Estado Islâmico e da Frente Nusra na Síria.

“Mantenho-me cético quanto a fazer qualquer coisa com os russos” disse o general Philip M. Breedlove que deixou recentemente o posto de supremo comandante aliado da OTAN, na 2ª-feira, numa entrevista. “Há muita preocupação sobre o que fazer lá, onde está o nosso pessoal” (New York Times).

Assim sendo, o Falcão Supremo pró-guerra, Ash Carter, e seus colegas russófobos querem intensificar o conflito, expandir a presença militar dos EUA em solo sírio e confrontar diretamente a Rússia. Não aprovam a política do presidente dos EUA, e, assim sendo, estão fazendo de tudo para torpedear o acordo de cessar-fogo. Mas por que, afinal, só hoje, posto que o acordo de cessar-fogo já está vigente há cinco dias? Se Carter & Co. viram a cessação de hostilidades como ameaça tão grave, por que não agiram antes?

Não é difícil explicar esse ponto. O grande perigo nunca foi o cessar-fogo per se, mas as partes do acordo pelas quais militares norte-americanos terão de cooperar com a Força Aérea Russa, para derrotar organizações terroristas que operam na Síria, a saber, al-Nusra e ISIS. Essa é a parte do acordo à qual o Pentágono opõe-se abertamente; e essa é a parte do acordo que começaria a ser implementada dia 19 de setembro, menos de 48 horas depois dos ataques do sábado passado. Hoje, o futuro do acordo já está por um fio, precisamente o que Carter e seus generais queriam. Adiante, um pouco mais do contexto, nos comentários de Churkin, no sábado:

“Muito significativo, e não por acaso, que [o ataque] tenha acontecido apenas dois dias antes da data em que os acertos entre russos e norte-americanos deveriam ser postos em operação (…)

O objetivo do grupo conjunto de implementação do acordo é permitir coordenação expandida entre EUA e Rússia. Participantes do acordo devem trabalhar juntos para derrotar al-Nusra e Daech no contexto de reforçar a cessação de hostilidades e em apoio à transição política delineada na [resolução do Conselho de Segurança] UNSC 2254. Eram arranjos muito importantes os quais – em nossa opinião – poderiam realmente mudar o jogo e contribuir muito positivamente para complementar nossos esforços para derrotar al-Nusra e ISIL, ao mesmo tempo em que criam melhores condições para o processo político (…).

O dia marcado para a implementação do decidido no acordo de cessar-fogo era 19 de setembro; assim sendo, se os EUA quisessem atacar ISIS ou al-Nusra, poderiam ter esperado dois dias e coordenado os ataques, de modo a assegurar que estariam atacando o alvo certo (…). A única conclusão possível é que o ataque aéreo foi executado para fazer desandar a operação do Grupo Conjunto de Implementação e realmente impedir que começasse a operar” (Assistam ao vídeo (ing.) até o fim):

A razão pela qual Moscou vê a “coordenação expandida entre EUA e Rússia” como capaz de “mudar o jogo” é que nem Putin nem seus conselheiros creem que essa guerra possa ser vencida militarmente. Por isso, em dezembro, Putin reduziu a presença militar russa na Síria. Queria reduzir tensões e criar oportunidades para negociações. Moscou sabe que não haverá jamais acordo que ponha fim ao conflito, a menos que os principais participantes entrem em acordo para uma solução política. Por isso Putin está fazendo tudo que está ao alcance dele para levar os EUA a um acordo pelo qual Moscou e Washington partilhem as responsabilidades de segurança. Esse é o objetivo do cessar-fogo: criar uma situação na qual as duas superpotências estejam numa mesma equipe, envolvidas no mesmo processo e trabalhando para o mesmo objetivo.

Infelizmente, os falcões belicistas do Pentágono e seus aliados no establishment político dos EUA, e a comunidade de inteligência, não aceitam nada disso. Os objetivos dos falcões belicistas, dos liberais intervencionistas e dos neoconservadores são idênticos, como sempre foram, desde o início. Querem derrubar Assad, rachar a Síria em vários pedaços, instalar um fantoche dos EUA em Damasco, controlar os corredores de oleodutos e gasodutos críticos do Qatar até a Turquia, e infligir derrota humilhante à Rússia. Para esse grupo, qualquer envolvimento ou cooperação com a Rússia só faz minar o principal objetivo deles, de escalar o conflito, aumentar o poder deles no Oriente Médio e fazer recuar a influência russa.


Isso é o que torna o ataque sem precedentes a posições do Exército Sírio tão suspeito: porque tem tudo para ser um derradeiro esforço, por rebeldes desesperados dentro do Pentágono, para pôr fim ao cessar-fogo e impedir Washington de fazer qualquer tipo de parceria com Moscou na luta contra o terrorismo e o extremismo militante. Sejam os ataques “intencionais” ou não, o analista militar Pat Lang postou essa ‘dica’ iluminadora, no sábado, em sua página Sic Semper Tyrannis:

“O Exército Árabe Sírio já estava ocupando essas posições há cerca de seis meses. Pode-se prever que as câmeras fotográficas e de vídeo e todos os analistas de Inteligência tenham estado a olhar para aqueles soldados o tempo inteiro, produzindo mapas e mais mapas detalhados, onde qualquer um os poderia identificar. Esses documentos sempre estariam acessíveis para muitos, especialmente para unidades aéreas e os especialistas em definir alvos e miras. Jamais antes a coalizão dos EUA atacou qualquer posição na área de Deir al-Zor.”

Assim sendo, sim, os ataques podem ter sido “um erro”, mas as chances de que tenha acontecido assim são ínfimas. A explicação mais provável é que as ordens de ataque partiram dos mais altos níveis do comando central, provavelmente do próprio Ash Carter, cuja determinação em fazer gorar o acordo Obama-Putin para o cessar fogo pode ter sido o ímpeto que levou ao banho de sangue que se viu em Deir al-Zor no sábado.

Impossível não ver a espantosa extensão e o assustador significado de uma ‘rixa’ entre o Departamento de Defesa e a Casa Branca. A resistência contra a política de Obama para a Síria escalou repentinamente e converteu-se em motim aberto, de um lado dissidentes da hierarquia militar, de outro representantes eleitos pelo povo. O bombardeio trágico em Deir al-Zor é provavelmente apenas a primeira escaramuça nessa nova guerra. Devem-se esperar mais confrontações nos próximos dias.

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