Mas o outono no Algarve é, desde há muito, marcado pelas feiras que ocorrem um pouco por toda a região.
Associadas a festas religiosas (romarias) ou pagãs, balizam o quotidiano algarvio, entre os últimos dias de verão e os primeiros de inverno.
Da cosmopolita feira de Santa Iria em Faro, à concorridíssima feira da Praia em Vila Real de Santo António, ou não demandassem a ela milhares de espanhóis, sem esquecermos a de Todos os Santos em Silves, ou a de São Martinho em Portimão, entre muitas outras, até às derradeiras em Lagos e Albufeira, nos últimos dias de novembro, elas renovam-se de Barlavento a Sotavento.
E se algumas têm vindo a perder importância, como a de São Miguel em Olhão, que deixou de se realizar nos últimos anos, quiçá numa antevisão para a sua extinção, outras mantêm-se bastante concorridas.
Em cada certame
surgem as tradicionais bugigangas, vestuário, latoaria, calçado, as castanhas assadas, farturas e também as diversões, dos carrinhos de choque aos carrosséis, ou ainda a roda gigante.
Mais recatados, e cada vez em menor número, emergem os frutos secos: nozes, castanhas, figos e amêndoas, constituindo estes produtos os únicos que não sofreram mutação ao longo dos tempos, velhos resquícios das feiras de antanho.
É justamente sobre estas últimas que nos vamos debruçar, concretamente num levantamento das feiras que se realizavam no Algarve em 1854, com base num inquérito promovido pelo Governo Civil de Faro, em dezembro daquele ano.
Bastante pormenorizado em alguns casos, mais modesto noutros, o inventário reflete as informações fornecidas pelos administradores de cada concelho, permitindo-nos não só conhecer o número de feiras que existiam, como a sua cronologia e por vezes até os produtos comercializados.
Assim, no concelho de Albufeira realizavam-se três certames: a 4 e 5 de fevereiro, no centro da vila, e a 15 e 16 de agosto na “vargem da Sr.ª da Orada, próximo à villa”, coincidindo esta última com a romaria da Sr.ª da Orada.
No “povo” da Guia decorria ainda a feira homónima entre 8 e 9 de outubro.
Em Alcoutim a feira realizava-se de 13 a 15 de setembro, à qual se adicionavam dois mercados, a 25 de abril, na freguesia do Pereiro, e em dia de Corpus Christi, ou seja Corpo de Deus, em Martinlongo.
No vizinho concelho de Castro Marim, tinha lugar apenas um certame, por altura da festa de N.ª Sr.ª dos Mártires, a 14 e 15 de agosto, decorrendo a feira na rua de São Sebastião.
No concelho de Faro existiam quatro eventos, a 16 de julho, no Largo do Carmo, freguesia de São Pedro, e a 20 de outubro, no Campo da Trindade, freguesia da Sé.
As outras duas realizavam-se na então freguesia de São Brás de Alportel, a 3 de fevereiro, no terreiro da igreja, e a 25 de julho no “Rocio de S. Sebastião”.
Em Lagoa, o quotidiano era alterado pela realização da feira de São João, entre 24 e 26 de junho, e a da Sr.ª da Luz, de 8 a 10 de setembro. No concelho tinha ainda lugar, entre 16 e 18 de outubro, a feira de Ferragudo, que se realizava nesta aldeia.
Em Lagos ocorriam dois certames, de 14 a 16 de agosto e de 12 a 14 de outubro. Este administrador do concelho informou ainda sobre a realização da feira de Aljezur (concelho por aqueles anos extinto e anexado a Lagos), que decorria de 25 a 27 de setembro.
Em Monchique, apenas se realizava uma feira por ano, a qual decorria de 26 a 28 de outubro.
Por sua vez, em Olhão efetuavam-se anualmente dois certames, de 29 de abril a 1 de maio e depois a 29 e 30 de setembro.
Na cosmopolita Vila Nova de Portimão, tinha lugar nos dias 11, 12 e 13 de novembro a feira de São Martinho, enquanto na freguesia da Mexilhoeira Grande decorria, no âmbito da vigília de São Bartolomeu, uma feira a 23 e 24 de agosto.
Em Vila do Bispo, efetuava-se a feira homónima a 13 de setembro, com a duração de três dias.
No extremo oposto em Vila Real de Santo António tinha lugar a feira da Praia, nos dias 12 e 13 de outubro de cada ano.
Finalmente, e propositadamente, os concelhos de Loulé, Silves e Tavira. Em Loulé aconteciam a feira dos Passos, na praça da vila, na segunda sexta-feira, sábado e domingo da Quaresma, e a de Loulé, nos olivais de São Francisco, nos dias 29, 30 e 31 de agosto.
Anexo à resposta do administrador do concelho surge ainda uma “Relação das Feiras e Mercados que se fazem nesta Villa e seu termo”, datada de junho de 1834. Nela, além dos certames já indicados, é feita ainda referência ao “Mercado franco” que se realizava todos os domingos e dias santos na Praça da Vila, bem como ao mercado dos porcos “na Barreira desta villa”, que se realizava no Largo do Chafariz, todos os “Domingos e dias Santos, desde que principia a mattança dos porcos, em Novembro, até ao Entrudo”. Certames estes que não foram incluídos no inquérito de 1854.
No concelho de Silves, além da indicação das feiras, o administrador informou também os principais produtos comercializados, os quais se repetiriam noutros certames pela região.
Assim, a 3 de maio, tinha lugar a feira das Cruzes, onde se comercializavam gados (vacum e suíno), madeiras, lojas de “fazendas seccas e de chapéus” e ferragens.
Seguia-se a feira de N.ª Sr.ª da Saúde, criada por Provisão Régia de 7 de julho de 1825, na freguesia de S. B. Messines, nos dias 20, 21 e 22 de setembro. Nela se vendiam gados (vacum, lanígero, caprino, suíno e cavalgaduras), bem como, cereais, legumes, frutas, madeiras, lojas de fazendas “seccas” e chapéus, ourives, arames e ferragens.
Os mesmos produtos concorriam na feira de Todos os Santos, em Silves, nos dias 31 de outubro, 1 e 2 de novembro.
No concelho tinham ainda lugar as vigílias de: São Lourenço dos Palmeirais, freguesia de Pêra, a 10 de agosto; Sr.ª do Carmo em Alcantarilha, no domingo imediato ao dia 25 de julho; e Sr.ª das Dores em Pêra, no domingo imediato a 15 de agosto.
A finalizar o ano havia ainda os mercados dos porcos, nos dias 19 e 20 de dezembro, em S. B. Messines, e no dia seguinte em Silves.
Em Tavira, além da indicação das feiras, foi apensa uma pauta do terrado da feira da Boa Morte, que se realizava nos dias 1 e 2 de agosto, na Atalaia Grande.
Na pauta, são indicados os preços a cobrar aos diferentes tendeiros que a ela ocorriam com os seus produtos.
Estes, como se pode imaginar, são extremamente diversos, desde os “mercadores de Lojas grossas”, às “Lojas de Mercadorias grandes”, passando pelos hortelões, sapateiros, ourives, caldeireiros, lojas de boticas, louças de barros, panos de linho e estopa, figos passa e nozes, albardeiros, barbeiros, os que vendem “farrobas de dez sacos para cima”, até às designações há muito caídas em desuso, como “bafurenheiros das Lojas no chão” (quinquilharias), espadeiros, aos que vendem soriano, “selleiros”, ou ainda os que “vendem morrassa”, etc., etc.
Quanto aos preços praticados, variavam entre 480 réis e 60 réis, existindo discriminação positiva no caso dos ourives de prata da terra, que pagavam 200 réis, enquanto os de fora 300 réis.
Feira da louça - Tavira
A louça de “Castella” pagava 240 réis, e os de “obra de palma” 60, entre muitos outros exemplos.
Na cidade, tinha ainda lugar a feira de São Francisco, de 3 a 5 de outubro, também na Atalaia Grande. Na freguesia de Santa Catarina efetuava-se, por sua vez, a feira da Sr.ª das Dores, no primeiro domingo, depois do dia 15 de agosto.
No Algarve, realizavam-se assim, em meados do século XIX, trinta e sete certames, repartidos entre feiras, mercados e vigílias, sendo o concelho de Silves aquele que batia o recorde com três feiras, três vigílias e dois mercados.
Faro tinha quatro feiras, embora duas se realizassem em São Brás de Alportel, seguiam-se Albufeira, Tavira e Lagoa com três feiras anuais. Também Alcoutim realizava três certames, uma feira e dois mercados.
Por sua vez Lagos, Loulé e Olhão tinham duas feiras, e Vila Nova de Portimão uma feira e uma vigília. Os restantes concelhos efetuavam apenas uma anual.
Em termos cronológicos, a maioria dos certames, dezassete, concentrava-se no outono, e quase sempre em simultâneo com romarias.
Cerca de 160 anos depois, muitas destas feiras já desapareceram, algumas viram a data de realização alterada, enquanto outras foram substituídas.
Em Loulé, por exemplo, ambas cessaram, existindo atualmente concorridíssimos mercados semanais aos sábados.
Mas hoje, tal como ontem, as feiras, além da transação de produtos, constituem um verdadeiro ponto de encontro entre familiares e amigos, bem como um local de diversão e folia, que a concorrência dos centros comerciais ainda não conseguiu extinguir.
Agora que o outono se aproxima do fim, termina com ele o ciclo das feiras algarvias, mas até lá ainda se efetuam as de Lagos, de 22 a 24 de novembro, e a derradeira, em Albufeira, dia 30.
Mas, após o verão do próximo ano, tudo se repetirá de Sotavento a Barlavento, e as feiras algarvias serão de novo uma realidade. Muito diferentes do que eram em 1854, é certo, mas ainda assim feiras importantes.
Autor: Aurélio Nuno Cabrita é engenheiro de ambiente e investigador de história local e regional
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