As imagens são suficientes para dar a volta ao estômago. Fotografias de crianças e de bebés com os braços e as pernas cobertos de bolhas e de lesões, as caras contorcidas pela dor. Algumas morreram pouco depois de as fotos terem sido tiradas.
Recolhemos estas imagens angustiantes numa missão de investigação da Amnistia Internacional, que durou oito meses, num dos locais mais remotos do planeta: Jebel Marra, na região sudanesa do Darfur.
A investigação - em que foram entrevistadas mais de 200 testemunhas e feita uma análise extensa de imagens de satélite - veio relevar um cenário extremamente preocupante. As forças militares do Sudão têm atacado centenas de aldeias, cometendo crimes de guerra e grosseiras violações de direitos humanos, incluindo bombardeamentos, assassínios e violações, e o recurso a táticas de terra queimada.
Obtivemos também provas substanciais - incluindo aquelas fotografias das crianças - do uso de armas químicas para matar e mutilar civis.
A Amnistia Internacional não tomou de ânimo leve a decisão de divulgar estas fotografias profundamente perturbadoras; fê-lo por acreditar que os terríveis crimes de guerra que estão a ser cometidos no Darfur exigem uma ação concertada da comunidade internacional.
Em tempos assunto que captava enorme atenção pública no Ocidente, o Darfur parece ter saído da agenda mundial nos anos recentes. O facto de estar sob a vigilância de uma das maiores forças de manutenção de paz no mundo inteiro - e tendo o presidente sudanês, Omar al-Bashir, proclamado no início deste mês que a paz voltara à conturbada região - torna estas descobertas feitas pela Amnistia Internacional ainda mais exasperantes.
Afinal de contas, estamos a falar do mesmo tipo de crimes de guerra que catapultaram o Darfur para o centro da consciência coletiva mundial em 2004. Agora, passaram-se 13 anos e os ataques que documentámos ocorreram entre janeiro e setembro de 2016. O mais recente aconteceu há apenas algumas semanas, no dia 9 deste mês, um dia depois da pomposa proclamação feita por Al-Bashir.
Confirmando-se o uso de armas químicas, este é um novo nível de barbárie no conflito, e também uma maior profundidade no sofrimento suportado pela população do Darfur.
É difícil exagerar sobre os cruéis efeitos destes químicos no corpo humano, e as crianças de tenra idade são especialmente sensíveis a essas consequências.
Uma mulher contou-nos que o seu bebé continuava doente passados seis meses de ter sido exposto ao que descreveu como "ar envenenado": "O bebé não recupera... está inchado... tem bolhas e feridas. [Os médicos] dizem que ele melhora se beber leite [materno]... mas isso não está a funcionar."
As armas químicas estão internacionalmente proibidas há décadas, sendo reconhecido que o nível de sofrimento que infligem jamais pode ser justificado. As provas credíveis que indicam que o governo do Sudão estará agora a usá-las repetidamente não podem ser ignoradas.
Há mais de dez anos, o Tribunal Penal Internacional (TPI) emitiu um mandado de captura do presidente sudanês sustentado em três acusações de genocídio, cinco de crimes contra a humanidade e duas de crimes de guerra. Porém, entretanto, Omar al-Bashir venceu duas eleições e viajou regularmente para fora do Sudão, incluindo ao Quénia, Nigéria e África do Sul. Como signatários do Estatuto de Roma, tratado que criou o TPI, cada um destes países tinha o dever de deter Al-Bashir à chegada aos seus territórios. Nenhum o fez.
E não foram nunca postas em prática nenhumas medidas eficazes para proteger os civis no Darfur, apesar de a região permanecer sob a vigilância da missão conjunta de manutenção de paz da União Africana e das Nações Unidas (UNAMID). As conversações e acordos de paz não trouxeram nenhuma segurança nem tranquilidade ao povo do Darfur.
A resposta da comunidade internacional nestes últimos dez anos tem sido absolutamente deplorável e, face a tão ineficaz reação, não é de admirar que a arrogância do presidente Al-Bashir tenha aumentado.
À luz das novas provas chocantes obtidas, e em vésperas da reunião do Conselho de Segurança das Nações Unidas em Nova Iorque, instamos a comunidade internacional a fazer mais para proteger as crianças, os homens e as mulheres do Darfur.
Podem exercer pressão para o governo do Sudão garantir que a União Africana e das Nações Unidas e as agências de ajuda humanitária acedem a partes do Darfur como a recôndita Jebel Marra, onde alguns dos mais graves abusos estão a ser cometidos. São necessárias mais bases da força de manutenção de paz no país e tem de lhe ser permitido fazer patrulhas proativas até ao interior das áreas remotas.
É também necessária uma investigação urgente ao uso de armas químicas em Jebel Marra e, sendo recolhidas provas suficientes, tem de se lhe seguir o julgamento dos suspeitos com responsabilidade criminal.
O presidente Al-Bashir tem de aprender que há consequências quando são cometidos crimes previstos na lei internacional. Estes 30 anos de violência catastrófica e de recorrentes violações de direitos humanos já foram demais. É chegada a altura de o mundo voltar a centrar a atenção, outra vez, no Darfur e agir.
Secretário-geral da Amnistia Internacional
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