Timoleón Jiménez*
Tal como o conflito também as conversações de paz a decorrerem em Havana são longas, requerem amor ao povo e à pátria, mas também exigem disponibilidade, paciência, sagacidade para desarmar e afastar os escolhos que constantemente são atravessados para dificultar os acordos na Mesa de negociações.
Neste texto, Timoleón Jimenez, Comandante do Estado-Maior Central das FARC-EP, diz-nos por que razão os insurrectos vão conseguir, e disso estão certos, um Acordo Final.
Neste texto, Timoleón Jimenez, Comandante do Estado-Maior Central das FARC-EP, diz-nos por que razão os insurrectos vão conseguir, e disso estão certos, um Acordo Final.
Depois de respirar o límpido sentimento de liberdade que se inspira logo pela manhã ao viajar de Havana para Oriente, contemplando o mar azul de múltiplas tonalidades causadas pela passagem de uma brisa forte, a vista regala-se, surpreendida, com a paisagem de Matanzas, a sua formosa baía, o seu rio, a sua singular arquitectura, as suas pontes, donde mergulham crianças sorridentes.
Dezenas de veleiros navegam em distintas direcções, empurrados pelo sopro dos ventos, como se tivessem agarrados à sua popa um desses motores com que na Colômbia nos movimentamos nos grandes rios, cuja recordação nos faz parecer pequenas levadas os rios daqui. O tamanho dos barcos, as suas velas brancas falam-nos de uma ensonada aldeia de pescadores.
Como aquela em que vivia Santiago, o velho que passara 84 dias sem picar um peixe que merecesse reconhecimento, e que a cada amanhecer se lançava mar adentro na sua lancha, sonhando pescá-lo. Falo da narrativa que valeu a Ernest Hemingway o Prémio Pulitzer, e que acabou por o converter em ídolo de todos os cubanos. Um cântico à tenacidade humana, disse alguém, e eu concordo.
Nunca um pescador tinha apanhado um espadarte de dezoito pés de comprido, como o que ele pescou depois de uma titânica e solitária luta. Após o amarrar a um dos costados do barco, empreendeu o regresso até ao seu povoado, imaginando a admiração geral e todo o proveito que retiraria do seu trabalho. Foi então que apareceram os tubarões, atraídos pelo fio de sangue do arpão.
A batalha nocturna do velho contra aqueles tubarões que atacavam com furiosas dentadas o seu precioso tesouro, parece-me apropriada para comparar ao processo de Havana, uma longa saga que se iniciou há mais de trinta anos, e se diz à porta de um Acordo Final, vítima ele também de raivosas investidas, obstinadas em impedir a sua chegada a bom porto. Sobram as interpretações interessadas e mal-intencionadas sobre o conflito colombiano. Todas elas mostram desconhecer duas realidades históricas de monta: a enorme desigualdade económica e social dominante no país e o carácter profundamente elitista, intolerante, antidemocrático e violento do regime político vigente. Tratá-las como deviam ser tratadas possibilitou o caminho da paz.
Ainda que com diversos critérios sobre a forma de abordar esses dois grandes falhanços, é inegável que o Acordo Geral de Agosto de 2012 fixou neles a sua atenção. A problemática da terra e das culturas de uso ilícito, a abertura política e as garantias, as vítimas e a justiça ocuparam mais de três anos de debates. Não será o paraíso, mas começámos por fim a caminhar.
Pelo caminho, somaram-se a este sonho mais e mais colombianos, cada vez mais conscientes da oportunidade que representa para o futuro de todos o pôr um fim a este longo conflito fratricida. E veio a comunidade internacional, países acompanhantes e garantes. Os enviados dos EUA e da União Europeia. As Nações Unidas e o seu Conselho de Segurança. Esta questão é levada a sério.
Enquanto John Terry, secretário de Estado norte-americano, acorre a Havana para se reunir separadamente com as delegações das duas partes sentadas à Mesa, e o secretário-geral das Nações Unidas escreve respeitosamente ao Comandante das FARC, persistem vozes na Colômbia a dizer que se é certo que o processo é bilateral ele não é entre partes iguais.
E que portanto não abandonam a sua aspiração de submeter a insurreição aos intocáveis poderes estatais. O Acordo Geral proclama coisa diferente. O ponto terceiro da Agenda, Fim do conflito, descreve-o como um processo integral e simultâneo que envolve sete grandes temas, e que começará o seu desenvolvimento com a assinatura do Acordo, num prazo prudencial acordado.
Quem quiser ver de forma desprevenida os sete grandes temas referidos, concluirá que se trata de assuntos complexos, em não se pode exigir a uma das partes que abandone as armas e se reincorpore na vida civil, sem que, por sua vez, a outra não concretize os compromissos correspondentes. Conservar as armas não nos interessa tanto como conservar a vida.
Os prazos não podem ser ilimitados para uma das partes, e fixos, precisos e firmes para a outra parte. Por isso devem ser prudenciais, hábeis para desenvolver integral e simultaneamente os acordos.
Será que há alguém que acredita que o paramilitarismo, o atentado pessoal e o semear diário de ódios não são ameaças reais para a insurreição armada e o movimento popular?
O mito do proselitismo armado, dos guerrilheiros armados a fazerem política por todo o país não passa de uma mal-intencionada caricatura propalada sem avaliar o dano provocado. Claro que na Colômbia deve acabar para sempre a ligação entre a política e as armas, não mais terrorismo de Estado, não mais ódios, não mais paramilitarismo, não mais marchas contra a paz.
Ou será que tudo não passa de proselitismo armado? As conversações de paz iniciaram-se para pôr definitivamente termo à violência e às armas na política. A insurreição não pode acordar com o governo nacional, com os países acompanhantes e garantes, com toda a comunidade internacional como testemunha fórmulas se não pensasse cumprir. Não temos vocação para tolos ou suicidas.
Surpreende que se invoque a figura de colombianos desprotegidos no Cáguan, quando fora da zona desmilitarizada, em todo o território nacional, o paramilitarismo, com a clara cumplicidade das forças militares inundou o país de sangue com os seus crimes, massacres e despojos. Horrores como o de Catatumbo [1] ocorreram na Colômbia protegida, essa que nunca quiseram ver.
Os Acordos pressupõem a verificação e as Nações Unidas já avançam nessa direcção, com representação do Estado e dos insurrectos. Ninguém se nega a isso. No entanto, o presidente insinua na sua declaração pública, como se nós tivéssemos, o propósito de nos rendermos, nos desmobilizarmos e nos humilharmos. Uma coisa improcedente para quem têm dignidade.
O governo colombiano exigiu como condição indispensável das conversações uma discrição total sobre as discussões à Mesa. Cumprimos. Mas poderíamos, por exemplo, demonstrar que não é verdade a negação absoluta do doutor De La Calle sobre o que aconteceu na Sub-comissão Técnica, mas não nos interessa aprofundar contradições, mas aproximar, consensualizar acordos.
Por isso mesmo, também não fornecemos qualquer informação reservada à imprensa, para que esta publique crónicas e notas sobre os diversos temas em discussão, a fim de criar um clima desfavorável aos nossos interlocutores. Não se trata disso. Queremos a paz, lutamos por ela, desejamos assinar um Acordo Final o quanto antes. Isso requer medida, sensatez, responsabilidade.
Sabemos que os tubarões carniceiros preservarão a sua obra predadora, e por isso, talvez seja impossível que as soluções convenham a todos os colombianos. Mas basta que uma imensa maioria se incline para a paz e apoie os acordos finais. É com elas e eles que nos devemos unir agora. A Colômbia inteira o merece.
A recente e reconfortante notícia de um início próximo da fase pública de conversações de paz com o ELN constitui, sem dúvida, uma voz de alento e esperança para todos os interessados no fim do longo conflito armado colombiano. Os astros realinham-se novamente e não pode afundar-se a pique esta feliz oportunidade. Santos: Vamos consegui-lo, estamos certos.
La Habana, 4 de abril de 2016.
Nota do Tradutor:
[1] Em 25 de Junho de 2013, 8º dia de luta pela Reserva Camponesa de Catatumbo durante uma manifestação de camponeses a Polícia e o Exército abriram fogo sobre os manifestantes, assassinando 4 camponeses e fazendo 10 feridos. O Estado da Colômbia procurou fazer crer que os mortos e feridos eram guerrilheiros, e só o não conseguiu porque havia jornalistas internacionais a reportar a luta dos camponeses, que repuseram a verdade.
[1] Em 25 de Junho de 2013, 8º dia de luta pela Reserva Camponesa de Catatumbo durante uma manifestação de camponeses a Polícia e o Exército abriram fogo sobre os manifestantes, assassinando 4 camponeses e fazendo 10 feridos. O Estado da Colômbia procurou fazer crer que os mortos e feridos eram guerrilheiros, e só o não conseguiu porque havia jornalistas internacionais a reportar a luta dos camponeses, que repuseram a verdade.
* Comandante do Estado-Maior Central das FARC-EP
Tradução de José Paulo Gascão
www.odiario.info
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