AVISO

OS COMENTÁRIOS, E AS PUBLICAÇÕES DE OUTROS
NÃO REFLETEM NECESSARIAMENTE A OPINIÃO DO ADMINISTRADOR DO "Pó do tempo"

Este blogue está aberto à participação de todos.


Não haverá censura aos textos mas carecerá
obviamente, da minha aprovação que depende
da actualidade do artigo, do tema abordado, da minha disponibilidade, e desde que não
contrarie a matriz do blogue.

Os comentários são inseridos automaticamente
com a excepção dos que o sistema considere como
SPAM, sem moderação e sem censura.

Serão excluídos os comentários que façam
a apologia do racismo, xenofobia, homofobia
ou do fascismo/nazismo.

sexta-feira, 29 de abril de 2016

UM “BANCO MAU” PARA SALVAR A BANCA CUSTARÁ MUITO AOS CONTRIBUINTES E NÃO RESOLVERÁ O PROBLEMA DA FALTA DE CRÉDITO – por EUGÉNIO ROSA

by joaompmachado

É UMA ILUSÃO PENSAR QUE A CRIAÇÃO DE UM “BANCO MAU” PARA TODA A BANCA NÃO CUSTARÁ NADA AOS CONTRIBUINTES E QUE RESOLVERÁ O PROBLEMA DA FALTA DE CREDITO ÀS EMPRESAS E ÀS FAMÍLIAS

Neste momento, está em debate no espaço público a criação de um “banco mau” para a banca no nosso país, para o qual seriam transferidos todos os “maus créditos” que os bancos têm na sua carteira, muitos deles fruto da gestão irresponsável dos banqueiros. E tem-se procurado vender à opinião pública a ideia de que isso não custaria nada aos contribuintes, e resolveria o problema da falta de crédito às empresas e às famílias.

A criação de um “banco mau” que não custará nada aos contribuintes e que salvará os bancos da má gestão dos banqueiros é mais uma ilusão, que faz lembrar a de Teixeira dos Santos quando o governo de Sócrates nacionalizou o BPN. Nessa altura estávamos na Assembleia da República e, perante a nossa insistência, Teixeira dos Santos acabou por dizer que os prejuízos seriam apenas de 800 milhões €, mas que depois multiplicaram-se muitas vezes. Os contribuintes portugueses já conhecem muito bem, porque tiveram de pagar, o que custou a criação de um “banco mau” no caso do BPN, BES e BANIF, mas o que agora este governo pretende criar é um “banco mau” para toda a bancaE diz que não vai custar nada aos contribuintes. É mais uma ilusão que agora pode sair muito mais cara aos portugueses. Para concluir isso, basta, por um lado, conhecer a situação real da banca portuguesa e, por outro lado, saber como a banca funciona e que problemas enfrenta atualmente.

A DIMENSÃO DO CRÉDITO VENCIDO E DO CRÉDITO EM RISCO NA BANCA PORTUGUESA

 O quadro 1 mostra o aumento rápido do crédito vencido na banca após o início da crise.

Quadro 1 – Variação do crédito bruto e do crédito vencido na banca em Portugal
bancomau - I

Segundo a definição do Banco de Portugal, credito vencido é o “Crédito em situação de incumprimento de pagamento ou seja cujos prazos de amortização não foram respeitados pelo devedor”. E entre Março de 2007 e Junho de 2014, e estes são os dados mais recentes disponibilizados pelo Banco de Portugal, enquanto o crédito bruto total (antes de deduzidas as imparidades) aumentou apenas 7,7%, o crédito vencido aumentou 327,2% na banca em Portugal, pois passou de 4.955 milhões € para 21.166 milhões €. Em percentagem do crédito bruto total, entre 2007 e 2014, o crédito vencido subiu de 1,9% para 7,4%, ou seja, aumentou 3,9 vezes, e continua a crescer. Isto dá bem uma ideia do tipo e da qualidade da gestão dos banqueiros, nomeadamente antes do início da crise, onde a análise rigorosa de risco estava ausente em muitos bancos.

No entanto, a situação na banca é ainda mais grave que os dados do Banco de Portugal constantes do quadro anterior revelam. O quadro 2, com dados das contas de 2015 dos seis principais bancos, cuja carteira de crédito representa cerca de 80% da carteira total dos bancos em Portugal, dá uma ideia mais clara e rigorosa da situação da banca no nosso país, e dos custos que se teria de suportar para resolver o chamado crédito mal parado que existe na banca em Portugal.

Quadro 2 – Crédito em incumprimento e crédito em risco nos 6 principais bancos em 2015

bancomau - II

Segundo o Banco de Portugal, “crédito com incumprimento é igual crédito vencido há mais de 90 dias mais o Crédito de cobrança duvidosa”, e o crédito em risco obtém-se somando ao anterior também o “credito vencido há menos de 90 dias e o crédito reestruturado”, portanto crédito em que também se corre o risco de não ser recebido, ou pelo menos, uma grande parte deles. No fim de 2015, só nestes 6 bancos, o crédito com incumprimento somava 21.428 milhões €, e o crédito em risco totalizava 28.038 milhões €.

QUAL SERIA O CUSTO DA TRANSFERÊNCIA DESTE CRÉDITO PARA UM “BANCO MAU

É evidente que crédito com incumprimento e crédito em risco não significa que todo esse crédito esteja perdido para a banca. Apenas uma parte, coberto por “imparidades”, é que a banca prevê, com fundamento, que não será recebido (o cálculo das imparidades é feita tendo com base a probabilidade de “default”, ou seja, de incumprimento – PD – e a perda, em percentagem do total, em caso de incumprimento que é a LGD). Até porque muito dele tem garantias reais (colaterais), por isso há normalmente uma parcela que é recuperada.

A transferência do crédito com incumprimento ou em risco para um “veículo”, chame-se ele “banco mau” de toda a banca em Portugal, ou tenha qualquer outro nome, representa um custo elevado para este “banco mau”, porque este crédito tem um “preço” e terá de ser pago. Cada crédito transferido, por não ter sido abatido ao ativo significa que não tem imparidades a 100% (não está provisionado em 100%), portanto ainda existe uma parte “boa” de cada crédito, ou seja, aquela que banca prevê ainda receber. E essa parte “boa” está contabilizada no seu ativo liquido, e não pode ser abatida de qualquer maneira porque isso provocaria um “buraco” no ativo da banca, causando um desequilíbrio entre Ativo e Passivo (determinaria A < P), que teria de ser compensado imediatamente pelo aumento dos Capitais Próprios, o que exigiria a recapitalização da banca nesse valor. Isto porque se isso não fosse feito os rácios de capital desceriam certamente abaixo dos regulamentares ou, em caso extremo, o banco poderia entrar mesmo em falência técnica, o que poderia levar ao seu colapso. Portanto, para que isso não acontecesse seria necessário que fosse pago (a cada banco) imediatamente, pelo “banco mau”, a parte “boa” do crédito transferido para ele. Só assim é que se evitaria o aparecimento de “buracos”, ou seja, de prejuízos que tinham de ser registados nas contas, causando a delapidação dos capitais próprios dos bancos que aderissem a esta solução.

O “banco mau” para toda a banca não possui fundos para o fazer. Alguém teria de fornecer ao “banco mau” os meios financeiros que ele necessita para pagar aos bancos a parte “boa” dos créditos que receberia. Seria a banca? Neste caso, embora o crédito tenha sido transferido para o “banco mau”, o risco associado a esse crédito continuaria a contaminar os balanços dos bancos. E isso só não aconteceria se fosse o Estado a financiar o “banco mau” dos meios necessários, ou então o Estado a dar uma garantia. Quer num caso quer em outro seria o Estado a assumir o risco e, consequentemente, as perdas que daí resultassem. E seria difícil no futuro recuperar esse dinheiro da banca devido as dificuldades que enfrenta.

Para que se possa ficar com uma ideia mais concreta do que isso significa interessa recordar o que aconteceu com o BPN e que não foi resolvido. Por decisão do governo, a CGD forneceu os meios financeiros. Nas contas da CGD de 2014, no relatório da comissão de auditoria anexa às contas, consta ainda o seguinte: “A exposição da CGD às entidades Parvalorem SA, Parups SA , e Participadas SGPS (veículos que pertencem à esfera do Estado) inclui 2.500 milhões € de obrigações,  38,3 milhões € de crédito, e 1.000 milhões € de papel comercial subscrito pela CGD (2.500M€+38,3M€+1.000M€ = 3.538,3M€). Este montante será amortizado pelas vendas dos ativos daqueles veículos”. É uma divida atual à CGD por credito concedido aos veículos (o “banco mau do BPN”) que ficaram com o crédito  “mau” do BPN, e que só será paga com a receita que se obtiver da venda desses ativos “maus” do BPN. E é de prever que a receita não seja suficiente para pagar aquela divida à CGD, que continua por pagar, no montante de 3.538,3 milhões € (em Abril/2016 o ministro das Finanças afirmou que o Estado previa receber do BPN apenas 2.000 milhões € até 2020. Será isso verdade?). E o que faltar terá de ser pago pelo Estado, ou seja, pelos contribuintes. Portanto, dizer que um “banco mau” para toda a banca não custará nada aos contribuintes é uma ilusão, para não dizer uma grande mentira.

UM “BANCO MAU” PARA TODA A BANCA FINANCIADO PELO ESTADO OU COM A GARANTIA DO ESTADO É UMA BOMBA AO RETARDADOR

No entanto, não se pense que o risco para o Estado se conceder os meios financeiros ou se der uma garantia reduzem-se apenas aos referidos anteriormente. Um outro problema que existe em relação à criação de um “banco mau” para toda a banca é o cálculo da parte boa do crédito transferido, ou seja, do chamado “crédito liquido”. E essa parcela é a diferença entre o crédito bruto e as imparidades constituídas. E estas poderão estar subestimadas no momento de transferência. E é isso que todos os bancos procurarão fazer para receber mais. Para além disso, e após a transferência, o volume de imparidades, ou seja, do crédito que se prevê não receber não ficará congelada. É de prever que aumente com o correr do tempo, como aconteceria se esse crédito se mantivesse nos bancos. E a questão que se coloca: Quem suportará um eventual aumento das imparidades registadas nesse crédito transferido? Será a banca? Ou será o Estado se ficar responsável pelo “banco mau” ou se der uma garantia?. É evidente que se for o Estado responsável pelo financiamento ou se der uma garantia ao “banco mau” serão também os contribuintes que acabarão por pagar os custos de toda operação para limpar a banca da má gestão dos banqueiros na concessão de crédito.

Para que se possa ficar com uma ideia do custo de uma operação desta natureza tenha-se presente o seguinte. Suponha-se que se vai transferir para o “banco mau” todo o crédito em risco. Só para os 6 bancos constantes do quadro 2 o crédito em risco no fim de 2015 totalizava 28.038 milhões €. Tendo em conta a experiencia de venda de carteiras de crédito por vários bancos, suponha-se que estavam apenas constituídas imparidades no valor de 50% deste total de crédito, ou seja, no valor de 14.019 milhões €, portanto a transferência dos 28.038 milhões € para o “banco mau” obrigaria que este pagasse aqueles bancos 14.019 milhões € pela parte “boa do crédito”. Para que os balanços dos 6 bancos não fossem contaminados por este crédito seria necessário que fosse o Estado a conceder ao “banco mau” um empréstimo de 14.019 milhões €, ou então que o “banco mau” obtivesse um empréstimo naquele montante com a garantia do Estado; portanto, quer num caso quer no outro lado seria o Estado, ou seja, os contribuintes que teriam de assumir o risco. No entanto, pode-se pensar que o “banco mau” iria ressarcir o Estado com a receita que obtivesse da parte boa desse crédito. Mas a realidade é muito diferente. Como sucedeu no caso do BPN, e certamente também no caso do BES, as receitas obtidas com os ativos transferidos não são suficientes, até porque as imparidades continuam a aumentar, e acaba-se por receber muito menos de que o previsto. Nos casos anteriores foram os contribuintes que tiveram de suportar os prejuízos, que aumentou a divida pública, que é paga com impostos.

É evidente que um “haircurt” no credito transferido, por ex., de 20% para além das imparidades já constituídas não resolve o problema pois mesmo com este corte a receita obtida com a venda dos ativos poderá revelar-se insuficiente e, para além disso, criaria um “buraco” no Ativo dos bancos que teria de ser compensado ou com mais prejuízos que ou causariam a delapidação dos capitais próprios ou  exigiriam recapitalização. A única forma de garantir que os contribuintes não pagarão nada é o Estado não financiar nem dar garantias. Mas interessará isso à banca? Penso que não, pois quando se fala no “banco mau” na banca a pergunta que surge é esta: Quem pagará a fatura? Os banqueiros estão à espera que seja o Estado, i.é., os contribuintes a pagá-la. Fernando Ulrich já o disse. É bom não ter ilusões.

A ILUSÃO DE QUE A CRIAÇÃO DE UMA “BANCO MAU” PARA A BANCA RESOLVERÁ O PROBLEMA DA FALTA DE CREDITO ÀS EMPRESAS E ÀS FAMÍLIAS

É certo que a transferência do credito mau que os bancos têm na sua carteira para um “banco mau”, desde que os custos dessa operação fossem suportados pelo Estado, ou seja, pelos contribuintes aliviaria os bancos, reduzindo as necessidades de capital. E isto porque estas são calculadas com base no crédito concedido pelos bancos ponderado pelo risco. Quanto menor for o risco que cada banco tenha na sua carteira menor serão as necessidades de capital, e menor será pressão e a exigência feita aos acionistas para que recapitalizem o seu banco. No entanto, mesmo que isso aconteça, isso não é condição suficiente para que os bancos aumentem significativamente o crédito às empresas e às famílias. Para concluir isso observe-se o quadro 3, construído com dados divulgados pelo Banco de Portugal:

Quadro 3 – Variação do rácio de transformação da banca em Portugal entre 2000 e 2015

bancomau - III

Em 2000, o rácio de transformação da banca em Portugal era de 121%, ou seja, por cada euro de depósito que a banca recebia emprestava 1,21€. Com a entrada na zona euro, e com a política de crédito fácil e arriscado, o rácio de transformação disparou atingindo em 2007, início da crise, 150%, ou seja, a banca por cada euro de depósitos emprestava 1,5€. É evidente que pagar juro apenas de um euro de depósito e com base nesse euro emprestar um euro e meio e receber juro por 1,5€ dava um sobrelucro à banca, o que foi aproveitado pelos acionistas para retirarem da banca elevados lucros, descapitalizando-a e deixando-a na situação em que se encontra. E muito desse crédito concedido, fonte desse sobrelucro, foi feito sem uma análise rigorosa do risco, tendo-se agora de pagar uma fatura elevada, e sendo uma parte dela paga pelos contribuintes. A “troika” impôs a desalavancagem dos bancos estabelecendo como limite máximo o rácio de 120%, ou seja por cada 1€ de depósitos recebidos a banca só podia emprestar 1,2€. No entanto, como os dados do Banco de Portugal constantes do quadro 3 revelam, em 2015, o rácio de transformação médio na banca em Portugal era apenas de 101%, ou seja, por cada 1€ de depósitos emprestava apenas 1,01€. E se a análise for feita em relação aos principais bancos a situação, em relação a alguns deles, é ainda mais grave. Por ex., a CGD, em 2015, por cada 100€ de depósitos que tinha, emprestava apenas 90,1€, pois o seu rácio de transformação era apenas de 90,1%. Os bancos até querem conceder crédito para aumentar o negócio bancário, e assim recuperar a rentabilidade, que é um problema grave atual. A falta de crédito às empresas e às famílias não resulta apenas da banca não querer emprestar, ou de ter elevado crédito em risco ou com incumprimento bastando, por isso, fazer uma “limpeza” dos balanços para que o problema seja resolvido. A falta de crédito resulta também da crise, e dos seus efeitos nas empresas e famílias, a maioria das quais estão numa situação tão debilitada, até porque estão bastante endividadas, que não conseguem dar garantias mínimas aos bancos para que estes possam conceder crédito sem correr risco elevado risco, ou seja, com um mínimo de garantida que esse crédito será depois pago. E esta situação não se alterará enquanto o crescimento económico for anémico como o governo prevê. O que governo deveria fazer não era criar um “banco mau” para limpar os bancos da “porcaria” que os banqueiros fizeram, desresponsabilizando-os, mas sim criar fundos de garantia (os fundos de garantia mutua existentes são insuficientes e inadequados para a maioria das empresas), com fundos comunitários que apoiassem as empresas, e não os bancos, a obter crédito junto dos bancos dando a estes um mínimo de garantias, sem as quais o “spread” que terão de pagar, quando conseguem o credito, será muito elevado e a concessão de crédito, sem atender ao risco, poderia levar à implosão de mais bancos, com custos muito elevados para os contribuintes.

 Eugénio Rosa, edr2@netcabo.pt 

aviagemdosargonautas.net

Sem comentários: