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O TRABALHO TEMPORÁRIO: uma forma violenta de exploração da precariedade e um contributo para a reflexão na campanha “Precariedade não é futuro”
Para quem tem como fonte única ou fundamental de rendimento o seu trabalho, o desemprego e a humilhação a que está associado, é o pior que poderá suceder. Depois do desemprego, é a precariedade, ou seja, o trabalho incerto, a ameaça permanente de perder o emprego, a alternância de períodos de emprego com períodos de desemprego, a remuneração indigna, o trabalho sem direitos ou, pelo menos, sem o direito fundamental consagrado na própria Constituição da República (artº 58º e 59º ) que é o direito a um emprego permanente e digno, com uma remuneração também digna.
Em Portugal, a precariedade tem múltiplas formas, e um delas é o trabalho temporário que, apesar de legal, não é menos violenta. A própria designação que carateriza este tipo de emprego – trabalho temporário - dá bem uma ideia da sua natureza, a que se associa o facto do trabalhador ser um simples meio de obtenção de lucro para as empresas de trabalho temporário, já que os rendimentos destas resultam da diferença entre aquilo que paga a empresa utilizadora desse tipo de trabalho e o que o trabalhador recebe, podendo este ser descartado facilmente quando a possibilidade de obter lucro termina para às empresas de trabalho temporária. Excetuando o reduzido numero de trabalhadores permanentes necessários para ter uma estrutura organizativa adequada como exige a lei (que se reduz apenas à “existência de um diretor técnico contratado pela empresa, como habilitações e experiência adequada na área de recursos humanos”, como dispõe o artº 5º da Lei 5/2014, que republica o D.L. 260/2009), estas empresas contratam os restantes trabalhadores com um prazo que se articula com o do contrato da empresa utilizadora. No entanto há empresas que contratam ao mês, à semana e, em alguns casos, até ao dia sendo o contrato renovado enquanto interessar tanto à empresa de trabalho temporário como à empresa utilizadora do trabalho temporário.
As empresas de trabalho temporário não têm qualquer atividade produtiva a não ser o serem de intermediárias (facilitadoras) de mão de obra, a maioria das vezes mal paga naturalmente ao trabalhador. E a situação é ainda mais grave para o trabalhador quando aparece neste circuito intermediários de mão-obra à margem da lei (autênticos “negreiros”), já que as empresas de trabalho temporário legalizadas (as que têm licença) “procuram” cumprir os mínimos constantes da lei.
Embora o trabalho temporário seja legalmente permitido apenas para satisfazer necessidades e tarefas temporárias das empresas, conforme dispõe os artº 175º e 140º do Código do Trabalho, ele é utilizado amplamente de uma forma aberta para tarefas permanentes. Serve de exemplo os “call-centers”, nomeadamente das grandes empresas, que são ocupados quase totalmente por trabalhadores temporários (utilizam como expediente, o contrato para uma campanha), sendo também muito comum na indústria automóvel (o expediente aqui é contrato para um modelo). E isto é também alimentado por empresas de trabalho temporário ditas legais.
Dum documento da CGTP sobre precariedade do emprego integrado na campanha atualmente em curso “PRECARIEDADE NÃO É FUTURO” para os jovens, retiramos o gráfico seguinte que dá bem uma ideia da dimensão da precariedade em Portugal.
Gráfico 1- A dimensão do trabalho precário em Portugal
Fonte: Estatísticas do Emprego, INE. 2011: quebra de série.
A precariedade no emprego atinge todos os grupos etários mas tem maior dimensão nos trabalhadores jovens com idade entre 15 e 24 anos. Embora não existam dados oficiais sobre o trabalho temporário em Portugal, no entanto é possível fazer uma estimativa conjugando dados do Eurostat e do INE que constam do quadro 1.
Quadro 1 - Uma estimativa do trabalho temporário em Portugal
Portugal é um dos países da União Europeia onde a percentagem de assalariados com contrato de duração limitada é mais elevada. Em 2014, atingia 14% dos trabalhadores assalariados em média na U.E., mas em Portugal a percentagem era de 21,4%, o que correspondia a 772.754 trabalhadores. Se retirarmos os 644.400 que tinham contrato a termo em 2014 segundo o INE, restam ainda 128.354 trabalhadores com outro tipo de contratos de duração limitada, entre os quais estão os trabalhadores temporários. É uma enorme massa de trabalhadores, sujeitos a uma elevada exploração, com direitos reduzidos e salários reduzidos, cuja situação urge alterar. Até porque grande número deles desenvolvem tarefas permanentes nas empresas, e não para satisfazer necessidades temporárias, como dispõe a lei.
O próprio Estado utiliza em larga escala o trabalho precário. Segundo o Ministério das Finanças existiam em 31 de Dezembro de 2015, em serviços públicos, 71.723 trabalhadores com contratos a prazo E este número não inclui os milhares de trabalhadores que prestam serviços ao Estado como independentes (“recibos verdes”), e também através de empresas unipessoais, ou com contratos temporários (até médicos e enfermeiros) ou ainda em contratos de emprego-inserção (eram 27.722 já em 2013). É urgente que o atual governo acabe com esta enorme precariedade, associada a uma elevada exploração, que existe no Estado dando assim o exemplo.
Eugénio Rosa, Economista, edr2@netcabo.pt, 23 .4.2016
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