Pedra Verde
De entre as operações de guerra que filmei para as "Actualidades de Angola", uma que muito me marcou foi a operação Pedra Verde, na zona do Úcua, a norte de Luanda. No Quartel General, eu e outros camaradas jornalistas, recebemos camuflados e juntámos-nos a uma coluna militar a caminho de... (destino desconhecido). Tomei lugar num jeep comandado por um 1º sargento que gentilmente me deu o lugar da frente, ao lado do motorista. Além de "gentil" parvo é que ele não era. Aquele lugar era o mais procurado pelo inimigo emboscado. Mas não me preocupei muito porque ainda íamos pela estrada de Catete e ali não havia grande perigo. Mas mais à frente, os soldados e o próprio sargento começaram, "Olha, lá estão os gajos!". E eu perguntava: Mas quais gajos? "Os turras, não ouve?" E isto repetiu-se várias vezes, até que eu perguntei: Mas o que é que vocês ouvem afinal? - "Os gajos a assobiar. "Olhe, olhe, oiça agora... Fartei-me de rir. Era um "Noitibó, um pássaro que tem um assobio repetitivo, género "piu, píu, píu", que se encontra muito na beira das estradas e que realmente parece um assobio humano. Mas toda a gente que alguma vez andou pelo mato o reconhece, é muito frequente. "Então vocês de onde é que vieram?" –"Viemos do Grafanil". Está bem, mas antes do Grafanil? (o Grafanil era o aquartelamento em Luanda onde ficavam os recém chegados da "Metrópole"). "Viemos de Lamego". Caiu-me a alma aos pés! Eram todos "MAÇARICOS"! Soldados que não só nunca tinham entrado em combate, como nem sequer tinham posto ainda um pé no mato. E eu sabia, por experiência própria, o medo que faz o mato das primeiras vezes que lá se mete o pé.
Sob o comando do Tenente-Coronel Fialho Prego, e tendo como comandante operacioanal o Major Loureiro, a operação integrava também um batalhão de Infantaria e um pelotão de Cavalaria com um carro todo o terreno comandado pelo Alferes Monje, hoje General. E ainda um oficial de referenciação que ia dando a nossa posição de forma a que a Artilharia fosse batendo o terreno à nossa frente, sempre a uma distância "conveniente". Este oficial ia também tomando nota de quantos projécteis passavam sobre nós. Era um ruído arrepiante quando passavam, parecia pano a rasgar! E deveria ter informações da sua bateria sobre o número de disparos efectuados. Sabia assim quantas granadas poderiam eventualmente não ter explodido. Destas, uma secção de sapadores comandada por um sargento iria localiza-las e faze-las explodir. Mas assustador mesmo era o rugido dos "jactos" voando a razar as árvores. Só se ouviam quando já estavam em cima de nós e... já passou! As companhias avançavam paralelamente, mas afastadas umas das outras. Nós seguíamos na do meio. Dormimos a primeira noite a meio do caminho, e só aí abri a ração de combate, e mesmo assim só para comer o queijo, a marmelada e as bolachas. Isto porque durante o dia sofria tanto com a sêde que chegava a beber a água que os soldados me davam generosamente dos seus cantís. Se tivesse comido durante a marcha não aguentaria a sede. Mas chegada a noite parámos para dormir, guardados por sentinelas, apesar de não haver receio de tiros vindos da mata - o clarão indica a posição do atirador, segundo me explicaram. Ao nascer o dia, o comandante de uma outra companhia veio até ao pé de nós trazendo um ordenança e, mal chegaram, um tiro vindo da mata atingiu o ordenança e fracturou o braço ao Capitão. Pouco depois o Capitão entrou em estado de choque e foram ambos evacuados para o hospital em Luanda. Prosseguimos então a marcha com uma Chaimite abrindo a coluna e fazendo "reconhecimento pelo fogo". Mas a metralhadora do carro encravou-se, e foi então um cabo, grande e possante, da guarnição da Chaimite, auto-intitulado 1º cabo Açoriano, quem pegou numa metralhadora ligeira "Lieuse", e chamando um soldado para o municiar arrancou à frente disparando rajadas para um lado e outro da mata. Chegados finalmente à zona de operações, o Alferes, sempre com o seu pingalim, sentou-se à frente do carro TT e nós, fotógrafos e operadores passamos para a frente para filmar a situação. Entretanto tinhamos chegado a um lugar onde a picada estava cortada por uma vala, e o carro não conseguia passar. Nessa altura passou por nós uma secção de morteiros para ir montar um tubo um pouco mais à frente. Aproveitei e fui com eles para filmar aquele aspecto da operação. Nesse preciso momento, desencadeou-se uma fuzilaria incrível. No meio de tudo aquilo ouço um homem a gritar: "Estou ferido, estou ferido". Pela direcção da voz concluí que o homem estaria para lá do carro TT. Pedi aos soldados que estavam ali a fazer fogo para a mata: "Cubram-me que eu vou passar". Corri aquela escassa dezena de metros, passei a vala e abriguei-me atrás do carro. A picada contornava um morro, portanto do nosso lado esquerdo o terreno era mais alto e descia em declive para o lado direito. Como disse, abriguei-me atrás do carro, e vejo estendido no chão a uns três metros à frente, e a descoberto, um soldado ferido na cabeça mas gritando como um possesso. Filmo o homem e procuro acalma-lo. "Ó homem, rola para cá, isso não é nada". Agora veja-se o caricato da situação: Um tipo convenientemente abrigado atrás de um carro de ferro a dizer a um outro, ferido na cabeça. "Ó pá, isso não é nada..." Mas visto friamente é mesmo assim. Com um tiro na cabeça, das duas uma, ou o tipo está morto ou em coma ou, se tem capacidade para gritar, não deve ser muito grave. O tiroteio continuava intenso, mas agora só de cá para lá, pois quem disparara de lá, ou já ia longe ou já tinha sido morto. Nessa altura fiz um grande disparate: Pus a máquina de filmar no chão, e tentei rastejar para puxar o rapaz para trás do carro. Nesse momento um soldado do Pelotão de Cavalaria (os do Carro TT), que estava na parte mais elevada da picada, dá um mergulho e aterra directamente junto do ferido arrastando-o para junto de mim. E eu perdi aquela imagem magnífica, aquela decisiva e corajosa acção daquele soldado. Depois filmei o curativo que um soldado fazia ao outro, e o ferido tinha apenas um furo muito redondinho no lóbulo da orelha esquerda (depois inchou muito e rompeu-se ficando um rasgão feio). Mas o mais fantástico é que ele tinha também um rasgão no sobrolho direito. Era quase inacreditável, o soldado foi atingido por dois tiros na cabeça, não morreu, e nem sequer ficou gravemente ferido. Mas eu não me perdoo por ter largado a máquina!
Li há pouco tempo, por acaso, uma entrevista com um fotógrafo com largo currículo em reportagens de guerra, em que abordava exactamente esta questão, e que já se lhe tinha posto mais do que uma vez. Ir acudir a alguém em perigo perdendo um "boneco" fundamental, ou fechar os olhos da consciência e fazer aquilo que é o seu trabalho. Ele não chegou a conclusão alguma... e eu também não.
Entretanto começou o corte dos troncos para libertar o carro, e aqueles "maçaricos" aglomeravam-sa para ver. Eram um belo alvo para quem estivesse ainda emboscado na mata. Por mais que os oficiais os quisessem dispersos, voltavam sempre a juntar-se. Tiveram sorte! Ao menino e ao borracho...
A partir dali desenvolveu-se o avanço em direcção ao objectivo, uma aldeia no cimo de um pequeno morro. Estava deserta, como se esperava, mas revistado um pequeno "hospital", foram encontrados sinais de feridos daquela manhã. Entretanto, enquanto um grupo revistava umas cubatas, um outro que chegou depois, apercebendo-se do movimento lá dentro, desata aos tiros sobre as cubatas. No meio de gritos e palavrões, saiem de lá os soldados furiosos e milagrosamente incólumes, dado que as paredes das cubatas são de capim. Os sapadores tinham iniciado o seu trabalho e já tinhamos ouvido dois ou três rebentamentos. Um teve lugar ali bem próximo, mesmo atrás de uma cubata, levantando uma coluna de terra e de poeira, e lá de trás aparece um velho sargento, de camisola interior ensanguentada e com uma mão no pescoço. "Olhe meu capitão, olhe o que aquele malandro me fez". E tira a mão do pescoço de onde esguicha, liberto da pressão, um repucho de sangue. Não quero mentir, mas pareceu-me um esguicho aí de uns quinze centímetros ou nais. Fomos ver o que acontecera, e vimos três soldados no chão com estilhaços nas costas, um furriel com as pernas horrivelmente feridas e outro homem a quem faltava a garganta. Horrível de ver! Como teria acontecido aquele horror? Tinha sido o furriel a vê-la. "Olha esta não rebentou..."
Paragem de dois dias.
Pedi para aproveitar o transporte e vim a Luanda, creio que também vinha o Fernando Farinha, ainda um jovem. Tomar um banho reparador, matar a fome! Já estavamos no mato há uma semana, e a viajem dentro daquele carro de ferro, por estradas de terra batida numa velocidade maluca, amontoados uns sobre os outros acompanhando um ferido que entrava em coma mas felizmente não morreu.
Chegados a Luanda (nesse tempo eu vivia na Cela), fui a casa do pintor Neves e Sousa, onde me aboletava, olhei para o espelho da casa de banho e... fechei os olhos. Despi o camuflado e sem me atrever a olhar-me, lá consegui tomar um banho. Divino! Só depois tive coragem de olhar o espelho, ao fazer a barba. O meu amigo Alfredo Barreiros levou-me depois até ao snack da Versailles, disposto a comer um daqueles bifes maravilhosos como eram os do Nicola em Lisboa. E o bife chega, mergulhado num molho que cheirava a distância e um ovo que ainda borbulhava de quente... Deitei-me gulosamente ao bife e ao ovo, pronto a saborear aquela preciosidade... que se me enrolou na boca e não fui capaz de engolir. Tive de contentar-me com o cheiro, uma torrada e um chá. O meu pobre estômago desconfiou da fartura, e acho que fez bem, defendeu-me de uma congestão. Quem se lambeu com o bife foi o Alfredo, que diante do meu olhar de inveja devorava o meu bife e se ria, o malandro. No dia seguinte lá voltei às rações de combate e água dos cantis dos soldados, até chegarmos à gigantesca "Pedra Verde" que dava nome ao sítio. Era do feitio do Pão de Açúcar, não tão grande, mas mesmo asim impressionava, e era verde porque coberta de musgo. A missão era içar a bandeira nacional, por alguns minutos, no cimo da pedra. Começámos a trepar, e iamos descansando nuns socalcos que havia de onde em onde. O meu material, cada vez mais pesado, foi às costas dos soldados até à etapa final. E eles lá cumpriram a missão, que eu filmei, apesar de não tão próximo como desejaria. Os meus quase cinquenta anos tiveram mais força!
Sob o comando do Tenente-Coronel Fialho Prego, e tendo como comandante operacioanal o Major Loureiro, a operação integrava também um batalhão de Infantaria e um pelotão de Cavalaria com um carro todo o terreno comandado pelo Alferes Monje, hoje General. E ainda um oficial de referenciação que ia dando a nossa posição de forma a que a Artilharia fosse batendo o terreno à nossa frente, sempre a uma distância "conveniente". Este oficial ia também tomando nota de quantos projécteis passavam sobre nós. Era um ruído arrepiante quando passavam, parecia pano a rasgar! E deveria ter informações da sua bateria sobre o número de disparos efectuados. Sabia assim quantas granadas poderiam eventualmente não ter explodido. Destas, uma secção de sapadores comandada por um sargento iria localiza-las e faze-las explodir. Mas assustador mesmo era o rugido dos "jactos" voando a razar as árvores. Só se ouviam quando já estavam em cima de nós e... já passou! As companhias avançavam paralelamente, mas afastadas umas das outras. Nós seguíamos na do meio. Dormimos a primeira noite a meio do caminho, e só aí abri a ração de combate, e mesmo assim só para comer o queijo, a marmelada e as bolachas. Isto porque durante o dia sofria tanto com a sêde que chegava a beber a água que os soldados me davam generosamente dos seus cantís. Se tivesse comido durante a marcha não aguentaria a sede. Mas chegada a noite parámos para dormir, guardados por sentinelas, apesar de não haver receio de tiros vindos da mata - o clarão indica a posição do atirador, segundo me explicaram. Ao nascer o dia, o comandante de uma outra companhia veio até ao pé de nós trazendo um ordenança e, mal chegaram, um tiro vindo da mata atingiu o ordenança e fracturou o braço ao Capitão. Pouco depois o Capitão entrou em estado de choque e foram ambos evacuados para o hospital em Luanda. Prosseguimos então a marcha com uma Chaimite abrindo a coluna e fazendo "reconhecimento pelo fogo". Mas a metralhadora do carro encravou-se, e foi então um cabo, grande e possante, da guarnição da Chaimite, auto-intitulado 1º cabo Açoriano, quem pegou numa metralhadora ligeira "Lieuse", e chamando um soldado para o municiar arrancou à frente disparando rajadas para um lado e outro da mata. Chegados finalmente à zona de operações, o Alferes, sempre com o seu pingalim, sentou-se à frente do carro TT e nós, fotógrafos e operadores passamos para a frente para filmar a situação. Entretanto tinhamos chegado a um lugar onde a picada estava cortada por uma vala, e o carro não conseguia passar. Nessa altura passou por nós uma secção de morteiros para ir montar um tubo um pouco mais à frente. Aproveitei e fui com eles para filmar aquele aspecto da operação. Nesse preciso momento, desencadeou-se uma fuzilaria incrível. No meio de tudo aquilo ouço um homem a gritar: "Estou ferido, estou ferido". Pela direcção da voz concluí que o homem estaria para lá do carro TT. Pedi aos soldados que estavam ali a fazer fogo para a mata: "Cubram-me que eu vou passar". Corri aquela escassa dezena de metros, passei a vala e abriguei-me atrás do carro. A picada contornava um morro, portanto do nosso lado esquerdo o terreno era mais alto e descia em declive para o lado direito. Como disse, abriguei-me atrás do carro, e vejo estendido no chão a uns três metros à frente, e a descoberto, um soldado ferido na cabeça mas gritando como um possesso. Filmo o homem e procuro acalma-lo. "Ó homem, rola para cá, isso não é nada". Agora veja-se o caricato da situação: Um tipo convenientemente abrigado atrás de um carro de ferro a dizer a um outro, ferido na cabeça. "Ó pá, isso não é nada..." Mas visto friamente é mesmo assim. Com um tiro na cabeça, das duas uma, ou o tipo está morto ou em coma ou, se tem capacidade para gritar, não deve ser muito grave. O tiroteio continuava intenso, mas agora só de cá para lá, pois quem disparara de lá, ou já ia longe ou já tinha sido morto. Nessa altura fiz um grande disparate: Pus a máquina de filmar no chão, e tentei rastejar para puxar o rapaz para trás do carro. Nesse momento um soldado do Pelotão de Cavalaria (os do Carro TT), que estava na parte mais elevada da picada, dá um mergulho e aterra directamente junto do ferido arrastando-o para junto de mim. E eu perdi aquela imagem magnífica, aquela decisiva e corajosa acção daquele soldado. Depois filmei o curativo que um soldado fazia ao outro, e o ferido tinha apenas um furo muito redondinho no lóbulo da orelha esquerda (depois inchou muito e rompeu-se ficando um rasgão feio). Mas o mais fantástico é que ele tinha também um rasgão no sobrolho direito. Era quase inacreditável, o soldado foi atingido por dois tiros na cabeça, não morreu, e nem sequer ficou gravemente ferido. Mas eu não me perdoo por ter largado a máquina!
Li há pouco tempo, por acaso, uma entrevista com um fotógrafo com largo currículo em reportagens de guerra, em que abordava exactamente esta questão, e que já se lhe tinha posto mais do que uma vez. Ir acudir a alguém em perigo perdendo um "boneco" fundamental, ou fechar os olhos da consciência e fazer aquilo que é o seu trabalho. Ele não chegou a conclusão alguma... e eu também não.
Entretanto começou o corte dos troncos para libertar o carro, e aqueles "maçaricos" aglomeravam-sa para ver. Eram um belo alvo para quem estivesse ainda emboscado na mata. Por mais que os oficiais os quisessem dispersos, voltavam sempre a juntar-se. Tiveram sorte! Ao menino e ao borracho...
A partir dali desenvolveu-se o avanço em direcção ao objectivo, uma aldeia no cimo de um pequeno morro. Estava deserta, como se esperava, mas revistado um pequeno "hospital", foram encontrados sinais de feridos daquela manhã. Entretanto, enquanto um grupo revistava umas cubatas, um outro que chegou depois, apercebendo-se do movimento lá dentro, desata aos tiros sobre as cubatas. No meio de gritos e palavrões, saiem de lá os soldados furiosos e milagrosamente incólumes, dado que as paredes das cubatas são de capim. Os sapadores tinham iniciado o seu trabalho e já tinhamos ouvido dois ou três rebentamentos. Um teve lugar ali bem próximo, mesmo atrás de uma cubata, levantando uma coluna de terra e de poeira, e lá de trás aparece um velho sargento, de camisola interior ensanguentada e com uma mão no pescoço. "Olhe meu capitão, olhe o que aquele malandro me fez". E tira a mão do pescoço de onde esguicha, liberto da pressão, um repucho de sangue. Não quero mentir, mas pareceu-me um esguicho aí de uns quinze centímetros ou nais. Fomos ver o que acontecera, e vimos três soldados no chão com estilhaços nas costas, um furriel com as pernas horrivelmente feridas e outro homem a quem faltava a garganta. Horrível de ver! Como teria acontecido aquele horror? Tinha sido o furriel a vê-la. "Olha esta não rebentou..."
Paragem de dois dias.
Pedi para aproveitar o transporte e vim a Luanda, creio que também vinha o Fernando Farinha, ainda um jovem. Tomar um banho reparador, matar a fome! Já estavamos no mato há uma semana, e a viajem dentro daquele carro de ferro, por estradas de terra batida numa velocidade maluca, amontoados uns sobre os outros acompanhando um ferido que entrava em coma mas felizmente não morreu.
Chegados a Luanda (nesse tempo eu vivia na Cela), fui a casa do pintor Neves e Sousa, onde me aboletava, olhei para o espelho da casa de banho e... fechei os olhos. Despi o camuflado e sem me atrever a olhar-me, lá consegui tomar um banho. Divino! Só depois tive coragem de olhar o espelho, ao fazer a barba. O meu amigo Alfredo Barreiros levou-me depois até ao snack da Versailles, disposto a comer um daqueles bifes maravilhosos como eram os do Nicola em Lisboa. E o bife chega, mergulhado num molho que cheirava a distância e um ovo que ainda borbulhava de quente... Deitei-me gulosamente ao bife e ao ovo, pronto a saborear aquela preciosidade... que se me enrolou na boca e não fui capaz de engolir. Tive de contentar-me com o cheiro, uma torrada e um chá. O meu pobre estômago desconfiou da fartura, e acho que fez bem, defendeu-me de uma congestão. Quem se lambeu com o bife foi o Alfredo, que diante do meu olhar de inveja devorava o meu bife e se ria, o malandro. No dia seguinte lá voltei às rações de combate e água dos cantis dos soldados, até chegarmos à gigantesca "Pedra Verde" que dava nome ao sítio. Era do feitio do Pão de Açúcar, não tão grande, mas mesmo asim impressionava, e era verde porque coberta de musgo. A missão era içar a bandeira nacional, por alguns minutos, no cimo da pedra. Começámos a trepar, e iamos descansando nuns socalcos que havia de onde em onde. O meu material, cada vez mais pesado, foi às costas dos soldados até à etapa final. E eles lá cumpriram a missão, que eu filmei, apesar de não tão próximo como desejaria. Os meus quase cinquenta anos tiveram mais força!
Outras imagens da Pedra Verde (cortesia de Manuel e Pedro Mateus)
blogdarochet-schneider.blogspot.pt
AQUI ABAIXO PODE VER, O VÍDEO, PODE OUVIR O SOM DOS COMBATES
E FAZER O DOWNLOAD
REGISTO ÁUDIO
Reportagem original, da época, da Rádio Clube Moçambique / Emissora Nacional das "4 Horas do Inferno de Quibaba" (operação de reconhecimento armado à Pedra Verde, de 26 a 31 de Julho de 1961) - com registos sonoros dos intensos combates que tiveram lugar e da intervenção dos militares da 4CCE envolvidos. Duração total de aproximadamente 18 minutos.
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Créditos originais (1961):
Trabalho de campo: Artur Peres e Óscar Machado
Sonoplastia: Rogério de Vasconcelos e Américo Rebordão Correia
Créditos pós-produção (2009):
Conversão e tratamento formatos digitais: Pedro Mateus
Publicado como Anexo n.º 8 em "CIOE/CTOE Operações Especiais - 50 anos"
por (Alf.) Helder da Silva Serrão, Editado por Edições Esgotadas, 1. ª Edição, Lamego, 2011
por (Alf.) Helder da Silva Serrão, Editado por Edições Esgotadas, 1. ª Edição, Lamego, 2011
(...) Algumas observações pertinentes, consideradas convenientes para melhor ser compreendida a gravação.
Após a eclosão da insurreição (terrorismo) em Angola no dia 15 de Março de 1961 começaram a chegar aquele território nacional várias unidades militares, entre as quais, em Junho desse ano, os Batalhões de Caçadores comandos pelo TCor Oliveira Rodrigues [ Batalhão Caçadores n.º 114 ]e TCor Maçanita [ Batalhão Caçadores n.º 96 ].
A estes dois batalhões foram dadas a missão de conquistar e ocupar Nambuango onde se encontravam concentradas grandes forças de sublevados.
Foram constituídas três colunas com esse fim: a primeira, sob o comando do Tcor Oliveira Rodrigues com o itinerário mas curto Luanda -Caxito -Quicabo - Nambuangongo, veio encontrar forte resistência, sobretudo no rio Lifune. A segunda, sob o comando TCor Maçanita com o itinerário mais longo,envolvente pela direita Luanda-Úcua - Quibaxe - Cambamba -Nambuangongo, acabou por ser a primeira a chegar ao objectivo. A terceira constituída por uma força de cavalaria com base no esquadrão de reconhecimento de Luanda e Auto-Metralhadoras, com o itinerário envolvente pela esquerda. pelo litoral, Luanda -Ambriz -Zala -Nambuangongo, foi retardado pelos inúmeros abalizes encontrados.
Quando a Batalhão de Caçadores do TCor Maçanita chegou à Úcua, teve informações de que na região da Pedra Verde, ali perto, se encontravam concentradas fortes forças inimigas. Comunicada a informação superiormente, recebeu ordens para reconhecer a região, mas todas as tentativas para o fazer foram repelidas por fogo intenso de espingardas e metralhadoras de um inimigo que diziam ser possuidor de rádios ligados com oexterior. Como até aí os sublevados apenas se haviam apresentado armados de catanas e "canhangulos'', as informações foram postas em dúvida, até porque se tratava de uma unidade recentemente chegada em Angola.
Para esclarecer a situação decidiu o comando da região mandar a 4ª CCaçEsp, que nessa altura era a unidade mais experiente que tinha, reconhecer aquela região e deu ordens ao Batalhão de Caçadores para prosseguir o avanço sobre Nambuangongo.
1. No dia 25 de Julho de 1960 [1961] fui chamado ao QG [Quartel General] quando procedíamos à recepção e distribuição das primeiras espingardas automáticas chegadas em Angola, as FNs e ali recebi a missão de proceder ao reconhecimento armado da Pedra Verde, com o reforço de dois pelotões Indígenas do RIL [Regimento de Infantaria de Luanda] e recomendação de dar conhecimento da missão à companhia apenas na Úcua. Como a companhia teve de sair de Luanda na manhã do dia seguinte, apenas tivemos tempo de conhecer muito à pressa superficialmente o seu funcionamento e de as irmos experimentar com alguns tiros na carreira de tiro reduzida do RIL. Agrande experimentação iria ser feita ao real dois dias depois.
2. Ainda no QG fui apresentado a cinco jornalistas que ali haviam ido pedir autorização para acompanhar uma unidade em operações, e que sabendo ter-me sido acabada de dar uma missão, solicitaram-me, desde logo, permissão para me acompanhar, que tive de dar.Tratavam-se dos jornalistas Magalhães Monteiro da Rádio Clube de Moçambique, Artur Peres e Óscar Machado da Emissora Oficial de Angola, Xarula de Azevedo do Jornal Comércio de Luanda e António Maria Zorra de Moçambique.
3. Como conhecia um pouco da região da Pedra Verde, por ter já patrulhado e saber tratar-se de uma zona de cultura de café há já algum tempo abandona[da] e por issocom muitas plantas entrecruzadas a impedir a qualquer progressão fora das picadas, pedi um reforço de trabalhadores Bailundos munidos de catanas, para em caso de necessidade, nos abrirem caminhos fora das picadas e que nos foram cedidos pelo dono de uma das fazendas locais da Úcua, com um capataz europeu que nos ia servir de guia, o qual veio a ser ferido e morrer já na Úcua (é o ferido que se ouve na gravação a ser socorrido pelo médico da companhia).
4. A coluna saiu de Luanda na manhã do dia 26 de Julho echegou na tarde desse dia à Úcua, onde, por curiosidade, se encontrava um Batalhão de Caçadores [ n.º 137 ] comandado pelo TCor Henriques da Silva que havia sido comandante do CIOE, quando ali recebemos instrução (1960).
5. Na gravação pode-se ouvir distintamente os disparos espaçados das espingardas inimigas e das suas metralhadoras de cadência lenta, a contrastar com as nossas armas automáticas FNs de cadência muito rápida e silvo característico.
6. De notar em especial a impecável disciplina de fogo da companhia, só consegui[d]a por a uma tropa muito experiente: tiros do inimigo, silêncio absoluto para o inimigo ser localizado e concentração do fogo sobre os objectivos localizados . Imediato alto ao fogo á minha ordem. Por mais e melhor que uma unidade seja instruída e treinada, e a nossa estava, só com muita experiência tudo isso se consegue no real.
7. Naquela situação a nossa progressão só podia ser feita frontal e a descoberto ao longo da picada e por isso difícil, perigosa e lenta. Em contrapartida sentíamo-nos observados e visados por todos os lados.
8. A situação começou a agravar-se quando ao fim de três horas e meia de combate nos apercebemos de que as nossas dotações individuais de munições se encontravam esgotadas e o inimigo nos procurava cercar.
9. Munições para as nossas armas, na altura, só havia em Luanda . Procuramos então retirar para Úcua mas encontramos a retirada cortada. Valeu-nos então o TCor Henriques da Silva, que atento à nossa situação deu ordens às peças 8,8 [Obus 88 mm QF 25 Pdr Mk 2 m/43/46 ] de Artilharia [ 3.º Pelotão da Bataria de Artilharia n.º 147 ] para fazerem fogo "directo" sobre o inimigo. Nesse momento já não sabíamos de onde nos vinha o maior perigo, se do inimigo, se das granadas amigas. Mas conseguimos chegar à Úcua.
Obuses 88 mm QF 25 Pdr Mk 2 m/43/46 do 3.º Pelotão da Bat.ª de Artilharia N.º 147
em acção na Pedra Verde ( fotos circa 28 a 31 de Julho de 1961 )
"Guião" da Bat.ª de Artilharia N.º 147
Conteúdos da BART 147 gentilmente cedidos por Albano Mendes de Matos para uso no site da 4CCE
1
0. Cumprida a missão e avaliada ali a força do inimigo, inédita até aí e mesmo posteriormente,visto até essa data não havermos encontrado um inimigo tão fortemente armado, nem nos ter constado que tal tivesse acontecido depois, nesses primeiros anos de guerra em Angola (mas a prova ficou gravada) a 4ª CCaçEsp foi mandada regressar a Luanda para outra importante e urgente missão.
0. Cumprida a missão e avaliada ali a força do inimigo, inédita até aí e mesmo posteriormente,visto até essa data não havermos encontrado um inimigo tão fortemente armado, nem nos ter constado que tal tivesse acontecido depois, nesses primeiros anos de guerra em Angola (mas a prova ficou gravada) a 4ª CCaçEsp foi mandada regressar a Luanda para outra importante e urgente missão.
11. A missão de conquistar e" limpar" a região da Pedra Verde ["Operação Esmeralda"] foi dada mais tarde ao Batalhão de Caçadores [ Batalhão de Caçadores Especiais n.º 261 ] comando pelo TCor Prego, reforçado com uma Companhia de Paras, Artilharia e Auto-Metralhadoras, apoiado pela aviação. No entanto toda essa força foi repelida pelo inimigo no primeiro dia [ 10 de Setembro de 1961 ] em que o tentaram e com importantes baixas. Depois destas forças se reorganizarem, à segunda tentativa, feita dias depois, estranhamente chegaram à própria Pedra Verde, um monte rochoso coberto de vegetação, sem encontrar qualquer resistência [ 16 de Setembro de 1961 ]. As forças inimigas ali existentes , que segundo constou continha elementos estrangeiros, haviam retirado e abandonado a região.
12. Segundo informações recebidas posteriormente, resultantes de interrogatórios a prisioneiros feitos mais tarde, o inimigo, durante a acção da 4ª CCaçEsp, havia sofrido pesadíssimas baixas, calculadas em centenas de mortos.
Esta acção da 4ª CCaçEsp, que ficou por sorte gravada, como prova, foi sem dúvida um dos mais duros combates de toda a guerra de Angola, senão mesmo o mais duro: três horas e meias de fogo intenso face ao inimigo bem armado de espingardas e metralhadoras. (...)
5 de Setembro de 2005
Luís Artur Carvalho Teixeira de Morais
Major na Reforma (...)"
5 de Setembro de 2005
Luís Artur Carvalho Teixeira de Morais
Major na Reforma (...)"
FOTOS "NOTÍCIA!"
Reportagem com reconstituição fotográfica publicada a 19 de Agosto de 1961 no magazine "Notícia !"
Foto sem legenda incluída >> | |
Capa do magazine "Notícia !" publicado em Luanda, 19 de Agosto de 1961 | Legenda original: "A patrulha militar pronta a entrar em acção (momentos antes), comandada por um alferes. O tipo de mata cerrada, propícia e emboscadas está bem patente na fotografia." |
Foto sem legenda incluída >> | Foto sem legenda incluída >> |
Legenda original: "O ataque presentido começa, e os homens tomam imediatamente posições atirando-se de qualquer forma para o chão . A emboscada foi preparada e executada pelos dois lados da estrada e por isso torna-se mais perigosa." | Legenda original: "Os soldados têm dificuldade em divisar o inimigo devido à natureza da mata. No entanto, cada um sabe a tarefa que lhe compete e isso é a razão da categoria desta tropa." |
Foto sem legenda incluída >> | Foto sem legenda incluída >> |
Legenda original: "No momento mais apertado do ataque. O fotógrafo, muito naturalmente, sente o efeito e transmite-o à fotografia." | Legenda original: "Quem há pouco tempo transitava nas «estradas» do Norte, talvez nunca tenha imaginado esta cena." |
Excerto do som gravado durante os violentos confrontos no decurso da operação
- o intenso e dramático som de armas automáticas e de fogo "cerrado".
Duração de 13 seg / 136 KBytes em formato WAV .
Foto sem legenda incluída >> | Foto sem legenda incluída >> |
Legenda original: "Os emboscados começam a sentir o efeito do pronto contra-ataque e a intensidade do fogo reduz-se um pouco, permitindo uma busca de melhores posições." | Legenda original: "Os tiros cessam por completo. No entanto os soldados permanecem ainda uns momentos alerta: o capim é traiçoeiro e é necessário muito cuidado antes se penetrar na mata." |
Foto sem legenda incluída >> | |
Legenda original: "No final da luta procede-se ao balanço: um ferido grave e alguns arranhões sem consequências de maior. A briosa tropa está pronta para nova acção" |
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