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segunda-feira, 9 de setembro de 2019

SOCIAL DEMOCRACIA OU SOCIAL LIBERALISMO




"Uma feira de produtos ideológicos" na qual "as pessoas compram o que querem e vendem o que querem" (Lula, referindo-se à recente realização do congresso do PT, o 4° realizado nos seus 30 anos de existência)

O fenómeno político da gradual transformação dos partidos social-democratas, ao longo de todo o século XX e nesta primeira década do actual, merece uma reflexão, ainda que breve.

Por social -democracia, classicamente, se considera a teoria ou doutrina que preconiza uma transição democrática e gradual do capitalismo para o socialismo, isto é, propõem um programa de reformas sociais dentro do sistema capitalista, visando a sua suposta melhoria. Há distância de um século ficaram as teses bernsteinianas, posteriormente desenvolvidas e aplicadas por governos social-democratas constituídos no pós-2ª Guerra Mundial e ao longo das primeiras décadas da segunda metade do século passado, nomeadamente em vários países do norte da Europa, com destaque para o exemplo notável do sueco Olof Palme (assassinado a tiro, em 1986), um social-democrata engajado no extinto Movimento dos Países Não-Alinhados, sincero defensor da democracia, da paz e do respeito e igualdade entre os povos.


Nas décadas de 70 e 80, outros partidos, que igualmente se definiam como social-democratas e mesmo socialistas - os arautos do falsamente chamado "socialismo democrático", nomeadamente vários nos países do sul da Europa - já tinham iniciado a caminhada para a direita, tornando-se partidos integrantes do "arco do poder" e praticando políticas "pragmáticas" de verdadeiros gestores dos interesses do grande capital: os trabalhistas ingleses, irlandeses, os socialistas italianos, espanhóis, portugueses, gregos, franceses, os social-democratas alemães, austríacos, suíços, belgas, a par dos nórdicos já referidos - suecos, dinamarqueses, finlandeses -, entre outros com designações ligadas ao "trabalho" como os noruegueses, holandeses, luxemburgueses, malteses, etc. 

Fora da Europa, nos restantes continentes, estas designações - social-democrata, socialista, trabalhista - tornaram-se igualmente comuns para designar partidos da mesma família ideológica e, em numerosos casos, com percursos governativos semelhantes. Exemplo flagrante na América Latina, apesar da sua ainda curta existência, é o PT brasileiro, de cujo fundador histórico se transcreveu no início uma frase verdadeiramente emblemática.


De facto, que semelhanças podemos hoje encontrar entre, por exemplo, o partido socialista chileno de Salvador Allende, do início da década de 70 - defensor da democracia política de e para todo o povo, fiel até ao fim aos interesses nacionais e aos direitos dos trabalhadores, praticante da unidade de todas as forças populares e de esquerda contra os interesses oligárquicos e contra o imperialismo - e os partidos "socialistas" e "trabalhistas" da actualidade, p. ex., os partidos de Zapatero, Brown, Papandreou ou Costa? 
A resposta parece ser meridianamente óbvia: nenhumas!

Na verdade, a partir da transição das décadas de 80/90, a deriva política dos social-democratas intensificou-se e passam a adoptar para si as políticas impostas pela globalização neoliberal, criada e conduzida pelos partidos liberais, antes à sua direita no espectro partidário. 

Abandonam as anteriores bandeiras humanistas do "socialismo democrático", da liberdade, da igualdade, da solidariedade, da democracia política, num processo que - qual crisálidas - já antes neste espaço consideramos ser o de terem sido "comidos por dentro" pelo grande capital. 

Com a acentuação dos tiques personalistas, autoritários e autocráticos nos seus funcionamentos orgânicos internos, liquidando todas as tradições de democracia interna e emergindo os "grandes líderes" carismáticos (ou, nem tanto), transformados em primeiros-ministros de governos que se assumiram como fiéis "conselhos de administração" ao serviço exclusivo dos banqueiros e segmentos monopolistas associados, desprezaram os interesses das classes e camadas sociais intermédias seus sustentáculos político-eleitorais e enveredaram pelas mesmas práticas repressivas, policialescas, anti-patrióticas e anti-sociais que décadas atrás eram características dos governos conservadores da direita.


Particular interesse terá um estudo mais desenvolvido sobre os processos de descaracterização interna - sociológica e política - destes partidos, perante o estendal de arrivistas que foi tomando conta dos seus orgãos dirigentes e aparelhos partidários, tomados de assalto por novos "quadros" que os transformaram em veículos de promoção e enriquecimento pessoal e dos seus próprios grupos/clientelas políticas, "quadros" muito pragmáticos - fisiológicos, diz-se no Brasil -, verdadeiros "yes-men's" do "chefe" de turno, tornando estes partidos em autênticos postos de agenciamento de "tachos" nas estruturas do Estado - centrais, regionais e locais - e nas empresas públicas, através dos quais se vão estabelecendo negociatas de muitos milhões. 

Curiosamente, num processo muito semelhante aos vividos pelos grandes clubes de futebol transformados em sociedades financeiras, nos quais o anterior "amor à camisola" se foi transformando em "amor ao meu", deixando para as claques/torcidas a ilusão de manterem uma sincera devoção à nobre causa clubista.


Os processos de carácter global que se verificam nestes partidos assumem características próprias, em cada um deles e em cada país e continente, decorrentes de cada correlação de forças, de cada histórico partidário, de cada percurso político nacional. Importa por isso considerarmos cada um como experiência diferenciada dos demais, seguindo percursos e ritmos específicos de transformação próprios, com uns já no final da sua deriva para a direita e outros ainda nalgum ponto intermédio do mesmo percurso. 

Mas todos marcados pelos mesmos traços comuns; começaram por abjurar o leninismo dizendo-se marxistas, para depois abandonarem igualmente as "pinturas" marxistas, trancafiando o socialismo nas mais recônditas gavetas dos seus armários e fechando-as a sete-chaves, não fosse o jovial malandro surgir-lhes de novo a atormentar-lhes os seus doces dias da "re"-conciliação com o capital.


Quando alcançam o poder, vendem os direitos e interesses nacionais dos seus povos e países, não cumprem as regras constitucionais e os direitos dos cidadãos, cerceiam e violam as liberdades políticas, discriminam e criminalizam movimentos e organizações populares, desprezam e destroem serviços públicos (saúde, educação, segurança social, cultura), privatizam sectores e empresas antes nacionalizadas, liquidam direitos da legislação de trabalho conquistados ao longo de gerações, financiam o sindicalismo da conciliação ("de resultados") e o divisionismo, tripudiam direitos sociais dos segmentos populares mais desfavorecidos (reformados, crianças, juventude), reprimem as lutas de massas com recurso crescente às polícias de choque e mesmo forças militares, manipulam os meios de comunicação social, praticam o nepotismo e a corrupção, degradam e governamentalizam a justiça, afunilam as políticas fiscais penalizando os rendimentos do trabalho em favor do capital, financiam a banca com os recursos públicos, reconfiguram o aparelho e as funções do Estado visando colocá-los integralmente ao serviço do grande capital.


No actual desenvolvimento da crise global do capitalismo, a par da agressiva retomada da iniciativa política pelas instâncias transnacionais do neoliberalismo e confrontados com a resistência crescente dos trabalhadores e dos povos, pretendem dar-se ares de partidos com preocupações sociais, mas são "preocupações" falsas. 

Definitivamente, a classificação histórica anterior de social-democratas deixou de fazer sentido para caracterizarmos adequadamente estes partidos. 
Na sua generalidade - repito, com ritmos e "timing's" específicos - são formações políticas que evoluíram para partidos social-liberais.


De facto, por definição, devemos considerar social-liberais aqueles que se propõem conciliar os princípios de um "socialismo" de fachada com os reais objectivos do liberalismo, preconizando políticas vagamente sociais como meros acessórios para a prossecução das políticas neoliberais, abandonando os objectivos democráticos - políticos, económicos, sociais - que algumas décadas atrás enformavam os programas dos social-democratas. Isto explica, precisamente, o notável fenómeno político contemporâneo da inexistência programática e política de uma oposição de direita aos seus governos e políticas - eles próprios e as suas políticas passaram a ser a nova direita. 
Os exemplos práticos e em curso em Portugal, Espanha, Grécia, Inglaterra, entre tantos outros pelo mundo, aí estão a atestá-lo.

Por tais razões, estes transmutados e nóveis partidos social-liberais devem ser hoje vistos como os portadores de uma "ideologia" do vácuo e da adaptação "plástica" à manutenção da ordem capitalista, enquanto vão manipulando algumas áreas e verbas - irrisórias! - nas “questões sociais”, com políticas assistencialistas e fragmentadas, ao mesmo tempo que fomentam as actividades de organizações de voluntariado, de filantropia empresarial, pregando as falsas "teses" das responsabilidade sociais repartidas - oportunamente exploradas por inúmeras falsas ONG's e pelas Igrejas! -, tudo isto orientado por uma política de classe que acentua a concentração da riqueza nas mãos de um escasso número de famílias milionárias (e bilionárias!) - vidé os colossais lucros dos bancos, que não param de crescer -, enquanto as classes assalariadas e produtoras reais da riqueza, que constituem a grande maioria das populações nacionais, vão mergulhando na pobreza, vendo reduzir-se os salários e as pensões, crescer o desemprego e a precarização dos postos de trabalho, aumentarem as carências de toda a ordem, subirem assustadoramente os índices de exclusão e miséria, ao mesmo tempo que poderosos instrumentos ideológicos ao serviço do capital vão difundindo a resignação, o conformismo e a passividade.


Aliás, parte importante da mistificação da realidade e da manipulação política exercida pelos grandes meios de comunicação reside exactamente na perpetuação da classificação de "esquerda" que usam para designar estes partidos social-liberais, chamando de "centro" os partidos conservadores, os democrato-cristãos e, de "direita", os partidos populares, os nacionalistas e os neofascistas. 

Operaram uma reconfiguração total na anterior classificação esquerda-direita dos espectros partidários; se escrevessem e falassem a verdade - hipótese totalmente excluída! - para designar a esquerda só lhes restariam os partidos comunistas e alguns outros poucos partidos que permanecem democráticos.


De forma contraditória mas dialéctica, no plano ideológico e da luta das ideias, nos nossos dias cabe aos comunistas (e aos verdadeiros socialistas e democratas) ocuparem todo esse vasto espaço da esquerda, deixado livre por esta migração para a direita da antiga social-democracia. 

Em conclusão: desmascarar corajosamente o falso conteúdo social-democrata destes partidos e afirmar audaciosamente as verdadeiras soluções socialistas para os gigantescos problemas, dificuldades e ameaças que o imperialismo engendra contra a Humanidade, eis uma tarefa central para todos os que apontam o Socialismo como o único caminho autêntico para a superação do capitalismo e do seu cortejo de exploração, desigualdades, humilhações, injustiças e guerras. 

Nesta tarefa, podem e devem convergir hoje todos os democratas sinceros, todos os patriotas, todos os que se reclamam portadores dos mais caros ideais humanísticos. Trabalhemos, então, para a sua actuante unidade.


oassaltoaoceu.blogspot.com

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