Baseado em criteriosa análise técnica, o Guerreiro do Som ouviu e avaliou todos temas e sambas do Grupo Especial paulistano
Chegamos finalmente em 2019 e cabe a mim lembrá-los que, tal qual fiz mês passado, já começou o Carnaval. Aqueles papos que você sempre ouve de que “no Brasil o ano só começa depois do Carnaval” é tudo verdade mesmo, e dessa vez ele vai de AGORA até a primeira semana de março. Daí a gente volta pra tristeza de sempre.
Dessa vez venho com os sambas e enredos do Carnaval paulistano, que tá com muito mais grana, muito mais estrutura, Liga trabalhando direito, 0% de virada de mesa, mas ainda falta alguma coisa que tem nos sambas da outra ponta da Dutra. Falta um tchans. É como se fosse uma cerveja IPA com garrafa muito bonita descolex, mas que o gosto não é tão bom quanto a PILSEN tradicional de sempre.
O disco desse ano é bom bem bom, mas quero pontuar algumas coisas que eu preferia que não tivesse mais não. Primeiro, essa liberdade total pras escolas fazerem o que quiserem na gravação resultou em faixa que enfiou o máximo de participação especial que dava (e não precisava de nenhuma, na verdade), e muito textinho recitado no final — pra que eternizar o seu samba com esses textinhos, meu Deus? Fora isso tem o fade out. Tem gente que gosta, mas eu odeio fade out TANTO que cês num faz ideia.
Para além disso, essa safra 2019 deixou bem claro pra mim que sambista não faz milagre e não tem como sair uma puta obra se o carnavalesco entrega uma sinopse abertaça de tudo. Alô, carnavalescos, vamo dar um capricho nesses enredos pro próximo ano.
Mas para além dessa cornetagem, é um dever meu enquanto paulistano (eu sou paulistano) saudar esses HERÓIS que por décadas seguraram a onda onde, até um passado recente, Carnaval era sinônimo de uma das maiores cidades do mundo completamente desertas porque praticamente todo mundo fugia pra outro lugar. Agora que o cenário tá melhorando bem, eles merecem alguma bonificação por tanto esforço.
Fica aí meu abraço a todas as escolas de São Paulo. Canetei todos.
Acadêmicos do Tatuapé
Enredo: “Bravos Guerreiros - Por Deus, pela honra, pela justiça e pelos que precisam de nós” é um enredo sobre: guerreiros. Aí foi um negócio meio amplo, desde figuras religiosas como São Jorge, uns Deus Vult, figuras da história negra — na imagem oficial do enredo tem até barco do Greenpeace. Dá pra fazer uma graça no sambódromo, mas ainda assim tá amplo demais.
Nota: 9,8
Samba: Baita gravação. A introdução afro com Jorge Ben Jor mandando a oração à São Jorge, coro, batuque moendo, ficou um porradão. Bateria 40, melodia muito boa, ótimo de ouvir. Só esqueceram do enredo. Tem São Jorge pra caralho, mas cadê o resto da galera da imagem oficial? Aqui que num tá. Ainda rola um trecho nacionalista “sou brasileiro / vou defender minha nação” que eu tô muito de boa.
Nota: 9,8
Mocidade Alegre
Enredo: Com “Ayakamaé: As Águas Sagradas do Sol e da Lua”, a Mocidade Alegre vai contar a lenda da criação do Rio Amazonas. A lenda mesmo eu entendi mais ou menos, então vai ter que explicar bem isso aí. Tema bom, que centraliza em só uma lenda indígena, aí até que sai um negócio muito brasilzão, mas não tão confuso assim. A ver. Por enquanto é:
Nota: 9,8
Samba: Igor Sorriso tá mandando muito bem no samba que tem uma letra confusa de tudo. Eu nem tentei me esforçar muito pra entender o que que tá acontecendo. Vou torcer pra que tenha a ver com o enredo. E sinceramente, duvido muito que mais de 30% dos componentes vá conseguir decorar essa letra até o dia do desfile, mesmo ensaiando semanalmente. Arquibancada esquece, ou eles olham pro desfile ou olham pro papelzinho com a letra. Pelo menos o refrão é fácil
Nota: 9,7
Mancha Verde
Enredo: “Oxalá, salve a princesa! A saga de uma guerreira negra” é sobre Aqualtune, princesa africana (especificamente no Congo), que veio ao Brasil escravizada e é mãe de Ganga Zumba e avó de Zumbi dos Palmares. A história é bem interessante de dar uma pescoçada na Wikipedia, ao menos. Puxa desde história do Brasil, negritude, história africana, etc. Parece que a ideia veio de ninguém mais ninguém menos que Paulo Serdan himself. Foi bem nessa o Paulo.
Nota: 9,9
Samba: Melodia bem boa, bateria redondinha porém muito reta — faltou #ousadia —, mas ainda assim bem boa também. A letra tá um compiladão de frases soltas, todas relacionadas com o enredo, mas juntas não formam uma unidade. Aí sinceramente dificulta pra quem tá de fora da comunidade empolgar com o samba.
Nota: 9,7
Tom Maior
Enredo: O título é “Penso logo existo - As interrogações do nosso imaginário em busca do inimaginável”. Aí cê pensa: “Lá vem”. Aí eu digo: “Lá vem”. É sobre questões que a humanidade se faz ao longo de toda a sua história e a busca por respostas na ciência, religião ou tutoriais do YouTube. Qual questão? Qualquer questão. O enredo e a sinopse podem ser resumidos com um pontão de interrogação de tão aberto.
Nota: 9,6
Samba: Samba retinho, bem na moral, sem inventar graça. Na letras, os compositores operaram o milagre basicamente enfiando tudo que tava na sinopse. Então seja lá o que o carnavalesco tem na cabeça (ninguém sabe), ele tá descrito em algum momento do samba. Só pela gravação, sem o desfile, fica muito genérico. Um monte de questão, “Será que nesse mundo estou sozinho? / Depois do fim, qual o caminho? / Segredos da imaginação”, somado com o refrão que fala de destino na palma da mão e cartas do tarô resultam em meu Deus do céu o que que tá acontecendo aqui
Nota: 9,7
Dragões da Real
Enredo: “A invenção do Tempo - Uma odisséia em 65 minutos” é sobre o: tempo. Basicamente a mesma coisa que a Mocidade Independente de Padre Miguel vai fazer no RJ, mas se lá eles tem o Hans Donner, aqui a Dragões tem o Fábio Brazza. “Influência do tempo na humanidade” blá blá blá, a gente já viu isso antes. Então, pra ser justo, vai a mesma nota da Pe. Miguel.
Nota: 9,6
Samba: Fizeram um samba com letra bem boa, com refrões fáceis de ficar grudado na cabeça. Isso aí é pra quem achava que o Fábio Brazza não ia saber fazer outra coisa além daqueles raps com pose de “estou refletindo” na capa. O enredo tá bem trabalhado na letra. Calhou que a princípio o enredo é isso daí.
Nota: 9,8
Império da Casa Verde
Enredo: “O Império Contra-Ataca” será sobre o cinema. Se o título já vem com tiradinha, tudo que eu espero é que no dia do desfile tenha violação de direito autoral a rodo. Mas aí eles que resolvam.
Nota: 9,6
Samba: A letra é uma explosão de referências largadas soltas por aí. “Deixa o vento me levar que eu vou (...) / Pode chover eu vou cantar de alegria / Encontro além do arco-íris um castelo / Seguindo a estrada de tijolos amarelos”. A gravação do samba pelo menos tem umas bossas pra dar um tchans, mas na melodia mesmo não tem grandes destaques.
Nota: 9,7
Gaviões da Fiel
Enredo: “A saliva do santo e o veneno da serpente” é a reedição do enredo vice-campeão de 1994 sobre a história do tabaquinho. Bom tema, mesmo sendo reedição, só que em 1994 ainda tinha o Hollywood Rock, e a F-1 era umas caixas de cigarro que andavam. Como que vão refazer isso em 2019 sem dar merda parece um bom desafio.
Nota: 9,8
Samba: O samba é um dos mais famosos da história da Gaviões, então nem tem muito o que tar falando. A letra é simples, cobre o enredo e é fácil de guardar. Fora que a parte do “erva santa curou dores / seduziu com seus sabores” tem uma melodia que tá difícil de encontrar nos sambas de hoje. O refrão “é um raro prazer, sabor de emoção / mas não abuse que faz mal pro coração”, se eles não conseguirem uma grana da indústria do tabaco por essa propaganda vai ser um puta vacilo.
Nota: 9,9
Rosas de Ouro
Enredo: “Viva Hayastan!” será sobre a Armênia. O que é Hayastan eu não sei. Mas enfim, é um povo com relação com a cidade de São Paulo e com uma história interessante. Aposto 1 real que vai ter referência à Dona Armênia que a Aracy Balabanian fazia.
Nota: 9,7
Samba: A letra imagino que cobriu bem o enredo, tratando tanto história quanto cultura Armênia do melhor jeito que dava. Melodia ok, apostando tudo nos refrões pra ganhar a galera. Não que empolgue muito, mas vá lá, é festa. E Royce do Cavaco jamais criticarei. O que é Hayastan eu ainda não sei.
Nota: 9,7
Unidos de Vila Maria
Enredo: “Nas asas do grande pássaro, o vôo da Vila Maria ao império do sol” é sobre o: Peru. E lá vamos nós pra mais um enredo CEP. Nesse ritmo, logo menos acabam os países com comunidade em São Paulo e as escolas vão ter que falar de Sri Lanka e Micronesia ou sei lá qual país ainda não virou enredo. Só aqui eu acho que já falei mais que a sinopse oficial.
Nota: 9,
Samba: Ah meu. Pra mim rolou bem médio. Enredo genérico virando letra genérica. “Me leva, ó, vento, me leva”, “Esse povo de pele morena / tem o seu valor”. O Wander Pires e a bateria da Vila Maria fizeram o máximo possível pra transformar isso em algo empolgante. Conseguiram mais ou menos.
Nota: 9,7
Vai-Vai
Enredo: “Quilombo do Futuro”, em resumo, será sobre a luta do povo negro pela igualdade. Nomes históricos, uma breve passada ao longo da história e tal. Digo em resumo porque o enredo era explicado por uma sinopse gigante, que não li, além de um vídeo-sinopse, que não assisti. Mas enfim, sendo isso tá bom.
Nota: 9,8
Samba: Primeiramente, antes de qualquer coisa: Grazzi Brasil. Eu por mim já afirmo que é uma das principais intérpretes do carnaval paulista E carioca TAMBÉM. Joga pra ela que ela resolve pois, pelamor, que voz. Já o samba pra mim tá perfeito a gravação. É empolgante, bateria cadenciada (mas reta), melodia ótima de tudo. Podiam meter uma crítica mais porradona na letra, mas enfim, num quiseram, tá no direito. Vai pegar fácil no sambódromo essa aí. Por fim: Grazzi Brasil.
Nota: 10
X-9 Paulistana
Enredo: A escola que mais escolhe uns enredo que pelo amor de Deus. Dessa vez vai homenagear Arlindo Cruz com o enredo “O show tem que continuar, meu lugar é cercado de luta e suor, esperança de um mundo melhor”. Precisava de um título desse tamanho? (Não) Enfim, boa escolha pra enredo. Melhor que RALLY DOS SERTÕES.
Nota: 9,
Samba: Baita samba. Pra cima, letra gostosa, sem clichê (pelo menos nenhum que eu tenha notado). Só incomodou muito pouquinho a repetição “é voz dos humildes por um pedaço de chão / voz dos humildes por um pedaço de pão”. Mas os refrões superam tudo isso aí. Não gostei muito das bossas da bateria, mas pelo menos fizeram umas bossas né. Cheio de escola aí seguindo mais reto que a Avenida Paulista, tá louco.
Nota: 9,9
Águia de Ouro
Enredo: “Brasil eu quero falar de você! Que país é esse!”. Só esse “que país é esse” eu já fico meio ihhhhh lá vem. O papo aqui é crítica pela “ganância” que “explora” as “riquezas” do nosso “país”. Lá vem. Com uns papo mais ou menos assim o Laíla foi campeão do carnaval carioca de 2018 com a Beija-Flor. E eu achei peleguíssimo aquele enredo do Frankenstein de Nilópolis de 2018. Bateção de panela total. Assim sendo: lá vem.
Nota: 9,7
Samba: Por decisão que não tenho a menor dúvida que veio do Laíla, esse ser que personifica a BAGUNÇA PROFISSIONAL que é o carnaval carioca, a Águia de Ouro decidiu fazer um catadão entre os quatro sambas finalistas na disputa interna da escola, e transformar numa coisona só. Logo, oficialmente, esse samba-enredo foi composto por TRINTA E QUATRO pessoas. TRINTA E QUATROOOO. Tem mais compositor do que ritmista no tamborim. Que papai do céu abençoe essa ZONA. E, bom, saiu uma versão 2.0 do samba da Beija-Flor 2018. “Somos filhos dessa pátria / Que não cuida do que é seu / E não ouve a nossa voz”. Já tô ligado onde que vai levar isso aí. E a parte do “(...) revestido de coragem / (...) pra acabar com a sacanaaaageeem” é pe-le-go. Porém, temos Tinga cantando, o que é bom demais, pode meter ele cantando “Você também é responsável” (a.k.a. O hino do MOBRAL) que vai ficar top. E a bateria tá beeeem caprichada
Nota: 9,8
Colorado do Brás
Enredo: “Hakuna Matata - Isso é viver”. Sério? Sério. Porém, calma. Oficialmente, o tema é a reconstrução do Quênia após a guerra civil, que terminou com a independência do país. E o “hakuna matata” é na verdade uma referência à música “Jambo Bwana” sendo destacado na sinopse a versão dance 80s da banda Boney M. Oficialmente é isso. Extra-oficialmente, é exatamente o que você pensou quando leu “Hakuna Matata”.
Nota: 9,8
Samba: Pela introdução já dá pra ver qual “Hakuna Matata” que vai ter mais a ver com a letra, mas vamo lá. Deixando isso de lado, fica um samba afro, que ok, legal, animadão, talvez acelerado mais do que necessário, mas que encaixa no enredo. Mas dá pra inventar uma dezena de outros enredos de tema “história do povo africano” que ia encaixar igual igual. Mas de ouvir é muito bom.
Nota: 9,8
Acadêmicos do Tucuruvi
Enredo: “Liberdade, o canto retumbante de um povo heróico” tem como tema, pelo que eles tão falando, a “luta pela liberdade na história do Brasil, desde o descobrimento até os dias de hoje”. Quais liberdades eu não sei, porque parece que vão tratar de várias “liberdades” nesse enredo. Logo é um enredo crítico, mas não dá pra saber o QUÃO crítico vai ser de fato. A ver.
Nota: 9,7
Samba: Não sou nenhum especialista (e faço questão de deixar claro que não sou nenhum especialista), mas achei a melodia meio genericona. Tá ok, refrão simples, que é bom porque é fácil de pegar. Trata o enredo, mas de crítica mesmo tá faltando. De destaque deixo só o catadão de sucessos da MPB em “caminhando contra o vento, eu vou / pra quebrar as correntes / quem sabe faz a hora, não espera acontecer / apesar de você” que quase que passou desapercebido.
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