AVISO

OS COMENTÁRIOS, E AS PUBLICAÇÕES DE OUTROS
NÃO REFLETEM NECESSARIAMENTE A OPINIÃO DO ADMINISTRADOR DO "Pó do tempo"

Este blogue está aberto à participação de todos.


Não haverá censura aos textos mas carecerá
obviamente, da minha aprovação que depende
da actualidade do artigo, do tema abordado, da minha disponibilidade, e desde que não
contrarie a matriz do blogue.

Os comentários são inseridos automaticamente
com a excepção dos que o sistema considere como
SPAM, sem moderação e sem censura.

Serão excluídos os comentários que façam
a apologia do racismo, xenofobia, homofobia
ou do fascismo/nazismo.

sábado, 14 de setembro de 2019

O salário mínimo de que Costa se orgulha existiria se não fossem os acordos da “geringonça”?

estatuadesal.com



(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 12/09/2019)
Daniel Oliveira



Há uns tempos, António Costa deixou claro que na próxima legislatura o aumento do salário mínimo não passará pelo Parlamento. Ele disse por um acordo parlamentar, mas isso quer dizer que os políticos se demitem de qualquer decisão e deixam isso aos patrões e aos sindicatos. 

As notícias que saíram sobre o assunto explicam que Costa aprendeu com as dores de cabeça deste ano. Sem poder mudar o acordo que assinara com os partidos à esquerda e assumindo que o aumento só poderia acontecer com concordância prévia dos patrões, teve de reduzir o Pagamento Especial por Conta, depois de ter visto chumbado o regresso da ideia passista de baixar a TSU (que descapitalizava o sistema de pensões dos trabalhadores). Estranhamente, foram inúmeras as vezes em que os governos tomaram decisões sobre trabalhadores que os sindicatos não aceitaram. O poder de veto só existe de um lado.
Se a evolução do salário mínimo não estivesse escarrapachada nos acordos da “geringonça” ela teria sido muito mais baixa. Excluir este tema de futuros acordos é reduzir a pressão política para retirar milhares trabalhadores de níveis inferiores ao limiar de pobreza.
A verdade é que foi preciso existir um acordo parlamentar prévio para que um salário mínimo miserável, sobretudo quando comparado com o resto da Europa, aumentasse de forma substancial – um aumento de 19% acumulado. Com a fraqueza com que estão os sindicatos e sabendo-se que a UGT assina sempre tudo (até um acordo vergonhoso no tempo de Passos Coelho assinou) e a CGTP nada, não é preciso fazer apostas para saber que aumento do Salário Mínimo Nacional (SMN) teríamos sem a pressão do acordo prévio entre partidos. Se António Costa se orgulha tanto desta evolução do SMN, de tal forma que a usa várias vezes nos seus discursos políticos, tem de assumir que houve uma qualquer razão para isto ter acontecido. 
Uma razão política. Porque, como se viu, os patrões não estavam disponíveis para este aumento. E, não estivesse o Governo pressionado pelo acordo assinado com os partidos, não teria usado as armas que usou para o conseguir. Se a evolução do salário mínimo não estivesse escarrapachada nos acordos ela teria sido mais baixa. Não tenho qualquer dúvida disso. Aliás, em 2014, o PS só se comprometia com um aumento para 522 euros, para o ano seguinte, de um SMN que em 2011 já devia estar nos 500 euros.


Suponho que todos se lembram do que foi dito sobre os efeitos de um aumento do salário mínimo – que seria uma tragédia para a criação de emprego e para a economia. Em 2014, um estudo da Universidade do Minho falava de perda de emprego entre os 0,01% e os 0,34% por um aumento para 500 euros. Muito antes, em 2011, um estudo do Banco de Portugal sublinhava o “efeito negativo de aumentos do salário mínimo do emprego de trabalhadores com baixos salários, que tem como contrapartida pequenos ganhos salariais”. 
Era assinado pelo economista Mário Centeno. Íamos já em 2017 e ainda Passos Coelho esbracejava, dizendo que os projetos para um grande aumento do SMN eram uma “conversa infantil” e que deviam ser revistos para valores compatíveis com a evolução económica. Sabemos que o aumento do SMN não teve os efeitos negativos para o emprego e para economia anunciados. É verdade que o salário médio se aproximou do salário mínimo. Porque o aumento do SMN não muda a realidade das empresas, das fragilidades económicas deste país. Apenas definem mínimos de decência.
Nem no PS alguma vez houve a convicção de que, tirando a necessidade passageira de um “choque de rendimento” para sair da crise, houvesse grandes ganhos em aumentar o SMN. Excluí-lo do acordo parlamentar é reduzir pressão política para retirar milhares trabalhadores de níveis inferiores ao limiar de pobreza. E é continuar a ceder a uma cúpula empresarial que, sendo incapaz de modernizar as suas organizações e a produção, continua a apostar nos salários baixos para sobreviver.
Anunciá-lo agora apenas corresponde à vontade de abrir um conflito pré-eleitoral com o BE e com o PCP e ganhar argumentos no discurso da ingovernabilidade sem a maioria absoluta do PS, tentando crescer mais à direita. Costa vai continuar a tentar alimentar esta crispação. Com isso, a sua campanha arrisca-se a ser dedicada a desfazer a “geringonça”. O que, ironicamente, o obriga a desvalorizar os maiores ganhos da “geringonça”, que também são seus. Não sei se será a mais mobilizadora das campanhas.

Sem comentários: