O Paulo Fernandes é o dono do Correio da Manhã, grupo Cofina e Altri, pasta de papel, o Abanca é controlado por um empresário com dupla nacionalidade espanhola e venezuelana, fundou o banco Banesco e começou a investir em Espanha entre dezembro de 2012 e junho de 2014, passando a controlar o Abanca, que tem sede na Galiza, Mário Ferreira é o rosto da Douro Azul, com actividade nos cruzeiros fluviais e na hotelaria. A operação, assim designada, está a ser montada por José de Lemos, antigo presidente do Central Banco de Investimentos, através da empresa Clearwater International, do qual é sócio fundador. Águas limpas, um bom título.
Esta é a notícia em linguagem para crentes. Um vulgar negóciozinho de um produto inócuo. Tu vendes, eu compro, trocamos participações, passamos por água limpa e já está: uma televisaozinha, que é uma coisa como o detergente de enxaguar pratos, as conservas, os chouriços, os rolos de papel higiénico. Oferecem-se umas senhas de descontos e os papalvos vão todos contentes para casa. Os romances do Lobo Antunes, na fase já longínqua em que os deixei, relatavam com variações as tardes de domingo das famílias suburbanas nos centro comerciais, pastoreadas por estes empresários do retalho, o pai de calções e camisola de alças, a mãe com as gorduras do traseiro comprimidas nuns fatos de treino três números mais pequenos e o puto a berrar por um McDonald.
Os pastores destas novelas pós realistas de Lobo Antunes montam agora operações para colocarem uma TVI no carrinho de compras.
Num outro registo literário, e contrariando os defensores da língua, entrincheirados na ortografia, a notícia podia ser assim apresentada, independentemente dos símbolos ortográficos:
Negócio de máquinas de alimentar rebanhos e de os manter serenos para a ordenha e a tosquia. Compra da TVI por um trio de ordenhadores e tosquiadores constituído pelo accionista maioritário do Correio da Manhã e de uma empresa de papel, de um vendedor de viagens no Douro e de um banqueiro com balcão na Galiza, sob a supervisão técnica de uma empresa de consultoria com o atractivo nome de Águas Limpas, em inglês, que substitui as orações em latim.
Contudo, estas entidades, chamemos-lhe assim, não se reuniram para nos venderem mercearia, como nos querem fazer crer. Reuniram-se para explorarem o mais antigo negócio do mundo, que não é a prostituição, embora ninguém garanta que não seja um ramo a explorar por estes empreendedores, O primeiro negócio do mundo foi vender veneno a crentes, convencendo-os que era uma maçã. Ainda é e será. O primeiro negócio do mundo foi e é vender uma mentira com o sabor de doce do paraíso. Está descrito no episódio bíblico da maçã, da Eva, do Adão, do Deus e da Serpente. Quatro personagens, como na compra da TVI.
A maçã foi a mentira de Deus ao casal que ele próprio moldara em barro, de que viviam no paraíso sem necessidade de irem ao forno enrijarem, que permaneceriam inocentes e tenrinhos desde que acreditassem nele.. A serpente segredou ao casal que Deus mentia. Mas como, se estamos a ver o paraíso com os nossos olhos? Pura ilusão, explicou a serpente: Foi Deus que criou os vossos olhos para verem o que ele quer. Se tivesses uma televisão percebias a piada. Experimentem comer a maçã! Eles comeram e viram-se nus, na rua. A parte censurada da Bíblia, como a da história da compra da TVI, é o episódio em que a serpente surge, já no exterior do cenário do paraíso, de novo a explicar aos enganados que o Deus que lhes tinha prometido o paraíso é o mesmo que os mandou para o inferno e que o paraíso era apenas um programa, um reality showpara vender o inferno que o mesmo Deus construiu para quem duvidasse dos concursos e das notícias, dos anúncios e das Cristinas, das telenovelas e do Big Brother, dos repórteres de investigação. O paraíso foi apenas um momento de passagem para o inferno que Deus preparou para vocês. Perceberam, seus tansos?
O negócio das televisões assenta no principio da existência de um céu no ecrã dos que acreditam e compram os produtos anunciados, desde logo a ideologia que faz de cada ser humano um consumidor sem dúvidas quanto ao que o vendedor coloca no rótulo dos produtos, e de um inferno de silêncio e de esquecimento para os que duvidam das boas intenções civilizadoras do patrão do correio da manhã, do navegador do douro, do banqueiro galego e do agente que se encarregou da parte mágica de reunir os cabedais.
As televisões são hoje o sucedâneo do negócio de venda da salvação da alma a troco de uma crença. Um negócio entre os sumos-sacerdotes que vendem fé num Deus e os soberanos que compram obediência e resignação dos crentes. A glória e o lucro das grandes igrejas assenta na convicção induzida pelas TVs fé de que não há alternativa aos produtos que vendem. Se não acreditas és um herege. Enquanto não for alcançado o consenso da crucificação e da lapidação os hereges não terão a morte anunciada nos noticiários, nem direito a uma senha para o sorteio de uma viagem all inclusiveno Douro (na época baixa), nem a um empréstimo para o carrito no Abanca, não irão para a assistência dos programas da manhã, não serão entrevistados se lhes arder o quintal. Serão um Zé ou uma Maria ninguém!
Do que se trata neste negócio da comunicação de massas é de uma questão vital para a nossa vida em comum, ser informados sem ter de beber a água benta dos donos do supermercado.
Estes três sócios, como outros antes deles, estão a vender-nos droga viciante coberta com uma fina camada de caramelo artificial. O caramelo artificial é feito de cristinas e similares (boas pessoas que ganham honestamente a vida, é certo), de futeboladas e arbitragens, de videoárbitros e telenovelas, desastres de automóvel e incêndios, desgraças e engates à primeira vista. É feito especialmente de truques de manipulação para os vampiros adormecerem as vitimas a quem sugam o sangue. Goering, o ministro da propaganda de Hitler, sistematizou o modo de impingir estas papas para tolos em 10 princípios que ainda hoje são cartilha dos propagandistas. Temos em perspectiva mais um trio, ou quarteto a recozinhá-las e a servi-las nas motoretas das uber news.
Os governos da União Europeia têm apresentado aos seus eleitores programas de belo efeito para combater a comida carregada de gorduras, as mixórdias carregadas de conservantes e edulcorantes. Puro fogo-de-artifício, que o PAN se encarregará de promover. Entretanto os governos permanecem mudos e quedos perante os vendedores dos venenos mais insidiosos, os pechisbeques intelectuais como o Tavares, o Mendes, e outros. Na realidade, os governos acobardam-se em nome da liberdade e nós, os vigarizados, ouvimos as sentenças dos barbeiros e cocheiros que os tipos que compraram TVIs contratam para nos assobiar aos ouvidos. Pactuamos com os ventríloquos do povo!
Ao deixar fazer da informação de massas um negócio de enchidos e enlatados de supermercado, os Estados tornam-se cúmplices da “rebanhorização” dos seus cidadãos. Num primeiro tempo isso parece-lhes vantajoso, a curto prazo é degradante e, na última fase, é letal. O rebanho será conduzido ao matadouro ou à tosquia (na melhor das hipóteses) e nem o bobe ou o boi dominante escapam.
O mais recente negócio da TVI podia ser assinado na Feira do Relógio, em direto. Seria mais claro. Mas, como diria o poeta Aleixo, a mentira para ser segura e ter profundidade deve ter à mistura alguma verdade. O veneno da nova estação será apresentado numa bela embalagem, num casino, de fraque e com champanhe.
Carlos Matos Gomes
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