"Se a União Soviética, tal como outros países, sofreu uma evolução negativa, que a conduziu ao desastre, não foi por que tenha fracassado o ideal e projecto comunista.
Foi sim porque, num complexo processo, cuja análise está por aprofundar, acabou por se instaurar um "modelo" que deixou de corresponder a esse ideal e projecto e em alguns aspectos o perverteu.
Poder centralizado e burocratizado em vez de poder dos trabalhadores. Estatização completa da economia. Perda de ligação viva do governo e do partido com a classe operária e as populações. Ouvidos fechados à crítica.
Não realização da prometida democracia "mil vezes mais democrática que a mais democrática das democracias burguesas". Intolerável abuso de métodos repressivos.
Dogmatização da ideologia do partido e sua imposição como doutrina do Estado. Já num processo avançado de degradação, a "perestróika" prometeu correcção e viragem: com mais democracia "mais socialismo".
Não cumpriu. Renegou a revolução. Renegou tudo quanto o povo havia realizado, alcançado e vitoriado. Renegou a luta heróica dos que deram a vida. Renegou democracia e renegou socialismo. O desmoronamento da URSS e a evolução para o capitalismo - com o caos económico, a liquidação de direitos sociais, as guerras internas, os "gangs" de súbitos milionários, o proliferar de poderosas máfias, a vaga da corrupção do crime e da prostituição - é uma terrível catástrofe e perda para os povos da ex-URSS. Perda terrível também para os povos do mundo, que deixa campo mais livre ao imperialismo para se lançar à ofensiva tentando liquidar à força todas as forças que se lhe oponham, e impor de novo o seu domínio mundial.
Explica-se que na ex-URSS e noutros países se observe o que já se chama "saudade do passado". Não no sentido de refazer um "modelo" condenado, mas para, rejeitando tudo quanto estava mal e muito era, recuperando direitos perdidos, valorizando realizações e experiência passadas, encontrando soluções novas, reempreender a construção do socialismo.
" Álvaro Cunhal "O Militante" Nº 233 - Março / Abril - 1998
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