Sobre o espírito do capitalismo
Seleção de Júlio Marques Mota e tradução de Francisco Tavares
2. As reduções de impostos do Pai Natal
Por Paul Krugman
O Pai Natal vem à cidade com presentes para os perversos e ricos
É mais uma vez aquela época do ano. Em que alguns de nós receberemos prendas bonitas, e outros receberão pedaços de carvão.
Mas as regras mudaram, pelo menos no que diz respeito ao governo federal. O Pai Natal que conhecíamos está de férias. Em vez dele temos um Pai Natal republicanos que reduz impostos, e tem prioridades diferentes.
Este tipo recompensá-lo-á se você for mau mas de maneira correta. Mas principalmente ele preocupa-se você for rico, especialmente se a sua riqueza vier da propriedade (preferivelmente herdada), não de trabalho duro. Nesse caso, você receberá verdadeiramente um grande presente. Se você for uma família trabalhadora comum, nem por isso — e eventualmente receberá pedaços de carvão.
Falemos pois sobre de quem serão as meias que ficarão bem recheadas com a lei fiscal que os republicanos acabaram de impor sem ouvir qualquer especialista e sem um só voto democrata.
O ponto central é uma enorme redução de impostos para as empresas. Os Republicanos afirmam que isto se repercutirá em salários mais elevados para os trabalhadores, mas a maior parte dos estudos concluem que pouco gotejará para os trabalhadores. Deste modo, isto será basicamente uma redução de impostos para os acionistas.
E quem são estes acionistas? Cerca de um terço dos benefícios irão para estrangeiros. Entre os residentes dos Estados Unidos, muitos têm ações em contas de reforma, mas normalmente não muito. Mesmo incluindo as participações através de fundos de investimento, os agregados familiares mais ricos, do topo de 1%, detêm 40% das ações, enquanto os 80% que formam a parte inferior, os mais pobres detêm apenas 7%. Assim quando chegarem as reduções do Pai Natal será bom ser-se rico.
Entretanto, coisas complicadas acontecerão com os impostos individuais: algumas deduções aumentarão, outras serão cortadas. No próximo ano, a maioria das pessoas terão provavelmente uma pequena redução, embora para a classe média vá ser uma redução menor do que a que tiveram com Barack Obama em 2009 — uma redução fiscal que quase ninguém deu por ela.
Fundamentalmente, contudo, enquanto as reduções fiscais para as empresas são permanentes, todas estas coisinhas boas individuais estão preparadas se desgastarem ao longo do tempo e depois acabarem, de modo que quando a lei esteja plenamente implementada a maioria das famílias da classe média verá os seus impostos aumentar.
Os Republicanos dizem que os Congressos no futuro ampliarão as deduções individuais — ou seja, estão a dizer que a sua própria lei é tão má que não será implementada tal como está redatada.
Agora, vem a parte em que vale a pena ser mau.
A segunda parte mais importante desta lei fiscal é uma redução drástica para os proprietários de negócios, que pagarão muito menos impostos do que as pessoas que tenham o mesmo rendimento mas trabalhem por conta de outrem.
Isto discriminará os contribuintes de um modo que não tem relação com qualquer objetivo político coerente. Todavia, oferecerá um inesperado ganho financeiro a numerosos políticos eleitos, especialmente Donald Trump.
E também abrirá a porta a muito jogo com o sistema tributário.
O truque óbvio é continuar a fazer o que já faz atualmente, mas redefinindo-se como trabalhador independente em vez de empregado por conta de outrem. A lei contém normas que supostamente limitarão este tipo de abuso, mas os especialistas fiscais já encontraram enormes lacunas. E nos meses que se seguem, à medida que milhares de contabilistas e advogados de topo metam mãos á obra, é de esperar que apareçam mais vias para fugir ao fisco — mas apenas para os ricos e os bem relacionados.
Vejamos um exemplo que já conhecemos. Imaginemos uma empresa composta por vários médicos. Segundo as novas normas, uma tal empresa não teria direito à redução fiscal (ainda que se fosse de arquitetos teria. Porquê? Quem sabe?). Mas os medicos podem contornar a norma se comprarem o edifício onde trabalham e cobrando a si mesmos uma qualquer renda exorbitante. Aí está! Conseguirão pagar impostos muito mais baixos — porque os grupos económicos de investimento imobiliário conseguem a grande baixa tributária.
Ou então imagine que alguns colegas meus formam uma empresa de consultoria económica. Essa empresa não teria direito a desagravamento fiscal. Mas imagine ainda que a empresa comece também a vender camisetas excêntricas ou pedantes. Com um pouco de mágica, parece que poderão definir-se como uma empresa de camisetas e assim pagarão menos em impostos.
Deste modo, haverá centenas de jogadas como esta para evadir os impostos, custando aos contribuintes muitos milhares de milhões em perda de receita fiscal. Mas somente aqueles que são prósperos e matreiros conseguirão fazer estas jogadas. Como disse, a redução fiscal do Pai Natal recompensa realmente se se for mau da maneira correta.
E que dizer dessas promessas de que os ricos não beneficiariam de redução de impostos, de que o sistema tributário seria mais simples, de que a declaração caberia num simples postal? Tudo o que se pode dizer é, como diz o Pai Natal, ho ho ho!
Paul Krugman é colunista no New York Times.
Texto original em http://www.post-gazette.com/opinion/2017/12/23/Paul-Krugman-Tax-Cut-Santa/stories/201712230013
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