Este documentário, simplesmente espetacular, narra a história de um jovem russo que decidiu viver 240 dias na solidão da roça tal e qual faziam seus antepassados no século X. Rússia; from the past é uma ideia promissora de 60 minutos de vídeo [em russo, com legendas em inglês] que mostra o desenvolvimento do experimento psico-sociológico, em que principalmente tentavam confirmar ou desmentir algumas crenças que tinham os historiadores sobre a época e também o que acontecia na cabeça do protagonista.
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Ainda que ficou mais conhecida agora, com o título Alone in the Past, a experiência começou a ser planeada em 2013 e foi realizada entre o outono de 2016 e a primavera de 2017. Pavel Sapozhnikov deixou para trás a tecnologia e o contato humano para viajar ao passado junto com alguns animais de granja em uma cabana de um lugar isolado.
Em decorrência desse tempo analisa sua evolução mental e algumas histórias do dia-a-dia. No documentário indicam que contato humano era mínimo, uma vez por semana, com uma equipe de psicólogos e historiadores, tão só para trocar impressões, gravar algo de vídeo e recarregar as baterias da câmera que usava diariamente.
Uma nova maneira de ver o sobrevivencialimo
O resultado é bastante curioso e o documentário muito interessante sobretudo para os entusiastas do sobrevivencialimo e do movimento da tecnologia primitiva.
- "Agora entendi melhor por que antigamente as pessoas cuidavam dos animais: porque eram úteis. Só eram sacrificados quando estavam velhos, para comer. Eu já não poderia matar uma galinha: não seria algo útil, nem prático. A galinha dá ovos, mais ovos ao cabo de um mês do que seu próprio peso... Simplesmente seria estúpido matá-la. O mesmo com as cabras: se você podes ordenhá-las, sacrificá-las é quase uma blasfêmia."
Com o russo encontrava-se em completa solidão, os animais eram seus únicos amigos. Falava com eles de vez em quando. Ele diz que assim mudou um pouco sua forma de vê-los, porque tinham passado por muitas vicissitudes juntos e que ficou bem claro que a partir dali já não trataria os animais como antes.
O experimento é ótimo, mas tem truque
O experimento, lógico, tem um pouco de truque: o protagonista já estreia uma cabana estilo século X, mas equipada: uma construção robusta com três quartos, banheiro, um poço, forno e cerca. Também está bem apetrechado: machados de alta qualidade , cordas, cerâmica, cera.... Sim: tudo certamente do século X ou princípios do XI, mas muito bem preparado no século XXI e abundante. Além disso o celeiro está repleto, por não falar de que também há várias cabras, um cão e mais de uma dúzia de galinhas. Tal e como ele mesmo diz
- "Acho que poderia viver 8 ou 10 meses sem fazer absolutamente nada, com toda esta comida que tenho."
O mais relevante é que qualifica o estilo de vida como estranhamente estressante, ainda que não fica muito claro se porque era assim para todos ou só se foi o caso pessoal. Há umas dez tarefas diárias a fazer obrigatoriamente, que tomam muito tempo e mal pode descansar e menos entreter-se um pouco.
Também há o tema da noite: em um mundo sem eletricidade as noites escuras são qualificadas como horripilantes, cheias de ruídos e sombras. É o pior da experiência. Isto, somado a uma febre de várias semanas, lhe levou a fabricar compulsivamente muitas velas, com as quais tentou iluminar o interior da cabana a duras penas. Chega inclusive a ter alucinações visuais -há quem diga que foi por inalar muito monóxido de carbono do fogão- e, como era previsível, quase incendeia a cabana em um momento de distração.
A cabra fantasma
Pavel narra entre apenado e envergonhado como uma noite uma das cabras escapou e entrou na cabana, fazendo ruídos e quebrando vasilhas e utensílios. O que ocorreu ali então só sabem ele e a (pobre) cabra. O caso é que em um momento de transtorno mental transitório, fruto da ira ou do medo, acabou decapitando a cabra com seu machado. Mas mais ainda: fincou sua cabeça em uma haste, que lembra Game of Thrones na entrada do terreno. Por este incidente -e porque também caçou alguns ratos e pássaros pequenos, que depois exibiu- muitos lhe qualificaram de pouco menos que Vlad o empalador depois de ver o vídeo.
Detalhes assustadores aparte, o homem sobrevive bem à experiência. Aprende que os sapatos de couro são práticos, mas que as meias não servem de nada porque ficam molhadas continuamente (prefere trocá-las por palha). Também experimenta com formas de cozinhar pão ou roscas com trigo que mói pacientemente; comprova que pode pescar (mas não pesca, também não caça) e em geral que a vida era dura pela solidão: uma estranha combinação de aborrecimento com procrastinação.
Com uma higiene um tanto deteriorada e alguns episódios pontuais a mais, como um em que quase corta um dedo com o machado ou que padece de febre intermitente, finalmente superou os 240 dias propostos inicialmente, momento em que volta ao mundo real. E daí, o que mais ele aprecia ao voltar à civilização moderna? Os bolsos das calças, do tamanho e forma ideal, e tão úteis. Diz ademais que desde que saiu deixou olhar a data nos calendários.
VÍDEO
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