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quarta-feira, 27 de abril de 2016

Militantes comunistas são barrados em enterro simbólico de Pablo Neruda no Chile


Terceiro enterro oficial dos restos mortais do poeta aconteceu na praia de Isla Negra; escritor foi militante e senador pelo Partido Comunista nos anos 1940


A praia de Isla Negra, no litoral central do Chile, foi palco nesta terça-feira (26/04) de mais um enterro de Pablo Neruda, o quarto realizado com os restos mortais do poeta e o terceiro de forma oficial, com cerimônia e presença de parentes e admiradores do escritor.
A cerimônia estava marcada para as 9h e começou com alguns minutos de atraso devido a um grupo de 11 militantes do Partido Comunista do Chile (PCCh) da cidade de El Quisco, à qual pertence a praia de Isla Negra – entre eles o conselheiro municipal Mario López, única autoridade comunista presente. Pablo Neruda, além de poeta e ganhador do Prêmio Nobel de Literatura (1971), foi militante comunista e senador pelo partido nos anos 1940.
Os militantes do PCCh traziam bandeiras e queriam fazer uma homenagem ao poeta, mas foram proibidos de entrar, sendo direcionados ao setor onde estava a imprensa, a cerca de 40 metros do túmulo. O pescador Elciario Vergara era um dos 11 militantes presentes e aproveitou a presença dos jornalistas para expressar sua indignação com a situação: “Neruda militou conosco aqui em El Quisco. Ele não era um figurão do partido, como os [deputados] de hoje, que só aparecem nas cerimônias oficiais, cercados por seguranças. Eu me sentei ao lado dele em reuniões a que ia com o meu pai, que também era pescador, e lá estava uma dúzia de trabalhadores e ele”, disse Vergara a Opera Mundi.


Visitantes prestam homenagens a escritor após a cerimônia de enterro nesta terça-feira
O pescador conta que, quando jovem, frequentou a casa de Isla Negra, quando Pablo Neruda foi um militante ativo do PCCh na cidade de El Quisco, nos anos 1970. O escritor havia voltado ao Chile, após o exílio na Europa, para apoiar o governo de Salvador Allende. Vergara lembrou que em outras ocasiões também foi proibida a entrada de militantes comunistas em eventos realizados em homenagem ao poeta.
A cerimônia desta terça-feira foi o quarto sepultamento dos restos mortais do poeta chileno Pablo Neruda, que faleceu no dia 23 de setembro de 1973, doze dias após o golpe de Estado contra Salvador Allende. O primeiro enterro aconteceu dias depois do falecimento, em meio aos escombros da casa do poeta em Santiago (conhecida como La Chascona), que havia sido invadida e revirada por militares nos dias anteriores. Os comunistas que ousaram participar do velório e da marcha ao Cemitério Geral o fizeram clandestinamente, já que o partido já havia sido declarado ilegal, uma das primeiras medidas do regime de Augusto Pinochet (1973-1990).
Um ano após a morte, o corpo de Neruda foi exumado e voltou a ser enterrado no mesmo local. Em 1992, após o fim da ditadura, foi realizado um segundo sepultamento oficial, organizado pelo governo do Chile e pela Fundação Neruda – organização que herdou o acervo literário e patrimonial do autor depois da morte de Matilde Urrutia, a companheira de Neruda em seus últimos anos. Nessa segunda oportunidade, os restos mortais do poeta foram depositados em um túmulo em Isla Negra, junto com os restos de Urrutia, como havia sido determinado por ele em testamento. Somente alguns diretores do PCCh tiveram acesso àquela cerimônia. 

Dezenas de militantes que ficaram do lado de fora da casa vaiaram boa parte do protocolo, especialmente o discurso do então presidente Patricio Aylwin.


Militantes do Partido Comunista e admiradores de Neruda visitam túmulo após cerimônia
Manuel Araya
O ex-assessor pessoal de Neruda e ex-militante comunista Manuel Araya também foi impedido de participar da cerimônia. O testemunho de Araya à Justiça, em 2011, marcou a última controvérsia a respeito da biografia do autor. Ele sustenta que Neruda foi assassinado pela ditadura, contrariando a versão oficial de que o poeta teria falecido pela metástase de um câncer de próstata que sofria.
A partir da versão de Araya, a Corte de Apelações de Santiago iniciou um novo processo de investigação do caso, cujo último capítulo foi a exumação feita em 2013 dos restos mortais do poeta. O funeral desta terça-feira marcou justamente o retorno desses restos mortais ao túmulo de Neruda, que fica no quintal da Casa Museu de Isla Negra, uma das antigas residências do poeta transformada em centro turístico pela Fundação Neruda.
Além de defender a versão do assassinato, Araya trava uma disputa com a Fundação. Ele acusa a instituição de transformar o acervo e o patrimônio do poeta em um negócio turístico. “A vida de Neruda está restringida pela Fundação. O que vocês [jornalistas] estão vendo aqui é simbólico, porque estou eu, que fui assessor [de Neruda] durante os últimos anos de sua vida, impedido de entrar. Ninguém ali [entre os presentes na cerimônia oficial] conviveu tanto com ele quanto eu, que presenciei sua luta por sair do Chile para denunciar o ditador Pinochet”, declarou a Opera Mundi.



Araya mostrou também uma cópia do boletim de ocorrência de quando foi proibido de entrar na casa de Isla Negra, em dezembro de 2015, junto com uma equipe de televisão do canal chileno Megavisión, e afirmou que essa negativa ocorreu pelo menos outras duas vezes este ano, em ocasiões em que era acompanhado por equipes jornalísticas da Alemanha e da Espanha.
Conclusões científicas
As investigações sobre a morte de Pablo Neruda só mudaram definitivamente de rumo quando os peritos da Universidade de Múrcia (um dos grupos que participa da equipe internacional que trabalha no caso) detectaram a presença da bactéria Staphylococcus aureus entre os restos mortais exumados. A descoberta fortaleceu a versão de Manuel Araya de que Neruda foi assassinado pela ditadura, visto que o laudo pericial mostra um quadro muito parecido ao da exumação do ex-presidente chileno Eduardo Frei Montalva (1964-1870), assassinado pela ditadura em 1982 com uma injeção letal de gás mostarda quando estava internado na Clínica Santa Maria, a mesma em que Neruda havia falecido nove anos antes.
Em novembro de 2015, o governo chileno reconheceu a versão do assassinato de Neruda como a hipótese mais provável. “As investigações agora estão sendo realizadas por cientistas canadenses e dinamarqueses, que tentam confirmar se a bactéria encontrada foi realmente a causa da morte de Neruda. Os dois grupos trabalham com tempos diferentes, mas esperamos ter resultados conclusivos entre agosto e outubro deste ano”, afirmou nesta terça-feira o diretor-chefe do Programa de Direitos Humanos do Ministério do Interior, Sebastián Cabezas.
A controvérsia sobre a causa da morte do poeta foi motivo de troca de farpas entre Manuel Araya e o presidente da Fundação Neruda, Raúl Bulnes, após a cerimônia. O representante da entidade afirmou que “a Fundação sempre defendeu a versão de que o assassinato é a causa mais provável, mas não podíamos afirmar isso com certeza se não havia provas científicas a respeito, e ainda não há oficialmente, então buscamos ser cautelosos e esperamos os resultados definitivos da perícia”. Manuel Araya contestou essa afirmação. “Todas as testemunhas apresentadas pela Fundação visavam defender a versão da doença terminal, ou desacreditar a minha versão, me tratando como mentiroso. Chegaram inclusive a pedir um atestado de sanidade mental contra mim, mas o ministro Mario Carroza (responsável pela investigação da Corte de Apelações de Santiago) não aceitou”, disse Araya.
Briga entre famílias
Outro momento tenso da manhã aconteceu quando o sobrinho de Neruda, Rodolfo Reyes, foi abordado por uma militante comunista quando saía do local. “Neruda não pertence somente a vocês ou à Fundação”, disse costureira Mariela Herrera. “Neruda pertence ao povo chileno. Vocês podem ser a família biológica, mas nós somos a família política dele.”
O advogado Reyes respondeu que a ausência de militantes comunistas na cerimônia foi determinada pela Justiça. “Nós estamos defendendo as mesmas ideias no que diz respeito ao legado de Neruda”, continuou Reyes. “Eu convivi com o meu tio e sei que o seu sonho era que, depois de morto, esta casa fosse aberta para a população, para que todos possam frequentá-la, para que não fosse restrita como é hoje. Nesse sentido, você tem o meu apoio”.


Homem faz homenagem a Salvador Allende e Pablo Neruda diante do ex-Congresso chileno no velório desta segunda-feira
Antes do sepultamento desta terça, na segunda-feira (25/4) houve outra cerimônia, realizada no edifício do antigo Congresso Nacional, em Santiago. Lá estiveram presentes vários representantes do PCCh, incluindo seus seis deputados (Camila Vallejo, Daniel Núñez, Hugo Gutiérrez, Karol Cariola, Lautaro Carmona e Guillermo Teillier, que também é o presidente do partido), além do advogado Eduardo Contreras, que representa a legenda na causa pela morte de Neruda. Também esteve presente, durante alguns minutos, a presidente chilena, Michelle Bachelet. O velório no ex-Congresso foi aberto ao público durante a maior parte do dia.
Por volta das 11h desta terça-feira, quando os familiares e membros da Fundação deixaram os arredores da sepultura de Neruda, os militantes comunistas finalmente puderam se aproximar. Eles gritaram palavras de ordem contra o lucro com a imagem do poeta comunista, além de fazer a tradicional homenagem do partido para os seus militantes falecidos: “Companheiro Pablo Neruda: presente! Agora e sempre!”
operamundi.uol.com.br

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