QUEM GANHOU EM SETÚBAL AS AUTÁRQUICAS
Os resultados eleitorais no concelho de Setúbal, em 29 de Setembro, ditaram uma clara e expressiva vitória da CDU.
A coligação constituída pelo PCP, pelos Verdes e pela Intervenção Democrática venceu, com maioria absoluta, a Câmara e a Assembleia Municipal de Setúbal, quatro das cinco juntas de freguesia do concelho e foi a única força política a subir percentualmente, ao mesmo tempo que foi aquela que melhor conteve a sangria de votos motivada pelo acentuado crescimento da abstenção.
A CDU subiu dos 38,93 por cento registados nas eleições de 2009 para 41,93 por cento e elegeu mais um vereador na câmara municipal, o que significa que tem agora seis dos onze eleitos, num quadro em que a câmara municipal passou de nove para onze eleitos, presidente incluída.
Na Assembleia Municipal, a CDU aumentou a sua representação de 11 para 15 mandatos, a que se juntam mais quatro presidentes de junta de freguesia, o que significa uma maioria de 19 deputados municipais, na sequência de uma votação que subiu dos 36,43 por cento das eleições de 2009, para 40,13 por cento em 2013.
Em termos absolutos, e num contexto em que a abstenção subiu de 53,38 para 61,27 por cento, apesar do aumento do número de eleitores inscritos de 100.371 para 103.488, e em que, ainda assim, votaram menos 10.850 eleitores, a CDU apenas perdeu 1757 votos. “Apenas”, porque a sangria foi muito mais elevada nos restantes partidos, com o PS, apesar de ter elegido mais um vereador, a perder 3665 votos e a baixar a sua percentagem de 29,81 para 26,41 por cento, e o PSD/CDS, que manteve um vereador, a baixar, no conjunto da votação dos dois partidos, a sua percentagem de 20,29 para 12,85 por cento, o que significou também menos 4548 votos.
Na Assembleia Municipal, o PS, apesar de perder votos e descer percentualmente, embora em menor escala (de 29,11 para 28,23 por cento e menos 2606 votos) aumenta a sua representação “parlamentar”, que passa de oito para dez eleitos, embora mantenha exatamente o mesmo número de deputados municipais na sequência da perda das presidências das juntas de freguesia de Santa Maria e São Julião, agora agregadas com a freguesia da Anunciada na União das Freguesias de Setúbal, na qual a CDU venceu, resultado que acabou por constituir a maior derrota do PS no concelho, já que era aqui que este partido alimentava maiores expectativas e onde fez, aliás, a maior aposta na campanha eleitoral.
Merece ainda comentário adicional o facto de o PS, depois de um aparentemente conturbado processo de escolha do candidato à Câmara Municipal de Setúbal, ter destacado como cabeça de lista uma personalidade com visibilidade mediática — nada mais, nada menos do que o principal porta-voz do partido, João Ribeiro — o que não foi suficiente para melhorar a votação, pelo contrário.
A quebra do PSD/CDS na Assembleia Municipal, somados os votos dos dois partidos em 2009 e respetivo número de eleitos, é também significativa. A coligação desce de 22,73 para 14,91 por cento, ou seja, teve menos 7,82 por cento, e perde 5396 votos.
A CDU confrontar-se-á agora com uma representação dos restantes partidos de 18 eleitos, repartidos pelo PS, com dez eleitos, pelo PSD/CDS, com cinco eleitos, e pelo Bloco de Esquerda, com três eleitos, a que se junta ainda uma presidente de junta de freguesia eleita por um movimento independente em Azeitão. Apenas no caso de uma votação conjunta dos partidos da oposição com a representante da junta independente se registará um empate a 19 votos, que será facilmente resolvido pelo voto de qualidade do presidente da Assembleia.
Importa ainda salientar que a CDU recuperou as duas juntas de freguesia antes detidas pelo PS, Santa Maria e São Julião, agora agregadas na União das Freguesias de Setúbal, manteve as freguesias do Sado, Gâmbia, Pontes e Alto da Guerra e São Sebastião, perdendo a União das Freguesias de Azeitão, o que significa, na prática, a perda da freguesia de São Simão.
A abstenção
A abstenção atingiu este ano e em eleições autárquicas o seu valor mais elevado de sempre — 61,2 por cento — o que significa que, no período de 12 anos entre 2001 e 2013, apesar de ter havido um aumento de 11.271 eleitores, a taxa de não votantes cresceu 12,95 por cento, ou seja, de 48,42 para os tais 61,2 por cento.
Claro que é necessário ter em consideração a deficiente limpeza dos cadernos eleitorais, que pode ser um factor determinante para a inflação abstencionista verificada, ainda que essa seja uma tarefa complexa que adiciona a este problema uma nova incógnita.
Vale a pena, contudo, olhar para os números desde 1985 para que possamos tirar conclusões mais sustentadas, mais justas, sem artifícios de análise condicionados por uma leitura isolada e de oportunidade dos resultados de 29 de Setembro.
Se olharmos para estes números, concluiremos que a abstenção tem vindo sistematicamente a crescer nas autárquicas setubalenses, atingindo um pico de crescimento de 18 por cento entre o ato eleitoral de 1985 e o de 1997, ou seja, um valor que se situa bem acima do crescimento de 12,95 por cento registado entre 2001 e 2013.
Não há recordação de as análises pós-eleitorais da época terem destacado o facto de a abstenção ter subido, no concelho de Setúbal (e de se constituir quase como um fator de ilegitimidade democrática, como o fizeram agora três destacados militantes do PS – Mário Cristóvão, Vítor Ramalho e Chocolate Contradanças, em artigos publicados no Jornal “Sem mais”) de 35,97 por cento, em 1985, para 53,96 por cento, em 1997, ainda que neste período de 12 anos se tenha registado um crescimento de 13.975 eleitores inscritos.
Significa isto que o fenómeno da abstenção não é novo e também noutras épocas se registou um elevado crescimento do absentismo eleitoral, ainda que, então, nenhum dos que agora se mostra tão preocupado com o fenómeno, tivesse feito algo para inverter a tendência. Pelo contrário. O que se viu foi a continuação das políticas gravosas para os portugueses, os jogos partidários, os sindicatos de voto no PS e no PSD para eleger determinadas direções, tudo o que os portugueses agora conhecem melhor do que nunca e julgam de forma bastante negativa.
Ao contrário do que afirma Vítor Ramalho, a abstenção no distrito de Setúbal não é, de forma alguma, uma penalização do PCP. Só uma análise condicionada por uma forte derrota pode levar a tais conclusões.
Se o fosse, a CDU não teria reforçado maiorias e recuperado câmaras como as de Grândola e Alcácer e não teria ameaçado o PS no Montijo.
Se o fosse, o PS não teria reduzido o seu peso eleitoral no distrito, de 28.01 para 26,7 por cento, e perdido um mandato, já que passa de 37 para 36 mandatos, enquanto a CDU, ainda que tenha reduzido também a sua percentagem, cresce em número de mandatos, de 52 para 56 e ganha mais duas presidências de câmara.
A abstenção não foi, contudo, impedimento a que o Partido Socialista, com menos votos, menos percentagem e menos votantes no concelho de Setúbal, tenha eleito mais um vereador. Por isso, soa tão estranha e a desculpa de mau pagador a ideia, sub-repticiamente espalhada, de que a abstenção é uma condicionante à legitimidade democrática dos órgãos autárquicos eleitos, em particular para os do concelho de Setúbal.
Parece mais simbolizar a necessidade que estes militantes destacados do PS estão a sentir de colocar em causa a atual direção federativa do partido, muito provavelmente para a tomarem de assalto.
Porém, utilizar o argumento da abstenção, cujo combate foi erigido como objetivo principal pelo candidato do PS em Setúbal — um combate perdido, como se viu — mais não é do que enfraquecer as próprias posições conquistadas pelo partido e, pior do que isso, enfraquecer a própria democracia e os seus mecanismos.
O que está em causa nesta subida da abstenção, mais do que os partidos e o seu funcionamento, são as políticas praticadas pelo PS e pelo PSD nas últimas décadas, elas sim as verdadeiras causas da descrença dos portugueses.
De facto, não é de admirar que, com as sucessivas tropelias feitas aos portugueses — de que o exemplo que o Carlos Anjos nos fala lá mais abaixo é apenas mais um dos constantes ataques aos cidadãos, neste caso muitos milhares de funcionários públicos e suas famílias – que fazem com se deixe de acreditar “neles” e se vulgarize a narrativa do “são todos iguais”, que é, aliás, bastante cómoda para os que, no governo da nação há dezenas de anos, se têm encarregado de propagar como fogo em mato seco, a que a recente decisão das televisões de não fazer campanha eleitoral muito ajudou.
Na verdade, nem todos são iguais, porque nem todos têm responsabilidades no Estado a que chegou o país, nas políticas que aqui nos conduziram e nem todos subscreveram PEC’s e memorandos da Troika, rejeitando-os clara e liminarmente e alertando sempre para a subjugação do país e dos seus cidadãos apenas a interesses económicos, tudo para que se paguem os descomunais juros de uma dívida impagável, agravada pela incapacidade e incompetência do atual governo, movido por uma cegueira ideológica como há muito não se via. E assim se continua, mesmo que se matem à fome os portugueses, já completamente atolados na maior carga fiscal de sempre, afogados por reduções salariais, ameaçados por cortes sociais, alarmados por cortes no sistema de saúde…
A melhor evidência desta cegueira foi-nos dada à dias pela manchete do DN, na qual se garantia que os cortes do OE 2014 provinham em 82 por cento dos cortes na função pública, nos reformados e na educação e que apenas quatro por cento de taxas para a banca, as petrolíferas e redes de energia.
Deve ser esta a equidade de que nos falam constantemente. Claro que, com tanta equidade que nos tem sido oferecida por PS, PSD e CDS, não é de estranhar tão elevado crescimento da abstenção por parte dos cidadãos para quem “eles”, essa mítica entidade que governa o país, são “todos iguais”, seja no poder central, seja no poder local e, por isso, nem vale a pena ir votar.
(clique nas imagens para ampliar)
Sem comentários:
Enviar um comentário