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quinta-feira, 5 de maio de 2011
ESQUECE O CARTEIRO
Madrugada de 7 de Março de 2009
Recordam-se dos tempos das cartas, não existia e-mail, HI5, Facebook, Messenger, SMS, telemóvel e todas as outras parafernálias tecnológicas?
Lembram-se da quase uma semana que demorava a chegar a carta e outra semana para receber a resposta (quando chegava)?
O ritual de escrever à mão sem teclado, sem smiles, sem animações, sem sons, quem tinha alguma destreza aventurava-se a desenhar no espaço livre, e depois, comprar o selo e mais uma vez para os audazes, uma lambidela no selo (a cola era doce) colava-se e metia-se no marco do correio.
- Ufa! Já está!
Quantos casais, namorados, amigos se comunicavam assim e com os esporádicos telefonemas?
- Ena tanta pergunta… Só mais umas.
Os casamentos eram piores? Os namoros, as amizade eram menos sentidas?
Claro que não, uma esposa, um namorado, um amigo que merecia a estafa de escrever uma carta, comprar envelope, comprar selo e ir ao marco do correio é porque era mesmo importante e marcante na vida de quem escrevia.
A vida era mais lenta e calma, menos imediatista e consumista, prezando-se significativamente a qualidade à quantidade, claramente dando tempo à consolidação dos afectos.
A carta tem glamour, tem cheiro, tem tacto, tem até ADN (restinhos pequeninos de pele e baba de saliva por trás no selo e na cola de fecho do envelope, isto para os audazes, claro), o e-mail tem um clique, tem uma leitura na transversal, pois temos de ser rápidos porque existem mais uns quantos para ainda ler, frios e assépticos.
A parafernália tecnológica de comunicação é óptima, liga-nos ao mundo, estamos sempre ao alcance da informação, a imensa e basta informação está lá para nos ser útil mas também inútil, distractiva, perturbadora, influenciadora e quase totalitária por vezes.
Quase que não ter pelo menos uma das ferramentas destas tecnologias no bolso ou à distancia de um clique é um convite à exclusão.
Mais do que nunca, nunca se viram tantos círculos de amigos, tão grandes, catalogados e classificados das mais diversas formas, serás bom ou mais amigo/namorado/marido pela quantificação de um (ou vários) dos seguintes itens:
- nº de sms por dia (rácio semana);
- posição em que estou listado na Friend List (Hi5, Facebook, etc);
- no Messenger, falas ou não;
- estou na tua mailling list de e-mails cool;
- recebo toques telemóvel, recebo dedicatórias e mensagens no Hi5, Facebook…
- comparação de sms, de comentários no HI5′s e afins, de imagem e smiles, enviados a outros amigos da rede (medição de afecto);
- etc
A insipidez e frieza destes meios, cria e suporta relações, dá-lhes valor afectivo mascarado e ainda serve para medir relações.
- Perdeu-se o glamour, ganhou-se a rapidez…
- Perdeu-se a paciência, ganhou-se a satisfação imediata…
- Perdeu-se os sentido de espaço, ganhou-se o não há limites para quase nada.
A mensagem da palavra, da frase, do parágrafo, do texto já não interessa e ninguém tem paciência para ler, entender compreendendo, assimilar, agora a mensagem é pela quantidade, é pela animação flash, é pela colecção de hits, de estrelinhas, de visitas, de sms, de toques…
- É…
É quantidade e quantidade e assim me mede uma amizade e tudo o resto.
Ainda me recordo do carteiro fardado e de bicicleta, saudade da paciência e calma de saber esperar aprendendo e assimilando afectos, lendo e relendo cada parágrafo, cada letra, cada frase como se cada leitura fosse a primeira. A emoção de escrever, a emoção de receber, tudo tão ritualista (no sentido da celebração de afectos), excitante e sentido.
Actualmente estar contactável é escravidão tecnológica completamente confundível com afectos electrónicos, um toma lá um beijo em bit e byte e uma devolução de outro beijo com outros quantos bits e bytes.
As parafernálias tecnológicas, as redes sociais, vieram para ficar, usa-las com espírito ritualista e do escrever uma carta, ler como se fosse – a carta – pode ser um caminho entre tantos outros, talvez uma tentativa de aquecer a gélida tecnologia, e os imediatistas e frívolos afectos.
- Nunca antes estivemos tão próximos e tão distantes.
Escrito por: Hélder Antunes
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