A equipa do geneticista Love Dalén, do Museu Sueco de História Natural, analisou o genoma de um lobo que viveu na Península de Taimir, num artigo científico publicado esta quinta-feira na revista Current Biology. Os cientistas tinham encontrado parte de uma costela no solo permanentemente congelado (permafrost) da Sibéria, durante uma expedição à Península de Taimir em 2010. No início, nem tinham percebido que o osso era de um lobo, o que só aconteceu mais tarde com o resultado de testes genéticos, refere um comunicado de imprensa do grupo editorial Cell Press, que edita a revistaCurrent Biology.
Além disso, o osso podia ser de um lobo actual, uma vez que estes animais são comuns na Península de Taimir. Por isso, os cientistas decidiram fazer-lhe uma datação por radiocarbono e foi então que se aperceberam de que tinham em mãos o osso de um lobo com 35.000 anos.
Sequenciaram também o genoma retirado do osso e, em seguida, compararam-no com o de cães e lobos actualmente existentes. Mais especificamente, fizeram comparações do ADN mitocondrial, que é transmitido apenas pela mãe aos filhos. Como o ADN mitocondrial sofre mutações ao longo das gerações, a ritmos mais ou menos conhecidos, pode ser usado como um relógio molecular que permite andar para trás no tempo. E, dessa forma, permite fazer estudos populacionais e chegar a linhagens maternas mais antigas.
Utilizando esta informação genética, os cientistas concluíram que o lobo de Taimir que viveu há 35.000 anos pertencia a uma população que deverá representar o antepassado mais recente comum aos cães e aos lobos actuais. Mas esse indivíduo em particular, embora fosse um lobo, já estaria numa fase intermédia para o cão. “Descobrimos que este indivíduo pertencia a uma população que divergiu do último antepassado comum dos lobos e cães actuais, já numa altura muito próxima do aparecimento da linhagem do cão doméstico [propriamente dito]”, especifica o artigo científico.
Os cientistas estimaram então que a domesticação do cão terá começado entre há 27.000 anos e 40.000 anos. Estudos genéticos anteriores de cães e lobos actuais tinham calculado que os cães tinham começado a ser domesticados entre há 11.000 e 16.000 anos, baseando-se em taxas de mutação genéticas que pressuponham uma determinada velocidade.
A descoberta deste osso antigo permitiu aos cientistas, mais uma vez comparando-o com o ADN de lobos e cães actuais, fazer algumas recalibrações. “Utilizámos o genoma do lobo antigo, que foi directamente datado, para recalibrar o calendário molecular dos lobos e cães e verificámos que a taxa de mutações é substancialmente mais lenta do que foi assumido pela maioria dos estudos anteriores”, refere ainda o artigo. Ora se as mutações genéticas ocorreram a um ritmo mais lento, então os antepassados dos cães separaram-se dos lobos há mais tempo e a domesticação do cão aconteceu mais cedo do que se pensava.
“Os nossos resultados fornecem provas directas de uma divergência mais antiga das linhagens do cão e do lobo do que se assumia antes, o que sugere que os cães [domésticos] podem ter surgido mais cedo do que geralmente se aceita”, diz o artigo. “Esta divergência mais antiga é consistente com diversos relatos paleontológicos [encontrados em escavações arqueológicas] de canídeos parecidos com cães com mais de 36.000 anos.”
“A diferença entre os estudos anteriores e o nosso é que nós calibrámos a taxa das mudanças evolutivas directamente no genoma do cão e do lobo, e descobrimos que a primeira separação dos antepassados do cão tem de ter sido mais antiga”, sublinha, por sua vez, o geneticista Pontus Skoglund, da Escola de Medicina de Harvard (Estados Unidos), citado pela agência Reuters.
É provável que o lobo antigo agora estudado tenha feito parte de uma população de lobos que vagueava pelas estepes e pela tundra durante a última idade do Gelo, caçando presas grandes, como bisontes, bois-almiscarados e cavalos. “Uma das explicações mais simples é que os caçadores-recolectores podem ter apanhado crias de lobos, o que é extremamente fácil, e tê-las mantido em cativeiro como sentinelas contra os grandes predadores da última Idade do Gelo, como ursos e leões das cavernas, e outros mamíferos perigosos, como mamutes, rinocerontes lanudos e outros humanos”, disse Love Dalén.
Ao ser reproduzido em cativeiro durante gerações, o lobo foi-se tornando mais dócil e desenvolveu traços morfológicos diferentes dos seus antepassados selvagens.
No caso do Husky siberiano e do cão da Gronelândia, o estudo genético concluiu ainda que partilham um grande número de genes do lobo de Taimir. “A explicação mais provável é que as populações de cães domésticos da Sibéria, que seguiam os grupos de humanos nas latitudes Norte, se tenha reproduzido com os lobos locais”, explicou Pontus Skoglund, segundo a Reuters.
Mas o osso deste lobo de Taimir pode estar a contar-nos apenas um dos vários eventos de domesticação do cão. Pensa-se, aliás, que várias populações de lobos podem ter sido domesticadas em diferentes locais ao mesmo tempo. Seja como for, o resultado final é conhecido. O cão é agora o melhor amigo do homem.
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