O papel higiénico, a motivadora do júri da TV e o meu neto
Ainda a propósito da agitação provocada por uma cidadã apresentada como docente na lista de pagamentos mensais de uma escola pública da região de Leiria. A personagem que num programa de TV se atirou como gato a bofe ao primeiro-ministro por causa da falta de papel higiénico em alguns estabelecimentos de ensino:
Sabeis senhor Costa do drama que vai pelas retretes?
Sabeis senhor Costa da motivação que os governos dos estados-nação devem providenciar aos cidadãos funcionários para estes irem trabalhar bem dispostos?
Sabeis senhor Costa da falta que nos faz a FNAT, a benemérita Federação Nacional para a Alegria no Trabalho?
E, por fim, com letra da dita peticionária , a descoberta de uns textos na Net de uma gramática com linguagem de cavalariço para explicar sujeitos e predicados!
Fui dos que, primeiro, não acreditei na descarga daquele esgoto e, depois de confirmada a abertura da fossa, me indignei. Imerecida indignação. O meu neto, de quatro anos, trouxe-me à realidade. A dita furibunda é, não uma desbocada, uma estrumeira, mas uma epopeia de talentos! E eu não a compreendi.
Que tem o meu neto a ver com o assunto? Tudo. Ensinou-me a importância da merda e do papel higiénico que a dita genialmente abordou e de que eu ainda não me apercebera.
O meu neto, mimado pelos pais, veio passar uns dias a minha casa. Casa de cultura da responsabilidade e da autonomia. Ele diz-me: — Quero fazer cócó! À espera que o auxiliasse. Respondo: — Vai e desenrasca-te. Ele foi. Passado o tempo devido, saiu da casa de banho com uma expressão entre o sorriso de quem se desenrascara e o do comprometido. (Traumatizado, diria a dita defensora dos rolos da Renova — suave e macio.) E, pior, a difundir um incomodativo cheiro a merda. Não havia papel higiénico na casa de banho!
À vista do sucedido bem me apercebi da grandeza e justeza da intervenção desta Joana d’’Arc da sanita. Em vez de ter lavado o meu neto deveria ter ido à TV perguntar ao primeiro-ministro pelo direito ao subsídio para a limpeza do traseiro. Obrigado, cara defensora do meu neto, que se esteve cagando.
Também devo agradecer à senhora da lista de pagamentos da escola de Leiria o finíssimo recorte literário e o português de conduzir muares dos seus textos difundidos pelo FB. Cito algumas finuras: ”Conheci um político filho da puta”, ou: “um filho da puta é um político”, ainda: “se um gajo aponta uma arma à testa de um político e diz: agora nega o roubo filho da puta”… Estamos, como hoje me parece óbvio, perante tesouros da cultura de uma canhoeira da educação e ensino. Uma gaja mártir filha da puta. Que nunca lhe doa a garganta funda.
Estamos sem dúvida, e eu só o entendi após o meu neto ter aparecido enrascado e borrado pela falta de papel higiénico, perante um génio literário e de intervenção cívica. Ela, a furibunda, envergonhou mestres como Fernão Lopes e Gil Vicente: De Fernão Lopes um trecho que a dita especialista nas artes da língua bem ultrapassou: “Amdaa per aqui, boa dona, e hiremos balhamdo, vos e eu, a ssoom destas trombas; vos or maa puta velha, e eu por villaão fodudo no cuu ca assi quisestes vos” .
Fodudo no cuu, isto pelo Acordo Ortográfico da época. E ainda, a propósito dos filhos da puta das suas relações, de quem a dita fala com familiaridade: No capítulo da mesma crónica intitulado «Per que modo tinham hordenado de matar ho Meestre, e descubriam seus segredos», surgem os termos fideputas e cornudos: “E mais lhe faziam saber, que omde sse posesse alguũ dos seus, e começasse de doestar os da villa, açenamdo com a mãao, que per alli hia a cava; e assi o faziam de feito que lhe chamavom fidesputas cornudos, vassallos do alfenado, fazemdolhe certas sinaaes, per que os avisavom de todo, de guisa que com esto e com o maao comsselho que ao Meestre davom, em todallas cousas que comtra elles fazia, seus trabalhos aproveitavom.”
A dita procuradora do papel higiénico é uma clássica. Por isso vale a pena citar em sua honra excertos do SONETO DA CAGADA, de Barbosa du Bocage:
“Vae cagar o mestiço e não vae só; Convida a algum, que esteja no Gará, E com as longas calças na mão já Pede ao cafre canudo e tambió: Destapa o banco, atira o seu fuscó, Depois que ao liso cu assento dá…”
Do SONETO DA DAMA CAGANDO
“Cagando estava a dama mais formosa, E nunca se viu cu de tanta alvura; Porem o ver cagar a formosura Mette nojo à vontade mais gulosa! Ella a massa expulsou fedentinosa Com algum custo, porque estava dura; Uma charta d’amor de alimpadura Serviu àquella parte malcheirosa:” (o papel higiénico, lá está)
Para terminar em beleza, também de Bocage, dedicado à nova revelação das letras na TV, o clássico SONETO DE TODAS AS PUTAS:
Não lamentes, ó Nize, o teu estado; Puta tem sido muita gente boa; Putissimas fidalgas tem Lisboa, Milhões de vezes putas teem reinado: Dido foi puta, e puta d’um soldado; Cleopatra por puta alcança a c’roa; Tu, Lucrecia, com toda a tua proa, O teu conno não passa por honrado(…) Todas no mundo dão a sua greta: Não fiques pois, ó Nize, duvidosa Que isso de virgo e honra é tudo peta.
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