Alexandre Abreu
expresso.pt
expresso.pt
Um dos mecanismos básicos da economia política do emprego e desemprego determina que quanto maior é o desemprego, menor é a força negocial dos trabalhadores, pelo que a parte dos salários no produto tende a diminuir. Quando, pelo contrário, nos aproximamos do pleno emprego, o poder negocial fica mais do lado dos trabalhadores do que dos patrões, permitindo o crescimento da parte dos rendimentos do trabalho no rendimento nacional.
Este padrão é aliás o tema central de um artigo de 1943 do economista Michal Kalecki, em que este explica porque é que os empregadores têm todos os motivos para não quererem que se alcance o pleno emprego e no limite farão o que for preciso para evitá-lo, já que a prazo não podem dispensar este mecanismo disciplinador da força de trabalho.
À luz disto mesmo, é de esperar que a evolução da parte dos salários no rendimento das economias concretas esteja relacionada inversamente com a taxa de desemprego, e efectivamente é isso que verificamos na maioria dos casos. Em Portugal, o período de máximo histórico da taxa de desemprego no contexto da crise e da política de austeridade em 2011-2013 correspondeu também a uma queda sem precedentes da parte dos salários no rendimento nacional: só entre 2010 e 2015, segundo a AMECO, a percentagem dos salários no PIB a custo de factores caiu mais de quatro pontos percentuais, de 63,9% para 59,5%.
Nesse período, a desvalorização dos salários ocorreu por esta via indirecta da pressão do desemprego mas também por múltiplas formas directas, incluindo o corte de dias de férias, a eliminação de feriados e o regime de remuneração das horas extraordinárias.
Com a fortíssima redução da taxa de desemprego de 2013 (16,2%) e especialmente de 2015 (12,4%) até à actualidade (6,7%), esta mesma lógica permitiria prever um aumento robusto da parte dos salários no rendimento nacional, que eventualmente reestabelecesse a repartição trabalho-capital nos níveis anteriores à crise.
Ora, isso está muito longe de ter acontecido: ainda segundo os dados da AMECO, a recuperação da parte dos salários de 2015 em diante foi mínima, de 59,5% para 61,1%, e está muito longe de ter correspondido a uma recuperação para os níveis pré-crise.
Esta anomalia à luz da economia política do desemprego é tanto mais estranha quanto o período de 2015 em diante incluiu o aumento do salário mínimo nacional num total acumulado próximo de 20%, após anos de congelamento pela direita. Como é então possível que num contexto de forte quebra do desemprego, em que o salário mínimo aumentou mais do que o produto, a parte dos salários no rendimento tenha permanecido praticamente estagnada?
Claramente, a resposta passa pelo facto da relação de forças entre trabalhadores e empregadores estar tão desequilibrada em favor destes últimos que os primeiros não têm capacidade de aproveitar em termos reivindicativos a conjuntura económica favorável. Sucessivas reformas laborais no sentido da flexibilização e vulnerabilização dos trabalhadores, incluindo a redução das indemnizações por despedimento, a generalização de formas contratuais precárias que vão dos contratos a prazo e falsos recibos verdes à uberização, a fortíssima redução da abrangência dos contratos colectivos (e, já nesta legislatura, a negociação de novos convenções colectivas sob o espectro da caducidade das mesma), tiveram como resultado uma evolução da repartição do rendimento fortemente penalizadora do trabalho, que depois contribui também, por exemplo, para a persistência de quase 10% de trabalhadores baixo da linha de pobreza.
Em todos estes domínios, o Governo PS ficou muito aquém daquilo que se esperaria de um governo decente, quanto mais de um governo progressista. Não só se esquivou a corrigir muitas das alterações mais gravosas introduzidas pela troika e pelo governo de direita na legislação laboral como introduziu algumas novas da sua própria lavra, como a duplicação do período experimental e a generalização sectorial dos contratos meramente verbais. Em cima disso, como demonstração de autoridade e piscadela de olho pré-eleitoral à direita, atacou por diversas vezes o direito à greve, estabelecendo serviços mínimos de forma abusiva e patrocinando o recurso ilegal à substituição de trabalhadores, por exemplo nos casos da Ryanair e dos trabalhadores portuários.
Na semana passada, António Costa almoçou no Hotel Ritz com um grupo de empresários, gestores e banqueiros e propôs uma coligação entre o Governo e os empresários para a próxima legislatura, desdobrando-se em promessas de manutenção do poder de veto patronal em matéria de legislação laboral e política salarial. Esta é, na verdade, a mesma coligação que nestas matérias vigorou já nos últimos anos, com as consequências que estão à vista em matéria de equilíbrios sociais e repartição do rendimento.
É a coligação de que a maior parte do país não precisa e um fortíssimo motivo para não votar PS.
Este padrão é aliás o tema central de um artigo de 1943 do economista Michal Kalecki, em que este explica porque é que os empregadores têm todos os motivos para não quererem que se alcance o pleno emprego e no limite farão o que for preciso para evitá-lo, já que a prazo não podem dispensar este mecanismo disciplinador da força de trabalho.
À luz disto mesmo, é de esperar que a evolução da parte dos salários no rendimento das economias concretas esteja relacionada inversamente com a taxa de desemprego, e efectivamente é isso que verificamos na maioria dos casos. Em Portugal, o período de máximo histórico da taxa de desemprego no contexto da crise e da política de austeridade em 2011-2013 correspondeu também a uma queda sem precedentes da parte dos salários no rendimento nacional: só entre 2010 e 2015, segundo a AMECO, a percentagem dos salários no PIB a custo de factores caiu mais de quatro pontos percentuais, de 63,9% para 59,5%.
Nesse período, a desvalorização dos salários ocorreu por esta via indirecta da pressão do desemprego mas também por múltiplas formas directas, incluindo o corte de dias de férias, a eliminação de feriados e o regime de remuneração das horas extraordinárias.
Com a fortíssima redução da taxa de desemprego de 2013 (16,2%) e especialmente de 2015 (12,4%) até à actualidade (6,7%), esta mesma lógica permitiria prever um aumento robusto da parte dos salários no rendimento nacional, que eventualmente reestabelecesse a repartição trabalho-capital nos níveis anteriores à crise.
Ora, isso está muito longe de ter acontecido: ainda segundo os dados da AMECO, a recuperação da parte dos salários de 2015 em diante foi mínima, de 59,5% para 61,1%, e está muito longe de ter correspondido a uma recuperação para os níveis pré-crise.
Esta anomalia à luz da economia política do desemprego é tanto mais estranha quanto o período de 2015 em diante incluiu o aumento do salário mínimo nacional num total acumulado próximo de 20%, após anos de congelamento pela direita. Como é então possível que num contexto de forte quebra do desemprego, em que o salário mínimo aumentou mais do que o produto, a parte dos salários no rendimento tenha permanecido praticamente estagnada?
Claramente, a resposta passa pelo facto da relação de forças entre trabalhadores e empregadores estar tão desequilibrada em favor destes últimos que os primeiros não têm capacidade de aproveitar em termos reivindicativos a conjuntura económica favorável. Sucessivas reformas laborais no sentido da flexibilização e vulnerabilização dos trabalhadores, incluindo a redução das indemnizações por despedimento, a generalização de formas contratuais precárias que vão dos contratos a prazo e falsos recibos verdes à uberização, a fortíssima redução da abrangência dos contratos colectivos (e, já nesta legislatura, a negociação de novos convenções colectivas sob o espectro da caducidade das mesma), tiveram como resultado uma evolução da repartição do rendimento fortemente penalizadora do trabalho, que depois contribui também, por exemplo, para a persistência de quase 10% de trabalhadores baixo da linha de pobreza.
Em todos estes domínios, o Governo PS ficou muito aquém daquilo que se esperaria de um governo decente, quanto mais de um governo progressista. Não só se esquivou a corrigir muitas das alterações mais gravosas introduzidas pela troika e pelo governo de direita na legislação laboral como introduziu algumas novas da sua própria lavra, como a duplicação do período experimental e a generalização sectorial dos contratos meramente verbais. Em cima disso, como demonstração de autoridade e piscadela de olho pré-eleitoral à direita, atacou por diversas vezes o direito à greve, estabelecendo serviços mínimos de forma abusiva e patrocinando o recurso ilegal à substituição de trabalhadores, por exemplo nos casos da Ryanair e dos trabalhadores portuários.
Na semana passada, António Costa almoçou no Hotel Ritz com um grupo de empresários, gestores e banqueiros e propôs uma coligação entre o Governo e os empresários para a próxima legislatura, desdobrando-se em promessas de manutenção do poder de veto patronal em matéria de legislação laboral e política salarial. Esta é, na verdade, a mesma coligação que nestas matérias vigorou já nos últimos anos, com as consequências que estão à vista em matéria de equilíbrios sociais e repartição do rendimento.
É a coligação de que a maior parte do país não precisa e um fortíssimo motivo para não votar PS.
Sem comentários:
Enviar um comentário