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sexta-feira, 5 de janeiro de 2018

Sobre o espírito do capitalismo. 3 – Espero poder deixar de trabalhar dentro de alguns anos: uma antevisão dos americanos sem pensões de reforma (1ª parte). Por Peter Whoriskey

imagem Deus mercado

Sobre o espírito do capitalismo


Seleção e tradução de Júlio Marques Mota

3. Espero poder deixar de trabalhar dentro de alguns anos: uma antevisão dos americanos sem pensões de reforma (1ª parte)

Por Peter Whoriskey
Publicado por Washington Post, em 23 de dezembro de 2017

Espirito capitalismo 3 Espero poder 1
Tom Coomer, 79 anos, no exterior da Walmart, onde trabalha cinco dias por semana em Wagoner, Oklahoma, em 16 de novembro. Coomer trabalhava na fábrica de McDonnell Douglas em Tulsa antes desta fechar em 1994. Ele e muitos de seus colegas de trabalho nunca puderam repor os seus benefícios de pensão perdidos e enfrentam dificuldades financeiras na sua velhice. (Nick Oxford para o Washington Post)
Tulsa — Tom Coomer reformou-se duas vezes: uma vez quando tinha 65 anos, e depois há vários anos atrás. Em cada uma das vezes ele percebeu que com apenas um cheque da segurança social, “você dificilmente consegue sobreviver hoje em dia.”
Então aqui está ele, com 79 anos, a trabalhar em regime de tempo integral na Walmart. Durante cada turno de oito horas, ele fica à entrada da loja cumprimentando os clientes, contando uma piada ou a trazer ou levar um carrinho de compras. Ou então está parado à saída, verificando os recibos e os compradores que caíram no alarme contra roubos.
“Desde que me sente por cerca de 10 minutos por cada uma ou duas horas, eu fico bem”, disse ele durante uma pausa. Diagnosticado com estenose espinhal nas costas, ele recentemente apresentou um atestado médico aos gestores da Walmart e “eles deram-me um banquinho.”
A forma como as principais empresas americanas utilizam os trabalhadores aposentados tem vindo a mudar ao longo das três últimas décadas, com as pensões tradicionais cada vez mais a cair, ano após ano. A primeira geração completa de trabalhadores a aposentar-se desde esta viragem dá uma desanimadora visão sobre uma força de trabalho cada vez mais dependente das suas próprias economias para a reforma.
Anos atrás, Coomer e os seus colegas de trabalho na fábrica de Tulsa de McDonnell Douglas, o famoso fabricante de aviões, estavam registados no sistema de pensões da empresa, mas em 1994, com um olho na direção dos cortes nos custos de reforma dos seus aposentados, a empresa fechou a fábrica. Agora, o Washington Post encontrou numa análise da situação dos 998 trabalhadores, que, mesmo que a maioria deles tenha encontrado novos empregos, eles nunca poderiam repor os seus benefícios de pensões perdidos e muitos estão a enfrentar dificuldades financeiras na sua velhice: 1 em cada 7 declarou falência nos seus anos de reforma ou enfrentaram problemas com faturas por liquidar, ou ainda ambas as coisas, de acordo com registos públicos.
Os afetados estão sobrecarregados por dívidas incorridas com cartões de crédito, carros usados, cuidados de saúde e, por vezes, com a educação universitária dos seus filhos.
Alguns perderam as suas casas.
E para muitos deles, mesmo quando alcançam mais de 70 anos, a passagem à reforma é ilusória. Embora eles tenham trabalhado durante décadas para a McDonnell Douglas, muitos dos septuagenários ainda estão a trabalhar, alguns em tempo integral.
Lavern Combs, de 73 anos, trabalha no turno da meia-noite a carregar caminhões para uma empresa que faz entregas para Amazon. Ruby Oakley, 74 anos, é um guarda de trânsito. Charles Glover, 70, é caixa na Dollar General. Willie Sells, 74, é barbeiro. Leon Ray, 76, compra e vende lixo.
“Eu planeei aposentar-me há anos atrás”, diz Sells por detrás da sua cadeira de barbeiro, onde trabalha cinco dias por semana. Teve uma vez um trabalho no controle da qualidade no fabricante de aviões e aí trabalhou durante 29 anos. “Eu julgava que McDonnell Douglas era uma empresa de primeira classe, isto é o que eu costumava dizer às pessoas. Eles são uma empresa fixe e não vão fechar. Mas depois eles deixaram a cidade – e aqui estou eu ainda a trabalhar. Graças a Deus eu ainda tinha algum material de cabeleireiro. “
Da mesma forma, Oakley, uma guarda de trânsito numa escola primária, disse ter aceite o trabalho para complementar a sua reforma da Segurança Social.
“Isto dá pouco dinheiro-$7 uma hora”, disse Oakley. Ela disse às autoridades locais que deveriam pagar melhor. “Eu aceitei trabalhar assim para ter dinheiro para pagar a gasolina. Gosto das pessoas. Mas temos que estar lá fora no trânsito, e as pessoas na cidade pensam que nos estão a fazer um favor, a nós idosos, deixando-nos trabalhar assim. “
Glover trabalha na caixa registadora e no armazém, numa loja de Dollar General Stores fora de Tulsa para fazer face às suas despesas. Depois de trabalhar 27 anos na McDonnell Douglas, Glover encontrou trabalho numa fábrica de eletrodomésticos da Whirlpool e depois num outro lugar que fabrica robôs para inspecionar a soldadura e também acabou por agarrar alguns pequenos trabalhos ao nível da informação com programas CAD.
“Espero poder deixar de trabalhar daqui a alguns anos, mas pela forma como vão as coisas agora, não vejo que o vá conseguir”, disse Glover recentemente numa conversa com clientes. “Tive de refinanciar a minha casa depois da McDonnell Douglas fechar. Eu ainda devo cerca de 12 anos de pagamentos da hipoteca. “
Para alguns, as carências financeiras aumentaram de forma aguda e de tal modo que se têm precipitado as penhoras por causa de faturas não pagas ou levado as pessoas a pedir a declaração de falência. Nenhum estava interessado em falar sobre as suas dívidas.
“É uma luta, basta dizer isso”, disse uma mulher, de 72 anos, que pediu a declaração de falência em 2013. “Apenas tem de tentar sobreviver” acrescentou.
Espirito capitalismo 3 Espero poder 2
Charles Glover, de 70 anos, no dia 16 novembro na Dollar General em Catoosa, Okla. Ele trabalha vários turnos por semana enquanto rececionista (Nick Oxford Para Washington Post)

Um privilégio que se tornou muito caro
A noção de pensões — e a ideia de que as empresas devem pôr de lado dinheiro para as reformas dos seus assalariados — não durou muito tempo. Foi uma ideia que pegou em meados do século XX, mas hoje, exceto entre os empregados da Administração Pública, a pensão tradicional parece destinada a ser um artefacto da história do trabalho dos EUA.
As primeiras pensões de reforma oferecidas por uma empresa privada foram as pensões atribuídas por American Express, quando ainda era um serviço de entrega por diligências. Isso foi em 1875. A ideia não se espalhou exatamente como um fogo, mas sob a pressão sindical em meados do século passado, muitas empresas adotaram um plano de reforma para os seus assalariados. Na década de 1980, a tendência tinha remodelado profundamente a ideia de reforma para os americanos, com uma grande maioria de trabalhadores a tempo inteiro em empresas de médio e grande porte a receberem a tradicional cobertura de pensões, de acordo com os dados do Bureau of Labor Statistics.
Depois, a América das grandes empresas mudou: a adesão sindical diminuiu. Os quadros executivos, os conselhos de administração, sob a pressão dos caçadores financeiros, focaram-se mais intensamente na maximização das cotações das ações. E os americanos viviam mais tempo [do que o esperado quando se efetuaram os cálculos dos regimes de pensões] tornando-se  muito caro para o empregador pagar as mensalidades fixadas pelo respetivo regime de pensões.
Em 1950, poder-se-ia esperar que um homem de 65 anos poderia atingir, em média, a idade de 78 anos. Hoje, estima-se que um homem de 65 anos de idade possa viver, em média, para além dos 84 anos. A expectativa de vida prolongada significa que os planos de pensão devem ser pagos substancialmente durante muito mais tempo do que antes.
Exatamente o que levou a América empresarial a distanciar-se das pensões é hoje uma questão de debate entre os estudiosos, mas há muito pouca dúvida de que estes regimes [de contribuição variável e prestação de reforma fixa] parecem destinados à extinção, pelo menos no setor privado.
Até mesmo no início dos anos 1990, cerca de 60 por cento dos trabalhadores em tempo integral em empresas de médio e grande porte tiveram a sua cobertura de pensões, de acordo com os dados do governo. Mas hoje, apenas cerca de 24 por cento dos trabalhadores em empresas de médio e grande porte têm cobertura de pensão de reforma, de acordo com os dados oficiais, e espera-se que esse número continuará a cair à medida que os trabalhadores mais velhos saiam do mercado de trabalho
No lugar das pensões, as companhias e os conselheiros de investimento incitam os empregados a abrirem contas individuais de pensões de reforma. A ideia básica é que os trabalhadores irão gerir os seus próprios fundos de reforma, às vezes com uma pequena ajuda dos seus empregadores, às vezes não. Quando atinjam a idade da reforma, essas contas são supostamente para complementar o que quer que a Segurança Social venha a pagar. (Hoje, a Segurança Social fornece apenas o suficiente para um orçamento de miséria, cerca de $14000 por ano em média.)
O problema com a espectativa de que os trabalhadores irão poupar por conta própria é que quase metade das famílias americanas não têm tal conta individual de reforma, de acordo com o inquérito sobre as finanças dos consumidores, feito pelo Federal Reserve em 2016.
Além disso, daqueles que têm contas individuais de reforma, as suas poupanças são demasiado escassas para suportar uma reforma clássica. A conta mediana, entre os trabalhadores no nível de rendimento mediano, é de cerca de $25000.
“O sistema de pensões de reforma dos EUA, e os trabalhadores e os reformados foi concebido para ajudar a enfrentar grandes desafios”, de acordo com um relatório de Outubro feito pelo Government Accountability Office. “As pensões tradicionais tornaram-se muito menos comuns, e os indivíduos são cada vez mais responsáveis pelo planeamento e gestão das suas contas de poupança de reforma.”
O GAO advertiu ainda que “muitas famílias estão mal preparadas para esta tarefa e têm pouca ou nenhuma poupança própria para a reforma.”
O GAO recomendou que o Congresso considerasse criar uma Comissão independente para estudar o sistema de pensões de reforma dos EUA.
“Se não forem tomadas medidas, uma crise de pensões de reforma poderá ser iminente”, afirma o GAO.
(continua)


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