Andei na escola paga da professora Delmira (passinha) situada no Calvário, nas instalações antigas de um lagar de azeite. A cadeira de atabua, o caderno de linhas, a pedra e o giz, deram depois lugar à caneta de aparo, às sebentas, a tinta de frasco.
Só depois chegado à escola primária, na quarta classe, os meus pais me ofereceram uma caneta de tinta permanente. Uma caixinha de madeira polida com os acessórios para a escrita e o desenho.
Aprendi na cartilha de João de Deus, no Pires de Lima, na história, na geografia, feita à medida do Salazar e de todos os filhos da puta que mantiveram até aos dias de hoje, a escuridão, a ignorância, a ausência de vontade de abrir a janela da cultura a este povo bom a que pertenço.
Lia os jornais, o Século, o Diário de Notícias etc na taverna/mercearia do Amadeu Guerreiro, coleccionava cromos de história, de futebol, e depois de ir para Faro trabalhar comecei a comprar os livros de cowboys, os cinco balas, as aventuras do fantasma, o kansas kid etc.
O meu pai que era barbeiro e tinha sempre o jornal na oficina incentivava-me a ler, e ele próprio era um homem atento ao que o rodeava e proporcionou-me um exemplar clandestino do António Aleixo que ainda conservo.
Depois vieram os livros da Europa América, também os da RTP (um lixo) os discos vinil, os companheiros, e as inevitáveis cassetes com a música ainda proibida do Zeca Afonso que com a malta ouvia-mos às escondidas.
Ainda me recordo da difícil audição do Rádio Moscovo não fala verdade na "galena com auscultadores de báquelite" que como qualquer jovem adolescente me despertava curiosidade
Ainda me recordo da difícil audição do Rádio Moscovo não fala verdade na "galena com auscultadores de báquelite" que como qualquer jovem adolescente me despertava curiosidade
Esperava ansioso no comboio rápido pelo Diário de Lisboa e o Diário popular, jornais mais "progressistas" e comecei a arranjar os amigos subversivos que me encantavam e despertavam para a realidade da vida.
Comecei a comprar muitos livros, muitos mesmo, os clássicos russos e franceses do Círculo de Leitores e outras editoras mais ousadas. Não ligava à televisão, os livros eram a minha paixão e também o cinema no Santo António, o Cine Teatro Louletano.
Visitei livrarias clandestinas num alçapão dissimulado.
Veio a tropa, o Ultramar, o 25 de Abril , a militância comunista e aqui continuo sem qualquer operação de cosmética nos valores que absorvi e aos quais me mantenho e manterei fiel.
Sinto hoje que os livros, os meus amigos companheiros, camaradas, a minha família, me deram tudo o que puderam.
Estou sempre a aprender.
Tenho qualidades e defeitos como qualquer humano e se fosse possível voltar atrás não jogava fora nada de tudo o que vivi.
Tenho qualidades e defeitos como qualquer humano e se fosse possível voltar atrás não jogava fora nada de tudo o que vivi.
Sou eu.
António Garrochinho
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