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sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

MARLENE DIETRICH – A DIVA INSPIRAÇÃO



“Na vida real, a maioria dos atores de cinema é uma decepção. Eu, por outro lado, sou melhor na vida real do que no cinema.”
MARLENE DIETRICH


Ela é um ícone do século 20, uma das mais famosas representantes da Era de Ouro de Hollywood. Dona de uma voz singular e de um corpo escultural, ela lançava moda, era corajosa e ousada, sensual e misteriosa. Deixou meio mundo apaixonado ao interpretar a cantora de cabaré Lola-Lola no clássico “O Anjo Azul”, em 1930, lançando-se numa celebrada carreira internacional. Oitenta e seis anos passados, ainda existe um grande fascínio por MARLENE DIETRICH (1901 - 1992). O legado da sereia alemã permanece: é usada como referência nos dias de hoje por cantoras e atrizes. Não sei que idade eu tinha ao vê-la pela primeira vez. Atravessava a fase da inocência, viciado em longas dublados na tevê, após a meia-noite, horário dos clássicos naquele tempo. Tive a sorte de conhecê-la no thriller “Testemunha de Acusação”, de Billy Wilder. A Christine criada por Agatha Christie é a sua melhor atuação, embora a beleza indomável sem frescor denuncie a meia-idade. 

Hipnotizado pelo magnetismo do espetacular animal cujas escamas brilham dia e noite, fixei-me nos grandes olhos gélidos, no sorriso astuto e sobrancelhas desenhadas. Passei a garimpar seus filmes, entre eles, os sete rodados pelo seu mentor e amante Josef von Sternberg. Em “O Anjo Azul”, de meias provocantes e liga, na famosa cena na qual canta “Estou Pronta para o Amor da Cabeça aos Pés”, exibindo suas longas pernas, é lembrada como uma das mais antológicas do cinema. Trabalhou em dezenas de filmes durante seis décadas, muitos deles dirigidos por reconhecidos mestres como Ernst Lubitsch, Rouben Mamoulian, Jacques Feyder, Raoul Walsh, Billy Wilder, René Clair, Alfred Hitchcock, Fritz Lang e Orson Welles.

Li autobiografias que pouco revelam, mentiras escritas como se fossem verdade; e biografias que tentam, honestamente, narrar sua trajetória espetacular. Mas o enigma da diva permanece intacto. De férias em Paris, visitei o majestoso prédio onde morava, na Avenida Montaigne. Tempos depois, caiu em minhas mãos o documentário Marlene (1984) dirigido pelo ator alemão Maximilian Schell, parceiro de elenco em “Julgamento em Nuremberg”. Na época, não engoli as declarações amargas de sua filha Maria, na BBC, denunciado amargamente uma MARLENE DIETRICH fria, calculista, temperamental e violenta. Mergulhando na experiência da beleza dilacerante, terminei por idealizá-la a tudo o que convém à promoção do encantamento. Armadilhas amorosas, perfídias, sensualidade, neurônios acesos, jogos sexuais, álcool e cigarro. A estrela símbolo da emancipação da mulher moderna. A vênus loira que fazia homens e mulheres de gato e sapato.

marlene, a filha maria e o marido rudolf
O começo da carreira foi duro. Inicialmente, dançando em cabarés e teatros baratos, exibia as suas belas pernas. Ela não escondia a bissexualidade, tornando-se uma “mulher falada”, além dos padrões morais daqueles tempos pudicos, embora os espaços noturnos gays existissem em abundância na capital da Alemanha. MARLENE atraia a atenção de mulheres e homens. Casou-se uma única vez, com o assistente de direção Rudolf Simmer, em 1923. 

Nascida em Berlim, criada numa rígida educação prussiana, estudou música e fez teatro com o celebrado Max Reinhardt. Participou de produções de pouca visibilidade e trabalhou como cantora, mas o sucesso só aconteceu com a direção de Josef von Sternberg, que a levou a Hollywood. A Paramount Pictures imediatamente resolveu transformá-la na mulher mais bela do mundo, disputando com a Metro-Goldwyn-Mayer e sua estrela maior, Greta Garbo, também importada da Europa. A atriz arrepiou plateias com frases dúbias tipo “Foi preciso mais de um homem para trocar o meu nome por Lily Shangai” (de “O Expresso de Shangai”), tornando-se uma estrela admirada em todo o mundo. Felina, a mais bela do cinema do seu tempo, exibia naturalmente um show misterioso de luz e sombra, androgenia e plenitude intelectual. 

Fumava com extraordinária sagacidade. Nem Bette Davis ganhava dela na pegada do cigarro entre nuvens de fumaça. Ela pode facilmente ser confundida como produto deslumbrante da imaginação coletiva ou vislumbre paranormal. Ao longo da carreira, moldou a imagem da deusa sedutora e andrógina, valendo-se de uma sexualidade agressiva e atitude dominante: suas personagens não conhecem limites quando se apaixonam. Pegando emprestado peças do guarda-roupa masculino, em diversas ocasiões vestiu terno e cartola. Também se sentia à vontade trajando maravilhosos vestidos. Sempre exigente com sua aparência, utilizava o figurino como uma arma para conquistar tanto o parceiro do filme como o espectador.

josef von sternberg e marlene
No período pós-guerra, insatisfeita com os papeis que recebia em Hollywood - salvo algumas exceções, como “A Mundana / Foreign Affair” (1948), de Billy Wilder, que se passa em uma Alemanha devastada pela Segunda Guerra -, decidiu se dedicar à carreira de cantora. 

Com sua voz rouca e sexy, trajando smokings e vestidos transparentes, etérea e radiante, cantou em palcos sofisticados de meio mundo, sempre com casa lotada, iniciando a série de espetáculos em Las Vegas, no Sahara Hotel. No Rio de Janeiro, em 1959, no Copacabana Palace, fez um grande sucesso e teve sensacional cobertura da mídia. Vestido colante, casaco de plumas de cisne e joias, conquistou o público com charme e senso de humor. Cantou em inglês, francês e alemão. Na segunda parte, apareceu com um traje masculino e bengala. Ainda no Brasil, gravou uma versão de “Luar do Sertão”, clássico de Luiz Gonzaga.

A figura erótica, porte aristocrático e magníficas pernas colocadas no seguro por um milhão de dólares, fizeram dela o protótipo da sedutora, aquela que tudo pode. Indicada ao Oscar por “Marrocos”MARLENE DIETRICH era mais que uma atriz. Difícil não se encantar com seu rosto iluminado por pontos de luz, olhar duro repleto de promessas, impassível sarcasmo. Inventou-se como réptil único, de reações magnéticas e sensibilidade cintilante. Após “Marrocos”, seguiram-se outros sucessos como “O Expresso de Xangai” e “A Vênus Loura / Blonde Venus” (1932). Neste último, ela tem de trabalhar em um cabaré para pagar o tratamento médico do marido. Lá conhece um milionário (Cary Grant) e se apaixona por ele. Em muitos de seus filmes, utiliza sua bela voz em números musicais que transbordam volúpia, e nesse filme cantou “Hot Vodoo”, evocando o caráter místico de seus encantos.


Ao chegar a Hollywood em 1930, morena e um pouco gorda, o pigmalião Sternberg pintou os seus cabelos de um quase dourado, afinou o rosto arrancando os dentes traseiros, esculpiu o corpo através de dieta e massagista, arqueou as sobrancelhas além do normal, alongou e escureceu as pestanas superiores, deu aos olhos a ilusão de serem enormes pelo artifício da maquilagem - uma linha branca desenhada no interior das pálpebras e que ela estoicamente suportava sem lacrimejar. Nascia assim a estrela andrógina, a vamp que escandalizaria a opinião pública ao aparecer de smoking na estreia do épico “O Sinal da Cruz / The Sign of the Cross”, em 1932, protagonizado por sua amante Claudette Colbert. 

Bissexual, ela teria romances também com Greta Garbo, Edith Piaff e a roteirista Mercedes de Acosta. Namorou o ator francês Jean Gabin e os escritores Ernest Hemingway e Erich Maria Remarque. Ganhou notoriedade por manter inúmeras relações amorosas, tanto com homens como com mulheres. Deslumbrantemente feminina, tinha fama de devastar corações. Nas rodas dos poderosos de Hollywood era conhecida como “amante voraz”.

douglas fairbanks jr., marlene e fritz lang
Dizem que a diva podia derreter um homem com um levantar de sobrancelhas e destruir uma rival com o olhar. Enigmática, ela zelava por sua privacidade, contando mentiras e inventando histórias sobre si mesma. Josef von Sternberg e ela se uniram como um visionário e sua invenção bendita, o criador e a criatura.“Marlene sou eu”, disse o cineasta numa entrevista. MARLENE DIETRICH devorou o mentor, que nunca mais foi o mesmo depois dela. Ela se destacou desde o primeiro filme norte-americano, provocando reações confusas no público ao beijar a boca de uma mulher numa cena de “Marrocos”.

Em 1933, Hitler a convidou para estrelar filmes nazistas, oferecendo uma fortura. Ela recusou e, em 1937, tornou-se cidadã norte-americana. Descontente com o nazismo, durante a Segunda Guerra se dedicou a ajudar as tropas aliadas, visitando hospitais do front e entretendo soldados com shows especiais, onde cantava “Lili Marlene”. Condecorada com medalhas nos EUA e considerada uma traidora em seu país de origem. Ao retornar a Berlim, em 1960, foi vaiada, recebida com faixas tipo“Marlene, go home”. Só retornaria ao seu país natal depois de morta. Apesar do ressentimento, foi enterrada em Berlim.

marlene e jean gabin
Femme fatalle por definição, destas que dão um sentido à vida mesmo nos convertendo em objetos usados e jogados fora, não é à toa que seu verdadeiro nome é Maria Madalena. Ao vê-la como Concha Perez em“Mulher Satânica / The Devil Is a Woman, passei a acreditar que amava a si mesmo e não podia permitir rival neste amor intenso.MARLENE DIETRICH não levava o casamento a sério. Idosa, deixou-se esculpir por cirurgiões plásticos, silhueta mantida por apertados corpetes, bicos dos seios eroticamente recriados por pérolas colocadas no soutien. No ano de 1975, deixa os palcos. Seu último trabalho no cinema foi em “Apenas um Gigolô / Schoner Gigolo, Armer Gigolo”, de 1978, estrelado por David Bowie, onde fez a Baronesa von Semering.

Vaidosa, não se deixou ser filmada ou fotografada em idade avançada. Com o corpo em ruínas, em cadeira de rodas, refugiou-se até a morte no apartamento parisiense, evitando entrevistas e não permitindo que a vissem em decadência física. A imagem reclusa, daquela que foi uma das mulheres mais belas de sempre, era algo que a revoltava. Apenas a filha, netos e o médico tinham permissão de visitá-la. Tornou-se, nos anos finais de vida, alcoólatra e dependente de calmantes. Sua morte foi tardia, somente aos 90 anos, de falência renal. Alguns acreditam que ela sofria de Alzheimer. Dizem também que teria se suicidado, através de ingestão proposital e excessiva de tranquilizantes. Mas estes buxixos nunca foram confirmados.


O canto de MARLENE DIETRICH, numa vocalização quase falada, provoca estremecimento, mas ela não era cantora, talvez nem mesmo atriz, estava além de rótulos. Em Londres, numa exposição do figurino do filme “Kismet / Idem” (1944), da russa Barbara Karinska, compreendi que os belos vestidos e adereços expostos não tinham viço pela falta do recheio da atriz. A diaba dissimulada, ar afetado, olhar lascivo, sugestivo sorriso. Convite aos sonhos mais lúbricos. A diaba idolatrada por milhões morreu solitária, nos braços da empregada doméstica. Em 1999, o American Film Institute (AFI) a nomeou entre as dez maiores estrelas de todos os tempos.

Por que não mais existem belezas como ela? Belezas que nos iludia e nos faça sonhar. Talvez responda a Norma Desmond (Gloria Swanson) de “O Crepúsculo dos Deuses / Sunset Boulevard” (1950), sob a luz do projetor, revendo-se numa película muda do seu apogeu de estrela: “Continua a ser maravilhoso, não continua? E sem diálogos. Não precisávamos de diálogos. Tínhamos rostos. Já não há rostos como aquele”.

Fontes
“A Beleza – Der Blaue Engel”, de Manuel Dias Coelho; “A Bela e a Fera”, de Fabio Cypriano; “Desejo-lhe Amor – Conversas com Marlene Dietrich”, de Erik Hanut, e“Marlene de A a Z”.


10 VEZES MARLENE
(filmes por ordem de preferência)

01
Tana em
A MARCA DA MALDADE
(Touch of Evil, 1958)
de Orson Welles

02
Christine em
TESTEMUNHA DE ACUSAÇÃO
(Witness for the Prosecution, 1957)
de Billy Wilder

03
Sra. Bertholt em
JULGAMENTO EM NUREMBERG
(Judgment at Nuremberg, 1961)
de Stanley Kramer

04
Lola Lola em
O ANJO AZUL
(Der Blaue Engel, 1930)
de Josef von Sternberg

05
Shanghai Lily em
O EXPRESSO DE SHANGHAI
(Shanghai Express, 1932)
de Josef von Sternberg

06
Princesa Sophia Frederica / Catherine II em
A IMPERATRIZ GALANTE
(The Scarlet Empress, 1934)
de Josef von Sternberg

07
Maria 'Angel' Barker / Sra. Brown em
ANJO
(Angel, 1937)
de Ernst Lubitsch

08
Madeleine de Beaupre em
DESEJO
(Desire, 1936)
de Frank Borzage

09
Domini Enfilden em
O JARDIM DE ALAH
(The Garden of Allah, 1936)
de Richard Boleslawski

10
Mademoiselle Amy Jolly em
MARROCOS
(Morocco, 1930)
de Josef von Sternberg

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