Considerado por muitos apreciadores como o rei do marisco, o Percebe é um crustáceo cuja apanha necessita urgentemente de legislação adicional para proteger a espécie. Dura e arriscada é a vida dos Percebeiros, que alguém chamou os Guerreiros do Mar.
Percebe ou perceve? independentemente do nome comum que lhe atribuam, quem nunca experimentou este crustáceo, que em algumas regiões do nosso País é aclamado como o rei do marisco? Um petisco com um forte sabor a mar!
Entre as rochas e o mar assim cresce e vive este crustáceo, de nome científico Pollicipes pollicipes (Gmelin, 1790), e que de ano para ano, vê a sua procura e o rol de apreciadores aumentar exponencialmente bem como o seu valor comercial, na razão inversa em que a sua abundância diminui.
A apanha deste crustáceo ao longo da nossa costa faz-se com maior ou menor intensidade, consoante a tradição existente nas regiões onde ocorre.
É uma actividade que tecnicamente conta com as mesmas ferramentas que, desde tempos antigos e com as mesmas manhas de então, eram utilizadas na busca do local ideal e do melhor percebe, mas longe vão os tempos em que o percebe era apanhado com o auxílio de uma enxada, tal era a sua abundância.
Hoje em dia, fruto desta procura desenfreada, existem zonas em que quase desapareceu, e o pouco que ainda lá cresce é rapidamente apanhado para evitar que outros o façam.
Sem legislação nacional que o proteja eficazmente (com excepção para a Reserva Natural das Berlengas), nomeadamente em termos de tamanho mínimo de apanha e de quantidades máximas diárias por apanhador (seja lúdico ou profissional), o percebe conta apenas com o mar e com os apanhadores mais experientes que conhecedores como ninguém deste recurso marinho, teimam em tentar ensinar a quem nada percebe desta arte quando se deve parar para preservar o futuro.
Estes homens, os verdadeiros percebeiros ou marisqueiros, que fazem vida desta apanha, são possuidores de uma licença profissional e de um cartão de apanhador emitidos pela Direcção Geral das Pescas e Aquicultura e estão colectados, sendo obrigados a passar facturas, o que apesar do que se possa pensar, de nada serve, nem para eles nem para o percebe.
As lacunas existentes na legislação aliadas à falta de fiscalização, faz crescer o número de indivíduos que, sem grande consciência, apanham todo o percebe que conseguem, independentemente do tamanho e da qualidade, fazendo florescer um mercado paralelo, em que o que interessa unicamente é vender.
O dia a dia (quando o é) dos marisqueiros que enfrentam o mar por um “punhado” de percebes, é difícil e cheio de incertezas.
A apanha de percebe não tem época definida, é quando o patrão deixa, e o patrão ... é o mar! No Inverno é raro o dia em que os deixa trabalhar, mas no Verão quase sempre lhes dá mais hipóteses, mas onde o percebe cresce, a vida nunca é fácil.
Cedo na manhã, quase sempre antes do sol nascer, muitas vezes debaixo de nevoeiro, estes homens vão ver o mar. Àquela hora da manhã, o ar ainda gela e o rebentar das ondas contra as rochas marca os minutos do fim da madrugada, os rostos destes homens confundem-se no nevoeiro e na condensação da sua própria respiração, não falam... ouvem e sentem o mar que no fundo da falésia os espera. Sem vertigens, eles esperam pelo momento da descida.
De véspera têm uma ideia de como o mar poderá estar na manhã seguinte, mas nem sempre a previsão se revela acertada, o mar é temperamental, ele é quem sabe da sua disposição, e pode levar à alteração do local decidido no dia anterior.
A decisão de trabalharem naquele local é tomada quase sem palavras, rapidamente voltam ao carro para trocar a sua roupa pelos fatos de mergulho, talvez ainda húmidos do dia anterior. Calçam botas de cabedal ou ténis, colocam à cintura um saco de rede que dentro leva mais um saco de rede e uma saca de serapilheira, penduram também umas barbatanas, colocam uma corda a tiracolo e na mão levam a arrilhada, instrumento de trabalho e de amparo nos caminhos mais difíceis.
Fazem-se ao carreiro que os leva para a falésia escarpada, uma parte do carreiro faz-se a caminhar num equilíbrio precário sobre uma rocha íngreme e escorregadia. O carreiro acaba, a partir deste ponto o “equilíbrio” desaparece, o carreiro é agora uma corda presa numa anilha cravada na rocha, os pés apoiam na rocha à medida que se desce (quais escaladores profissionais), e nas mãos sente-se o suor misturado com a salsugem do mar.
Lá em baixo, caminham com rapidez e desembaraço, de cabeça baixa espreitando o mar, procuram um sítio onde colocar o que para já não faz falta.
Olha-se outra vez o mar, há que espiá-lo, ler o retortelo das ondas e a escrita da espuma nas rochas, medir mentalmente a cadência das ondas.
Depois inicia-se o trabalho, nadam, saltam de uma pedra para a outra atrás do percebe, ao capricho das ondas e rodeados de mexilhões e rochas cortantes, parecem brincar como pardelas em rochas de espuma, com o mar sempre de olho neles e eles sempre de olho no mar, contando os segundos do ritmo das ondas. E quando traiçoeiro o mar rebenta, que não os apanhe nem de flanco e nunca de costas.
Moldam tanto quanto possível o seu corpo às rochas, e suportando a ondulação, apoiam cotovelos e joelhos nos sítios mais adequados para poderem trabalhar, olham e entre uma onda e outra fixam o que querem. Com a arrilhada ferem a rocha, e desta soltam-se pequenas pinhas de percebe. A escolha não é aleatória, os seus olhos estão ensinados, só lhes serve o de melhor qualidade e que seja tão grosso como um polegar, esse é então colocado no saco que transportam à cintura.
O percebe, ainda dentro dos sacos, é lavado numa poça e liberto de um outro habitante desta zona, o seu vizinho inseparável – o mexilhão, que em menos de nada se torna a agarrar às rochas com os seus filamentos.
Transferido para dentro da saca de serapilheira, para evitar a perda de humidade, o percebe é colocado às costas e inicia-se então a etapa mais difícil que remata a jornada: escalar o caminho de volta com um peso extra.
De volta ao carro, a saca é colocada dentro de um alguidar, e troca-se de roupa novamente. O resto do trabalho é feito em casa ou armazém ou numa garagem.
O dia ainda vai a meio, o percebe tem de ser “limpo” do pouco mexilhão que teimou em continuar agarrado e das algas que surgem muitas vezes pelo meio das pinhas, e separado do pouco percebe que pelo seu tamanho poderá desvalorizar o restante, “fica para comer em casa”, dizem (mas acreditem, é tão pouco que nem para um dá).
Para acabar o dia, falta a venda, mas mercê da sua experiência, da qualidade do seu trabalho e da qualidade do produto que apanham, desenvolveram com os clientes, essencialmente restaurantes, uma relação de confiança que lhes permite não andarem a correr para passar à frente de outros, têm a venda garantida e nós, consumidores finais, a qualidade do rei do marisco.
O dia de amanhã destes homens será o que o “patrão” deixar...
Percebe ou perceve? independentemente do nome comum que lhe atribuam, quem nunca experimentou este crustáceo, que em algumas regiões do nosso País é aclamado como o rei do marisco? Um petisco com um forte sabor a mar!
Entre as rochas e o mar assim cresce e vive este crustáceo, de nome científico Pollicipes pollicipes (Gmelin, 1790), e que de ano para ano, vê a sua procura e o rol de apreciadores aumentar exponencialmente bem como o seu valor comercial, na razão inversa em que a sua abundância diminui.
A apanha deste crustáceo ao longo da nossa costa faz-se com maior ou menor intensidade, consoante a tradição existente nas regiões onde ocorre.
É uma actividade que tecnicamente conta com as mesmas ferramentas que, desde tempos antigos e com as mesmas manhas de então, eram utilizadas na busca do local ideal e do melhor percebe, mas longe vão os tempos em que o percebe era apanhado com o auxílio de uma enxada, tal era a sua abundância.
Hoje em dia, fruto desta procura desenfreada, existem zonas em que quase desapareceu, e o pouco que ainda lá cresce é rapidamente apanhado para evitar que outros o façam.
Sem legislação nacional que o proteja eficazmente (com excepção para a Reserva Natural das Berlengas), nomeadamente em termos de tamanho mínimo de apanha e de quantidades máximas diárias por apanhador (seja lúdico ou profissional), o percebe conta apenas com o mar e com os apanhadores mais experientes que conhecedores como ninguém deste recurso marinho, teimam em tentar ensinar a quem nada percebe desta arte quando se deve parar para preservar o futuro.
Estes homens, os verdadeiros percebeiros ou marisqueiros, que fazem vida desta apanha, são possuidores de uma licença profissional e de um cartão de apanhador emitidos pela Direcção Geral das Pescas e Aquicultura e estão colectados, sendo obrigados a passar facturas, o que apesar do que se possa pensar, de nada serve, nem para eles nem para o percebe.
As lacunas existentes na legislação aliadas à falta de fiscalização, faz crescer o número de indivíduos que, sem grande consciência, apanham todo o percebe que conseguem, independentemente do tamanho e da qualidade, fazendo florescer um mercado paralelo, em que o que interessa unicamente é vender.
O dia a dia (quando o é) dos marisqueiros que enfrentam o mar por um “punhado” de percebes, é difícil e cheio de incertezas.
A apanha de percebe não tem época definida, é quando o patrão deixa, e o patrão ... é o mar! No Inverno é raro o dia em que os deixa trabalhar, mas no Verão quase sempre lhes dá mais hipóteses, mas onde o percebe cresce, a vida nunca é fácil.
Cedo na manhã, quase sempre antes do sol nascer, muitas vezes debaixo de nevoeiro, estes homens vão ver o mar. Àquela hora da manhã, o ar ainda gela e o rebentar das ondas contra as rochas marca os minutos do fim da madrugada, os rostos destes homens confundem-se no nevoeiro e na condensação da sua própria respiração, não falam... ouvem e sentem o mar que no fundo da falésia os espera. Sem vertigens, eles esperam pelo momento da descida.
De véspera têm uma ideia de como o mar poderá estar na manhã seguinte, mas nem sempre a previsão se revela acertada, o mar é temperamental, ele é quem sabe da sua disposição, e pode levar à alteração do local decidido no dia anterior.
A decisão de trabalharem naquele local é tomada quase sem palavras, rapidamente voltam ao carro para trocar a sua roupa pelos fatos de mergulho, talvez ainda húmidos do dia anterior. Calçam botas de cabedal ou ténis, colocam à cintura um saco de rede que dentro leva mais um saco de rede e uma saca de serapilheira, penduram também umas barbatanas, colocam uma corda a tiracolo e na mão levam a arrilhada, instrumento de trabalho e de amparo nos caminhos mais difíceis.
Fazem-se ao carreiro que os leva para a falésia escarpada, uma parte do carreiro faz-se a caminhar num equilíbrio precário sobre uma rocha íngreme e escorregadia. O carreiro acaba, a partir deste ponto o “equilíbrio” desaparece, o carreiro é agora uma corda presa numa anilha cravada na rocha, os pés apoiam na rocha à medida que se desce (quais escaladores profissionais), e nas mãos sente-se o suor misturado com a salsugem do mar.
Lá em baixo, caminham com rapidez e desembaraço, de cabeça baixa espreitando o mar, procuram um sítio onde colocar o que para já não faz falta.
Olha-se outra vez o mar, há que espiá-lo, ler o retortelo das ondas e a escrita da espuma nas rochas, medir mentalmente a cadência das ondas.
Depois inicia-se o trabalho, nadam, saltam de uma pedra para a outra atrás do percebe, ao capricho das ondas e rodeados de mexilhões e rochas cortantes, parecem brincar como pardelas em rochas de espuma, com o mar sempre de olho neles e eles sempre de olho no mar, contando os segundos do ritmo das ondas. E quando traiçoeiro o mar rebenta, que não os apanhe nem de flanco e nunca de costas.
Moldam tanto quanto possível o seu corpo às rochas, e suportando a ondulação, apoiam cotovelos e joelhos nos sítios mais adequados para poderem trabalhar, olham e entre uma onda e outra fixam o que querem. Com a arrilhada ferem a rocha, e desta soltam-se pequenas pinhas de percebe. A escolha não é aleatória, os seus olhos estão ensinados, só lhes serve o de melhor qualidade e que seja tão grosso como um polegar, esse é então colocado no saco que transportam à cintura.
Saco de rede cheio, voltam ao local onde deixaram o resto do equipamento para trocar de saco, e regressam ao duelo com o mar.
Em 2-3 horas dão por finalizado o seu trabalho, olha-se para as pedras e quase nem se dá pela falta das pinhas que colocaram dentro dos sacos de rede, “o que lá fica”, dizem, “é para daqui a um mês, há que dar tempo a que cresçam e engordem”.
Em 2-3 horas dão por finalizado o seu trabalho, olha-se para as pedras e quase nem se dá pela falta das pinhas que colocaram dentro dos sacos de rede, “o que lá fica”, dizem, “é para daqui a um mês, há que dar tempo a que cresçam e engordem”.
O percebe, ainda dentro dos sacos, é lavado numa poça e liberto de um outro habitante desta zona, o seu vizinho inseparável – o mexilhão, que em menos de nada se torna a agarrar às rochas com os seus filamentos.
Transferido para dentro da saca de serapilheira, para evitar a perda de humidade, o percebe é colocado às costas e inicia-se então a etapa mais difícil que remata a jornada: escalar o caminho de volta com um peso extra.
De volta ao carro, a saca é colocada dentro de um alguidar, e troca-se de roupa novamente. O resto do trabalho é feito em casa ou armazém ou numa garagem.
O dia ainda vai a meio, o percebe tem de ser “limpo” do pouco mexilhão que teimou em continuar agarrado e das algas que surgem muitas vezes pelo meio das pinhas, e separado do pouco percebe que pelo seu tamanho poderá desvalorizar o restante, “fica para comer em casa”, dizem (mas acreditem, é tão pouco que nem para um dá).
Para acabar o dia, falta a venda, mas mercê da sua experiência, da qualidade do seu trabalho e da qualidade do produto que apanham, desenvolveram com os clientes, essencialmente restaurantes, uma relação de confiança que lhes permite não andarem a correr para passar à frente de outros, têm a venda garantida e nós, consumidores finais, a qualidade do rei do marisco.
O dia de amanhã destes homens será o que o “patrão” deixar...
Por:Dora Jesus _ Naturlink
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