Leio o apelo, certamente sentido, do poeta ““Não se pode mutilar a biografia de Mário Soares nem adaptá-la às conveniências”. Neste momento nem entendo o que que seriam as (minhas) conveniências em distorcer, enviesar ou omitir passagens de uma biografia daquele a que podemos considerar o pai (desta) democracia. Aqui ficam os meus contributos ao longo dos tempos, para que nada falte ao biógrafo:
«Mário Soares (…) foi generoso (com Passos Coelho). Terá sido o seu elogio que desanimou as hostes (e a própria UGT) a hostilizar as politicas do Governo mais à direita dos últimos 40 anos? Não sabemos.
O que sabemos é que é que o PS está (julgo estar) à rasquinha e a culpa não é minha.»
«A nossa entrada (na CEE) vai provocar gravíssimos retrocessos no país, a Europa não é solidária com ninguém, explorar-nos-á miseravelmente como grande agiota que nunca deixou de ser. A sua vocação é ser colonialista.»
«As palavras muitas vezes repetidas não se gastam. Não tenho a certeza se Mário Soares terá sido o primeiro a fazer escrever, em 1983, no texto do programa do IX Governo, a frase lapidar de o povo viver acima das suas possibilidades (página 4). A certeza é que ela possuí uma longevidade transversal a todos os governos e presidentes da República. Cavaco Silva repetiu-a tal e qual quando, quase trinta anos depois, em Maio de 2011, discursava justificando a crise e a necessidade do tratado assinado com a troika.»
«O “cenador” Mário Soares – Mário Soares é um senador e homem de valores. Valores que marcam uma época. Não alinhando pela teoria de que são os heróis que são o motor da história, falo do seu nome como um paradigma das lideranças e das ideias, que durante a vida dos da minha geração, sobreviveram e continuam a influenciar a maneira de pensar, mesmo quando se pensa em contra-ciclo do poder, que circunstancialmente é detido por quem parece defender outras. Mário Soares meteu o socialismo na gaveta sem que se saiba exactamente o que lá meteu e defende-se o socialismo democrático sem que se saiba exactamente o que isso é. Na difusa afirmação do que isso possa ser, regressa, em força, o neo-liberalismo. E isso sente-se o que seja. Mário Soares, defende hoje no Diário de Notícias “o passado pertence aos historiadores e o que conta, na atual emergência, é o presente e o futuro para onde caminhamos. É o que interessa aos portugueses.” Este apelo para que se enterre a memória é, nesse mesmo artigo, continuado pela afirmação, válida para quem aceita perder a memória: “talvez seja o momento de o Governo português renegociar com a troika e deixar-se de complexos. Não devemos deixar degradar mais a situação!” O senador passa a cenador (acho que acabei de inventar a palavra) e encena mais uma vez a cena do olhar tutelar da sociedade portuguesa. Outros cenadores lhe continuarão a comédia… Não admira a desorientação dos jovens que, sem os contrariar, deixaram de saber em que situações “Soares é fixe” e poder avaliar o “porreiro, pá”.»
Em junho de 2011, questionado sobre os seus encontros semanais com Carlucci durante o “verão quente”, na Embaixada dos EUA, Mário Soares carregou mesmo nas tintas, dizendo que a coisa chegou a ser «várias vezes por semana», acrescentando o carácter muito “dado”, aberto e popular do agente da CIA…
«52 – A cisão da oposição ao regime. – A «primavera marcelista» dava os frutos que o salazarismo nunca tinha conseguido de maneira tão clara: a cisão da oposição. Mário Soares, reputado opositor antifascista, tinha optado pela ruptura com os comunistas, republicanos e católicos progressistas, dividindo também estes. (…) Os socialistas punham a questão colonial na gaveta, por troca de esperadas benesses marcelistas..».
in “Almas Que Não Foram Fardadas”, pág. 64/65
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