I’ve been here all night, I’ve been here all day, and boy, you got me walkin’ side to side”. Sim, esta música cantada por Ariana Grande significa isso mesmo: um corpo que fica dorido depois de atividade sexual prolongada. Tão simples quanto isto. Muitos dos que estão a ler estas palavras – suponho e espero – já terão tido a sorte de saber o que isso é.E embora realmente ficar dorido seja, como a palavra indica, doloroso, há dores que valem a pena quando o que as gerou foi altamente recompensador em termos de prazer. Ariana Grande, a cantora pop, de 23 anos, que tem gerado alguma controvérsia pela forma como explora, sem pudor, a sensualidade nas suas diversas performances, aparentemente sabe o que isto significa e canta-o sem qualquer problema. Fá-lo publicamente porque – com mais ou menos estratégia de showbiz pelo meio – sabe que a sua sexualidade, e a forma como a vive e encara, não são motivo de vergonha. Nem a tornam melhor ou pior pessoa. Cada um é livre de o fazer e de desfrutar como bem entender, desde que não incorra em nenhum abuso de liberdade e escolha individual do próximo, parece-me óbvio. Mas nem toda a gente consegue ver isto assim.
Se olharmos para trás – e, como é óbvio, penso logo na fantástica Madonna que já nos anos 80 era considerada uma grandessíssima pega (desculpem-me o termo, mas é mesmo isto) por cantar o “Like a Virgin” – são inúmeros os casos em que artistas do sexo feminino com a mesma postura, livre e despudorada, foram alvo de juízos de valor. Aparentemente, isto de se manifestar liberdade sexual em público não fica bem a uma senhora que se preze, dizem as regras da etiqueta e da hipocrisia. Já se for um cantor masculino – ao género daqueles que apalpam um harém de mulheres nos seus videoclips, por exemplo– isso já não interessa para nada, ninguém questiona a sua índole. É só normal.
Tal como parece ser normal alguém poder fazer comentários totalmente grotescos e inapropriados a Ariana porque ela até é uma moça que fala de sexo com tanta abertura de mente. Foi o que aconteceu há uns dias, quando a cantora estava num restaurante com o namorado, também cantor. Um fã do artista ficou tão empolgado de o ver que não conseguia parar de tentar interagir com ele. Começou com a conversa do costume, sobre quão fã era, até que resvalou para comentários sobre Ariana, como se ela nem sequer estivesse presente. E sem mais nem menos, sai-lhe a seguinte frase: “A Ariana é realmente boa. Agora que a vejo consigo perceber porque é que andas em cima dela”.
Talvez isto possa parecer um comentário totalmente inofensivo para muita gente, mas Ariana Grande decidiu quebrar esta supostamente normalidade – que é tão, mas tão errada – e escrever publicamente sobre o que sente quando ouve comentários do género: “A dar em cima dela? Que merda é esta? (…) Senti-me enojada e objetificada. Situações como esta acontecem a toda a hora e contribuem para que as mulheres se sintam com medo ou desajustadas. Eu não sou um pedaço de carne que um homem utiliza para o seu prazer. Sou um ser humano, numa relação com um homem que me trata com amor e respeito”. Num post publicado no Twitter para os seus mais de 43 milhões de fãs, a cantora não se poupou a palavras: “A maior parte das mulheres já passou por esta sensação de ser alvo de comentários desconfortáveis feitos publicamente. Temos de começar a falar sobre estas situações, a partilhá-las, a
sermos uma voz ativa quando algo nos deixa desconfortáveis. Se não o fizermos isto vai continuar a acontecer. Não somos objetos, nem prémios. Somos rainhas”.
“COM TODO O RESPEITO, DEIXEM DE SER IDIOTAS”
Já há uns tempos a cantora tinha manifestado o seu desagrado quando denunciou um seguidor do seu Instagram que a tinha insultado de “puta” por causa do tipo de lingerie que usa no vídeo do tema “Dangerous Woman”. Na altura, as suas palavras também foram certeiras: “Quando é que vão deixar de se sentirem ofendidos com o facto de as mulheres mostrarem a sua pele e expressarem a sua sexualidade? Os homens aparecem em tronco nu, expressam a sua sexualidade em palco, em vídeos, nas redes sociais, em todo o lado. O tratamento desigual de género é tão aborrecido e exaustivo. Com todo o respeito, deixem de ser idiotas”.
Idiota é a palavra certa para descrever tal linha de pensamento que continua a levar a que tanta gente ache que uma mulher está a dar abertura a comentários e convites sexuais porque na sua vida artística fala e expressa a sua visão sobre o tema. Não há nada legitime a grosseria e o desrespeito. Ariana Grande usa lingerie nos seus videoclipes e canta sobre como é bom ficar dorida depois de uma bela dose de sexo. E então? Isto significa que está “a pedi-las”? Que é legítimo que alguém, totalmente fora do contexto da intimidade, possa tecer comentários e convites sexuais àquela pessoa? É como daquela vez em que um restaurante decidiu comparar a atriz de filmes pornográficos Erica Fontes a um pedaço de vaca. O facto de a sua profissão envolver sexo legitima comentários do género? Por exemplo, uma stripper, uma vez que ganha a vida com os movimentos sensuais e sexuais do seu corpo, merece menos respeito enquanto mulher? Tal como uma prostituta, lá porque a sua profissão é ter relações sexuais pagas, não tem direito a dizer não e a sentir-se incomodada com uma abordagem grosseira? Em que raio de sociedade perturbada vivemos quando não se consegue perceber um fronteira tão clara quanto esta?
No recente caso de Ariana Grande, ficou por esclarecer qual foi a reação do seu namorado. Será que na altura percebeu sequer quão grosseiro era tal comentário? Que a defendeu? Ou será que lhe disse a habitual frase: “Não te chateies tanto com isso”? Nas redes sociais, o que não faltaram foi comentários – acima de tudo feitos por mulheres – que consideram que graças àquilo que canta, ela “põe-se a jeito”. Seja com palavras ou com silêncios, perpetua-se muitas vezes esta cultura misógina. Uma cultura totalmente enraizada em ambos os géneros, onde a roupa que uma mulher usa, a forma como fala, as ideias que expressa publicamente, a forma como vive a sua sexualidade, a sua profissão, o álcool que bebeu e demais factores – que davam uma lista infindável -, ainda são uma forma de validação para um comportamento incorreto. E o alvo desse comportamento é que continua a ser posto em causa, em vez de quem o perpetua. Que triste.
estatuadesal.com
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