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quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

Morreu o acordeonista e compositor João Barra Bexiga



O acordeonista e compositor João Barra Bexiga morreu esta quarta-feira, aos 92 anos, fazendo com que «o acordeão no Algarve tenha perdido hoje um dos seus mais emblemáticos intérpretes», como salienta Nuno Campos Inácio, autor do livro «O Acordeão no Algarve – Um Século de Histórias e Memórias».

Nascido no sítio da Bordeira, freguesia de Santa Bárbara de Nexe, no dia 9 de Outubro de 1924, era, provavelmente, o acordeonista algarvio com mais anos de carreira, tendo começado a tocar com apenas 5 anos de idade, guiado pelo seu pai, o acordeonista João Bexiga, e inspirado por outros acordeonistas seus conterrâneos, como José Ferreiro (pai) e o seu padrinho António Madeirinha.
«Viveu em Loulé, sendo vizinho do lado do poeta António Aleixo, que viria a influenciar a atividade de compositor de João Barra Bexiga, com conta com mais de duas centenas de temas, muitos deles atualmente interpretados por acordeonistas da nova geração em concursos nacionais e internacionais», recorda Nuno Campos Inácio, num post no seu mural de Facebook.
Em 2008, João Barra Bexiga foi homenageado, tendo sido publicado um livro com as suas composições.
«Falecido fisicamente, conquistou a imortalidade histórica, figurando para sempre entre os “gigantes” do acordeão», conclui o investigador Nuno Campos Inácio.

Oiça aqui João Barra Bexiga a interpretar uma das suas composições:

Reportagem do jornalista Hugo Rodrigues, realizada em 2008, por ocasião da homenagem a João Barra Bexiga, publicada no jornal Barlavento:
Sérgio Martins presidente da Junta FRegueisa de Santa bárbara de Nexe e o acordeonista João Barra bexiga

«O homem que transformava beleza em música

João Barra Bexiga é um dos mais conceituados acordeonistas portugueses e a sua obra está a ser recordada. O ponto alto da homenagem terá lugar a 29 de Novembro
A sua principal inspiração, na hora de compor música, foram as «raparigas bonitas» e ainda hoje, com 84 anos, o mestre João Barra Bexiga o assume, com um sorriso malandro nos lábios. O virtuoso acordeonista bordeirense está a ser homenageado pela Junta de Freguesia de Santa Bárbara de Nexe, num programa de ações que terá o seu auge no dia 29 de Novembro, no Teatro das Figuras, em Faro.
A Grande Gala do Acordeão, que juntará alguns dos melhores acordeonistas portugueses e também músicos vindos de fora do país, será um tributo ao muito trabalho produzido por João Barra Bexiga. Ao longo dos anos, gravou mais de 200 músicas, fora outras que compôs, mas das quais acabou por se esquecer. «Quando nos esquecemos de uma música, ela nunca mais volta», revelou João Barra Bexiga.
No quente da sua casa, o mestre acedeu em partilhar algumas memórias com o nosso jornal. Entre elas, o tempo em que se fez à estrada e embarcou na maior aventura artística da sua vida.
«Estive 2 meses nas Estrelas de Portugal», recorda. Este projeto e outros a que pertenceu levaram a que passasse largos períodos na Malveira, no concelho de Sintra, e que percorresse em tournée o país todo. Mas esta foi uma vida que não o seduziu e da qual acabou por desistir. O seu apego ao Algarve também terá contribuído.
«O maior período que passei sem vir ao Algarve foram quatro meses e dois dias. Estava aqui e pensava: lá é que estou bem. Depois estava lá e só queria vir para cá», recorda, a rir. Não deixa, por isso, de recordar com saudade esse tempo. Foi mesmo aí, junto à Malveira, que teve uma das suas melhores noites.
«Foi na Sociedade do Pêro Negro, por cima da Malveira. Tinha as mãos com uma disposição como só as tive duas ou três vezes na minha vida», contou.
O mundo artístico não seduziu João Bexiga, que decidiu mudar de vida. Tornou-se, então, no primeiro apicultor profissional do concelho de Faro. «Loulé, Tavira e São Brás vieram todos atrás de mim», diz, com orgulho. «Dediquei-me às abelhas desde cedo, mas só mais tarde me tornei profissional», acrescentou.
Apesar de já não se recordar de tudo, João Bexiga não baixa os braços e continua a mostrar a sua alma de filósofo. «Já não tenho muita memória, tenho é pensamentos novos. Ter inteligência não é o mesmo que ter memória», sentenciou.
O brilho de inspiração que se pode ver nos seus olhos, momentos antes de proferir tiradas belas e profundas como esta, ajuda a compreender o seu método de criação, simples e espontâneo.
«O mestre João Bexiga via uma rapariga bonita, sentava-se um pouco a pensar e compunha uma música», ilustra Sérgio Martins, o responsável pela homenagem que está a ser feita ao mestre acordeonista. «A grande particularidade das músicas do mestre João é a mão esquerda do acordeão, que ele explora como ninguém», acrescentou.
Até porque aprendeu quase tudo o que sabe sobre música por si. «Só andei em Loulé a aprender solfejo. A música que me custou mais a aprender até hoje foi o Barbeiro de Sevilha. Levei mais de um mês, mas aprendi», recordou.
«Comecei a tocar com um acordeão emprestado. Tinha uma quina viva, que me deixava um alto no pulso. Ia buscá-lo a Loulé ao sábado e entregá-lo segunda-feira de manhã», lembrou.

Apesar de ser um autodidata, foi dos mais profusos criadores de música tradicional algarvia. Tem mais músicas de sua lavra do que o mestre Zé Ferreiro Pai, o autor do famoso corridinho Alma Algarvia, com quem tocou e privou. Tanto este músico, pelo qual João Bexiga não esconde a admiração, como o seu filho, com o mesmo nome, são igualmente naturais da Bordeira. «Se não tivesse nascido na Bordeira, não sabia tocar acordeão como soube e sei», disse, em tempos, João Bexiga.
As mais de 200 músicas que compôs e gravou vão ser reunidas num CD para estudiosos, que será lançado acompanhado pelas respetivas pautas. Esta é uma das ações que serão realizadas no âmbito da homenagem já em curso.
Ao mesmo tempo, revelou Sérgio Martins, serão editados dois CD para o público em geral, ambos de originais de João Barra Bexiga. Um compila músicas tocadas pelo autor, o outro é tocado por diversos convidados, muitos deles presentes na Gala de dia 29.
«Picadinho do Algarve», «Estrela Cadente», «Choro de Viúva», «Quando se Ama», «Quando me Lembro Dela», «Recordações da Malveira» e «Lembrança de Torres Vedras» foram apenas alguns dos temas que João Bexiga recordou, na conversa que manteve com o nosso jornal. Muitas músicas do mestre algarvio foram utilizadas por campeões do mundo no seu repertório vencedor. 


(in Barlavento, 20/11/2008)

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