Já são sete. A Televisão Digital Terrestre, TDT, inclui agora mais dois canais em Portugal continental e ilhas: a RTP 3 e a RTP Memória, já presentes no cabo e na internet. Juntam-se aos outros cinco e passam a ser distribuídos livremente para mais “dois milhões de cidadãos”. É o ocupar de uma rede que “custou dezenas de milhões de euros” ao país e que “não estava a ser aproveitada na plenitude”, defende o presidente executivo da RTP, Gonçalo Reis.
Ao ECO, o gestor conta como tudo só foi possível graças a “uma convergência de vontades” entre Governo, Parlamento e administração da RTP, num processo, até aqui, sujeito a “um bloqueio”. Prefere não revelar o custo do investimento e garante que os novos canais da TDT são iguais aos do cabo — tirando a publicidade, que será meramente institucional. Leia a entrevista.
O alargamento da nossa oferta para a TDT faz sentido na íntegra. A prática dos operadores de serviço público em toda a Europa é de disponibilizarem todos os seus canais na TDT, porque a TDT, no fundo, é a televisão de acesso livre, não discriminatório. O princípio da universalidade é uma pedra essencial do serviço público. Faz parte do conceito de serviço público. Nós só cumprimos um serviço público na totalidade se levarmos todos os conteúdos a todos os cidadãos. Já tínhamos a RTP 1 e a RTP 2 e agora, óbvio, tem que ir a RTP 3 e a RTP Memória.
Mas porquê esses dois?
Porque eram os canais que faltavam. A RTP 3, que é um canal de notícias, de atualidade, com todo o caráter pedagógico, de acrescentar ao panorama, ao debate, faz todo o sentido que seja levada a todo o país e que seja disponibilizada a todos os cidadãos. E a RTP Memória porque é um canal à base do património, do acervo da RTP, com tratamento contemporâneo. Não é um repositório de conteúdos apenas. É um conjunto de conteúdos clássicos, antigos, vintage, com um tratamento e com uma interpretação contemporânea. Temos que honrar o património e a história da RTP e, portanto, temos que a disponibilizar. Para além disso, vamos chegar a uma camada muito alargada da população. Estamos a falar de cerca de dois milhões de pessoas.
Porque é que Portugal continua com uma das ofertas TDT mais reduzidas da Europa?
Eu sou gestor da RTP e o papel da RTP é contribuir para melhorar o panorama. Portanto, estamos a fazer aquilo que nos compete. Estamos a dar um passo em frente, com esforço, mas assumimos essa obrigação e já demos provas de que a assumimos com empenho. A RTP quis desenvolver a oferta na TDT. Portanto, estamos a fazer aquilo que nos é devido, que é colocar todos os nossos conteúdos. Há vários casos na Europa em que o processo da TDT não arranca bem, mas que depois é corrigido. Temos que olhar em frente, olhar a partir daqui. E acho que estão a ser dados os passos. Cada um está a fazer aquilo que lhe compete.
Porquê agora? O novo Governo veio, de alguma forma, influenciar ou acelerar o processo?
Houve aqui, claramente, uma convergência de vontades e isso é muito interessante. A RTP afirmou claramente que estava empenhada neste processo. O Parlamento também teve um papel muito importante. Houve vários grupos parlamentares que colocaram o tema do enriquecimento da oferta na TDT nos seus programas eleitorais e que, depois, com bastante persistência, colocaram este tema na agenda. E o executivo, também, com uma resolução de Conselho de Ministros muito clara, muito objetiva, criou as condições para o alargamento da TDT. Na prática, como acontece tantas vezes neste país, o que se veio a verificar é que, afinal, a solução estava mesmo aqui, ao virar da esquina. A pergunta que faz sentido fazer é porquê só agora? São tão óbvias as vantagens, porquê só agora?
SOM AUDIO
Foi uma questão de que, no momento atual, juntaram-se as várias vontades — Parlamento, executivo e gestão da empresa — para fazer as coisas acontecer. Havia um bloqueio, havia um impasse, mas resolveu-se o novelo e, afinal, também não era assim tão complicado. Encontrou-se uma solução que é equilibrada, inclusiva, gradual. Não é radical. É uma solução que parte do aproveitamento do Mux A [o sistema responsável pela transmissão da TDT em Portugal]. Ou seja, é colocar mais conteúdos em cima da mesa quando havia uma capacidade instalada.
A lei que foi aprovada no Parlamento reforça o princípio da orientação para os custos e incita os operadores que gerem os canais a chegar a um acordo com o distribuidor, a PT. É isso que estamos a fazer.
Mas ainda não há acordo?
Já há uma base relativamente sólida e esperamos fechar isso em breve. Haverá uma redução do custo unitário com algum significado.
Vão fechar isso ainda esta semana ou os canais avançam ainda sem um acordo fechado?
A distribuição técnica já está assegurada.
Mas, internamente, ainda há questões por fechar?
Tecnicamente, não. Há a questão de apreço em que já há uma base e esperamos fechar em breve.
SOM AUDIO
Não vejo assim grandes dificuldades. Havia uma rede, havia uma infraestrutura e havia uma capacidade que não estava a ser aproveitada. A rede da TDT custou dezenas de milhões de euros a Portugal e não estava a ser aproveitada na sua plenitude. Digo isto como gestor e como cidadão: nós temos que nos habituar a aproveitar a capacidade instalada em infraestrutura que dispomos. E Portugal, realmente, dispõe de uma rede TDT com capacidade para mais canais. Havia espaço disponível, por isso, para mim, é uma evidência de que se devia chegar aqui.
As pessoas levantam muitas vezes o tema do custo adicional. Mas, e o desperdício [em] que [se] estava até agora? Vai haver um custo adicional, mas, a esse custo adicional, vai haver um valor adicional levado a dois milhões de cidadãos. Isso tem um valor em si. Se nós não estivéssemos a fazer essa parte, só [se] tinha o desperdício de ter uma rede que custou, em acumulado, dezenas de milhões de euros e que só estava a ser aproveitada a metade da sua capacidade.
Qual é o valor desse investimento adicional? Ou ainda não tem conhecimento do valor concreto?
As nossas contas são públicas: a RTP é talvez a empresa mais escrutinada do país. Mas não costumamos revelar o peso específico de cada rubrica de gasto. E há acordos a fazer com as contrapartes. Aquilo que dizemos é que, apesar de ser reduzido o custo unitário, vai haver um encargo adicional, que já está enquadrado nas nossas projeções para 2017.
"A rede da TDT custou dezenas de milhões de euros a Portugal e não estava a ser aproveitada na sua plenitude.”
Tecnicamente, vai haver duas emissões. O [canal] RTP 3 e o RTP Memória são emitidos a um sinal que vai para os operadores de cabo — e esse mantém-se com publicidade — e vai haver uma emissão para a TDT. Essa não tem publicidade. Nos blocos publicitários, os spots vão ser substituídos por autopromoções e divulgação de eventos culturais. A emissão é a mesma, a programação é a mesma, os blocos publicitários é que são substituídos na emissão de TDT. Mas só há um canal.
A RTP 3 e a RTP Memória irem para a TDT sem publicidade foi, de certa forma, uma vitória dos privados?
Foi a opção tomada. É o que está definido em resolução do Conselho de Ministros. A mim, cabe-me implementar e não qualificar.
SOM AUDIO
O alargamento da oferta da TDT, e aqui não falo só dos canais da RTP, é muito interessante para o espetador, que tem acesso a uma oferta mais rica e mais variada, mas é também uma oportunidade para o setor porque, no fundo, alarga-se a janela de conteúdos dos portugueses. O cabo, que tem uma implantação muito significativa em Portugal, é dominado por canais internacionais, a maioria dos quais são réplicas de produtos que existem em todo o mundo, com pouca produção local.
Havendo mais canais de produção portuguesa, é um grande estímulo a todo o setor e a toda a fileira de produção audiovisual portuguesa: para os produtores, para os realizadores, para os argumentistas, para os jornalistas. Nesse aspeto, a TDT é relevante para a RTP? Com certeza. É relevante para o público? Com certeza. Mas é também um estímulo ao setor audiovisual e à produção de conteúdos portugueses.
O público da TDT é complementar. Está muito localizado em zonas não urbanas, em regiões descentralizadas. Chegará a localidades e a aglomerados populacionais de menor dimensão e também se vai cobrir público mais velho, para além do tema das segundas residências. O tema das segundas residências é que baralha um pouco a configuração, à priori, que as pessoas associam à TDT. Na prática, vamos acrescentar público. Vai ser complementar ao restante público. A oferta da 3 e da Memória não vai ser redesenhada em específico por agora irem para a TDT. Aqui, trata-se mais de colocar os canais atuais na TDT.
SOM AUDIO
Temos os mecanismos correntes. Fazemos autopromoções dos vários canais e na RTP, todos os dias, somos desafiados a promover eventos culturais, grandes instituições e pequenas instituições emergentes nas grandes cidades e nas regiões — os chamados parceiros. Já os divulgamos e, agora, vamos levá-los a mais pessoas.
Sem comentários:
Enviar um comentário