INTERVENÇÃO DE JERÓNIMO DE SOUSA, SECRETÁRIO-GERAL, VISITA E CONTACTO COM A POPULAÇÃO DO BAIRRO DA BELA VISTA.
A primeira palavra que vos queremos dirigir hoje é de agradecimento pela forma generosa, aberta e solidária como receberam o PCP no vosso bairro, como nos mostraram as vossas casas, o vosso trabalho, a extraordinária evolução que a Bela Vista teve.
O PCP tem aprendido muito com a população deste bairro. Não só sobre a situação da habitação social em Setúbal e no País, sobre a dureza das vidas que a política de direita quer condenar à pobreza, ao desemprego, à precariedade, à discriminação e à falta de esperança. Mas penso que os meus camaradas da organização de freguesia de S. Sebastião, da concelhia de Setúbal, os camaradas eleitos na Junta, na Câmara, na Assembleia de Freguesia, na Assembleia Municipal e na Assembleia da República, partilham do sentimento que vos quero transmitir: aprendemos muito convosco sobre como a solidariedade, a unidade, a dignidade, podem transformar um bairro inteiro.
Convosco reforçámos a nossa convicção de que quem desiste é que perde sempre. Porque a população da Bela Vista nunca desistiu de lutar contra as alterações à lei da renda apoiada, nem mesmo quando parecia que o Governo do PSD e do CDS estava de pedra e cal e que tinham toda a força do mundo.
A vossa luta mostra como a unidade, a persistência e a organização podem mover montanhas. O que desejamos é que continuem a confiar na vossa força para, unidos e organizados, tomarem nas vossas mãos os destinos das vossas vidas, não só sobre a casa e o bairro, mas também sobre o emprego, a escola, a saúde, os transportes, sobre a sociedade em geral.
Mostra como é importante ter no poder quem esteja ao lado das populações e da justiça: penso que todos reconhecerão que não é elogio em causa própria se disser que o facto de a Junta e a Câmara serem de maioria CDU, de o Grupo Parlamentar do PCP na Assembleia da República nunca ter largado este problema, foram um contributo decisivo para o avanço legislativo que foi possível relativamente à renda apoiada.
Há sempre muita gente pronta a dizer que os partidos são todos iguais, que os políticos andam cá para se encher, que nem vale a pena ir votar. Mas a vossa luta mostra o contrário: mostra que há um Partido, o PCP, que nunca vos abandonou; mostra que os eleitos do PCP têm por vós, pelos vossos problemas, opiniões e propostas o mais profundo respeito; mostra que vale a pena dar mais força ao PCP e à CDU, porque esta força será sempre posta ao serviço do povo e do País.
Mostra que valeu a pena o povo ir votar no ano passado nas eleições para a Assembleia da República, e com o seu voto derrotar o Governo do PSD e do CDS que tanto mal fez ao País, abrindo uma nova fase na vida política nacional, com uma nova correlação de forças na Assembleia da República que permitiu alterar o regime do arrendamento apoiado, profundamente injusto e que esse mesmo governo ainda mais agravou. Um regime profundamente desumano aquele que PSD e CDS impuseram e mantiveram e que conduziu a uma ainda maior precarização do direito à habitação.
Não só mantiveram os elevados valores de renda, incomportáveis para os moradores atendendo aos seus rendimentos, como introduziram mecanismos que conduziam ao despejo, fragilizando e desprotegendo os moradores e o seu direito à habitação. Muitos moradores, com baixos rendimentos tinham receio de terem de abandonar as suas casas. Viviam numa enorme ansiedade e perante o risco de poderem vir a perder a habitação onde residem, não baixaram os braços, nem se resignaram. Organizaram-se, criaram uma comissão, apresentaram propostas, lutaram pelo seu direito à habitação.
O direito à habitação é um direito constitucional conquistado pelos trabalhadores e pelo povo.
Não temos dúvidas! Foi a acção, a intervenção e a luta dos moradores de há muitos anos, que possibilitou que a alteração à lei da renda apoiada recentemente aprovada na Assembleia da República incorporasse muitas das propostas e das reivindicações dos moradores.
O PCP há muito que tinha vindo a denunciar as injustiças do regime da renda apoiada e a propor alterações no sentido de assegurar a acessibilidade à habitação. A implementação da lei de 1993 e posteriormente a lei imposta por PSD e CDS conduziu a brutais aumentos de rendas, de 300%, 400% e até de 600%, insuportáveis para os moradores dos bairros com baixos rendimentos.
A intervenção do PCP, com as suas propostas e contributos, foi determinante neste processo para que a alteração à lei contemplasse disposições que introduzem mais justiça, particularmente:
– A possibilidade das autarquias poderem terem os seus próprios regulamentos atendendo às suas especificidades, e que não poderão conduzir a normas menos favoráveis quanto ao cálculo do valor de renda nem às garantias de manutenção do contrato de arrendamento;
– A eliminação de um conjunto vasto de mecanismos que conduziam ao despejo dos moradores e a redução dos impedimentos para aceder à habitação social;
– A consideração do rendimento mensal líquido para o cálculo do valor da renda ao invés do rendimento mensal bruto, como era até aqui;
– O aumento das deduções para o cálculo do valor de renda por dependente, para os idosos e para as famílias monoparentais;
– A possibilidade da actualização do valor de renda sempre que haja lugar a alterações de rendimento e da composição do agregado familiar;
– A redução da taxa de esforço máxima para o valor de 23%;
– A garantia de uma maior estabilidade nos contratos de arrendamento apoiado com uma duração de 10 anos, renovando-se igualmente por iguais períodos, em vez da renovação por períodos de dois anos;
– A adequação da habitação a atribuir a pessoas com mobilidade reduzida, entre outras, como o alargamento do conceito de dependente, o alargamento dos critérios de excepção e do período de ausência de habitação.
Embora as alterações introduzidas na lei não correspondam na íntegra à proposta do PCP, nem seja a proposta do PCP, dão mais garantias na protecção dos moradores e na salvaguarda do seu direito à habitação, eliminam o conjunto vasto de mecanismos que facilitavam o despejo e respeitam o quadro de autonomia das autarquias locais.
Consideramos que as alterações à lei podiam e deviam ter ido mais longe, nomeadamente no que respeita à inclusão de critérios ainda mais vantajosos para os moradores no que respeita ao cálculo do valor de renda e à taxa de esforço máxima.
Propusemos que no apuramento do rendimento mensal líquido não fossem considerados os rendimentos não permanentes, como subsídios, prémios e remunerações resultantes de horas extraordinárias, nem fosse considerado o abono de família; que as deduções estivessem indexadas ao salário mínimo nacional e não ao indexante de apoios sociais e que para os idosos fosse considerado um valor parcial dos valores das respectivas reformas, pensões e complemento solidário para idosos quando os montantes fossem iguais ou inferiores a três salários mínimos nacionais, propostas estas que foram rejeitadas com os votos contra do PS, PSD e CDS e a abstenção do BE. Propusemos ainda que a taxa de esforço máxima fosse de 15%, igualmente rejeitada por PS, PSD e CDS.
Mais uma vez agradecemos o vosso acolhimento e mais uma vez registamos que tudo isto só foi possível, graças, em primeiro lugar, à vossa luta, à luta dos moradores, de que nós fomos expressão no plano institucional com a nossa intervenção, proposta e contributos. Mais uma vez reafirmamos que o PCP não perderá de vista a necessidade de continuar a acompanhar, a intervir e a lutar pela salvaguarda do direito à habitação, acessível para os moradores.
elcomunista.net
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