por Jean Pestieau [*]
Albert Einstein (1879-1955) é considerado o físico mais importante do século XX pelas descobertas revolucionárias que levou a cabo entre 1905 e 1925 [1] . Residente nos Estados Unidos desde 1933 até 1955, o seu prestígio foi-se ampliando até chegar ao grande público, não apenas pela sua notoriedade científica mas principalmente pelas suas tomadas de posição e acções no domínio politico-moral. No presente artigo, iremos considerar (a evolução da) a posição de Einstein relativamente ao armamento nuclear dos Estados Unidos entre 1939 e 1955. Pelo seu combate antifascista e anti-racista e sobretudo pela sua rejeição evidente do anticomunismo, aliada à sua oposição determinada face ao armamento nuclear dos Estados Unidos, Einstein tornou-se, depois de 1945, na sombra negra de Edgar Hoover, o chefe do FBI, a polícia federal dos Estados Unidos. Edgar Hoover por esta altura tinha já constituído um dossier secreto de 1800 (mil e oitocentas) páginas [2] contra Einstein, com o intuito de o desacreditar, e até mesmo, de o expulsar dos Estados Unidos!
[*] Professor de física teórica na Universidade de Católica de Lovaina. Durante a Primeira Guerra Mundial, Einstein estava na Alemanha, e rejeitava firmemente a guerra, que ele via como uma vasta matança dos povos. Era pacifista e tido como um inimigo para belicistas de toda a espécie. Contudo, com a escalada de agressividade fascista e principalmente com a tomada do poder pelos nazis na Alemanha em 1933, a sua posição muda: era agora necessário resistir ao fascismo fazendo uso das armas. Durante a Guerra Civil de Espanha (1936-1939), ele alia-se claramente às forças republicanas espanholas na luta contra as forças fascistas de Franco. Einstein é um partidário ardente da brigada internacional dos Estados Unidos, a Brigada Abraham Lincoln – organizada pelos comunistas – que havida partido para a Espanha para combater do lado republicano. Franco tomou o poder em 1939 porque recebeu ajuda militar de Mussolini e de Hitler enquanto as grandes potências ocidentais (França, Reino Unido e Estados Unidos) poucos esforços faziam, impedindo os Republicanos de serem devidamente auxiliados pelos comunistas e pelos antifascistas do mundo inteiro. Em 10 de Novembro de 1938 é a "Noite de Cristal" na Alemanha, noite em que trinta mil judeus são presos e enviados para os campos de concentração de Dachau, Oranienburg-Sachsenhausen e Buchenwald. Aí, eles juntam-se a comunistas, sindicalistas, socialistas e outros antifascistas. Em final de 1938, os Nazis têm a Checoslováquia nas mãos. A França, o Reino Unido e os Estados Unidos não mexem uma palha. Simultaneamente, eminentes físicos nucleares sabem, a partir de descobertas (fissão nuclear e possibilidade de reacções em cadeia) feitas em finais de 1938, nomeadamente na Alemanha, que em princípio será possível conceber uma bomba nuclear milhares de vezes mais poderosa que uma bomba clássica. Einstein fica ainda mais alarmado quando sabe que o urânio extraído das minas da Checoslováquia fora retirado do mercado e retido pela Alemanha. Consequentemente, conclui que a exclusividade do armamento nuclear não podia ser deixada aos nazis, e sente-se perseguido pela questão: até onde os Estados Unidos permitirão que [a bomba] seja feita na Alemanha de Hitler? É assim que em 2 de Agosto de 1939, Einstein resolve enviar uma carta ao presidente dos Estados Unidos, Roosevelt, com o intuito de o persuadir a encetar um programa de desenvolvimento de uma bomba nuclear antes que os alemães construíssem a deles. Roosevelt recebe esta carta apenas em Outubro. Vendo que não há reacção, Einstein envia uma nova carta alarmante ao presidente Roosevelt em 7 de Março de 1940. Somente em Outubro de 1941 – os Estados Unidos entram na Segunda Guerra Mundial em Dezembro de 1941 – é que Roosevelt dá luz verde ao lançamento do programa nuclear. A administração americana não apresenta uma posição antifascista firme durante a Segunda Guerra Mundial, e Einstein está farto de esperar. Em Setembro de 1942, por exemplo, no início da Batalha de Stalingrado, ele escreve: "Porque é que Washington ajudou a estrangular a Espanha lealista [republicana]? Porque é que Washington tem um representante oficial na França fascista? (…) Porque é que Washington mantém relações com a Espanha franquista? Porque é que não é feito qualquer esforço para ajudar a Rússia que é a mais necessitada? Este governo é controlado em larga escala por banqueiros cuja mentalidade se aproxima do estado de espírito fascista. Se Hitler não se encontrasse em pleno delírio, ele poderia ter tido excelentes relações com as potências ocidentais." [3] Quando o gigante nazi, aparentemente imbatível, é travado em Stalingrado, Einstein declara: "Sem a Rússia, estes cães sanguinários alemães poderiam ter atingido os seus fins ou, em todo o caso, estariam muito perto disso. (…) Nós e os nossos filhos temos uma enorme dívida de gratidão para com o povo russo que suportou tão grandes perdas e sofrimento." "A maneira como a Rússia dirigiu a sua guerra provou a sua excelência em todos os domínios da indústria e da técnica. (…) Nos sacrifícios sem conta e na abnegação de cada um, eu vejo uma prova de determinação geral em defender o que eles ganharam (…) finalmente, um feito que se reveste de uma importância particular aos nossos olhos, a nós os judeus. Na Rússia, a igualdade de todos os povos e de todos os grupos culturais não é palavra vã: ela existe verdadeiramente na realidade. (…)" [4] Porque razão foi Einstein afastado do programa de aperfeiçoamento da bomba? O facto de Einstein ter sido afastado do programa de desenvolvimento das primeiras bombas nucleares não se deveu propriamente ao facto de ser considerado pelo FBI e pelas autoridades militares americanas como antifascista e promotor da amizade e ajuda à URSS. Na verdade, vários físicos conceituados que trabalharam na bomba partilhavam das mesmas posições políticas de Einstein. Sem eles, a bomba não poderia ter sido concluída em tempo recorde. Um outro argumento avançado por um dos principais responsáveis pela finalização da bomba, Hans Bethe (Prémio Nobel da Física 1967), é o seguinte: "tínhamos necessidade de peritos em física nuclear e em explosivos. Einstein, ainda que seja o maior físico do século nunca trabalhou nesses domínios." [5] Este argumento não é válido, se pensarmos que Einstein, na mesma época, resolveu diversos problemas no domínio dos explosivos clássicos para a Marinha dos Estados Unidos. A verdade é que o FBI e as autoridades militares suspeitavam, e com razão, que Einstein queria a Bomba americana somente para um único fim: impedir Hitler de aterrorizar o mundo inteiro com a sua própria Bomba. De outro modo, Einstein era determinadamente contra a Bomba. Se Einstein tivesse sido membro da equipa que construiu as primeiras bombas nucleares, com o seu enorme prestígio, ele poderia ter empatado o projecto de utilizar a Bomba para outros fins que não aquele de confrontar a possível Bomba de Hitler. Quando, no final de 1944, se soube que Hitler não possuía a Bomba, vários cientistas antifascistas que haviam trabalhado no aperfeiçoamento da Bomba dos Estados Unidos pediram que esta não fosse utilizada contra o Japão ou qualquer outro país. Mas eles estavam subjugados e condicionados pelos seus dirigentes militares. Não foram além do protesto intelectual e continuaram a trabalhar lá. Apenas o físico nuclear britânico J. Rotblat (Prémio Nobel da Paz em 1995) teve coragem de não mais colaborar no projecto. Uma vez mais se Einstein tivesse feito parte da equipa, ele poderia ter prejudicado os projectos da Administração, do FBI e da Armada dos Estados Unidos. Deste modo, Einstein foi deixado numa ignorância quase completa sobre o aperfeiçoamento da Bomba até ao bombardeamento de Hiroshima (6 de Agosto de 1945) e de Nagasaki (9 de Agosto de 1945). Einstein, depois de Hiroshima e Nagasaki Einstein condenou imediatamente o bombardeamento nuclear do Japão, atribuindo esse desastre à política estrangeira anti-soviética do presidente Truman que, em Abril de 1945, tinha substituído o presidente Roosevelt entretanto falecido. Durante a guerra, ele havia apoiado com entusiasmo a aliança de Roosevelt com Moscovo contra o nazismo [6] . Em Maio de 1946, é constituído o "Comité de Emergência de Cientistas Atómicos" (Emergency Committe of Atomic Scientists – ECAS). A sua missão é, desde logo, a de recolher fundos para outros grupos antinucleares. À excepção de Einstein, todos os outros membros do ECAS haviam trabalhado na construção da Bomba. Entre eles estavam os prémios Nobel, Harold Urey, Linus Pauling, Hans Bethe. O apoio da opinião pública americana à arma nuclear, mal assegurado desde o início, declina consideravelmente durante os anos que se seguem a Hiroshima. Em Outubro de 1947, uma sondagem da Gallup mostra que a tendência a favor da bomba tinha descido de 69% em 1945 para 55%, e que o sentimento antinuclear havia mais que duplicado, passando de 17% para 38%. [7] Em 23 de Junho de 1946, Einstein declara ao New York Times: "Muitas pessoas noutros países olham agora a América com grande desconfiança, não apenas por causa da bomba mas porque temem que esta se torne imperialista; (…) Nós continuamos a fabricar bombas (atómicas), e as bombas fabricam o ódio e o medo. Nós guardamos os segredos (da fabricação da bomba) e os segredos alimentam a desconfiança". A partir do início da Guerra Fria (1946), a histeria anticomunista e a caça às bruxas não cessou de aumentar, alimentada nomeadamente pela surpreendente notícia anunciada em 1949 de que a URSS possuía igualmente a Bomba, e pela Guerra da Coreia (1950-1953). Quem estava contra a arma nuclear era automaticamente suspeito de trabalhar contra os Estados Unidos. Em 12 de Fevereiro de 1950, Einstein aparece na televisão fazendo advertências contra a construção da bomba de hidrogénio (também chamada de bomba H ou bomba termonuclear) pelos Estados Unidos. Ele declara que esta bomba será mil vezes mais destruidora que a bomba atómica. [8] Esta emissão põe em furor anticomunistas belicistas americanos como Edgar Hoover. Em 1952, a bomba de hidrogénio é finalmente testada pelos Estados Unidos. Segue-se a vez da URSS em 1953, perante a estupefacção dos Estados Unidos. A pretensão americana de ter direito absoluto de vida e de morte nuclear sobre o mundo havia acabado. A virulência anticomunista tinha agora longos anos à sua frente. Em 10 de Março de 1954, Einstein – com a idade de 75 anos – escreve a propósito deste assunto: "A meu ver, a 'conspiração comunista' é sobretudo um slogan (…) que torna as pessoas completamente indefesas. De novo, sou obrigado a pensar na Alemanha de 1932, cujo corpo social democrático tinha já sido enfraquecido por meios similares, dando a Hitler a possibilidade de aplicar o seu golpe fatal. Estou convicto de que aqui se passará o mesmo, a menos que pessoas informadas e capazes de sacrifício intervenham em nossa defesa." [8] Em 28 de Março de 1954, ele escreve à rainha Elisabete da Bélgica: "Tornei-me uma espécie de 'enfant terrible' na minha nova pátria, e tudo isto por causa da minha incapacidade de guardar o silêncio e engolir tudo o que se passa aqui. Cada vez mais, acho que as pessoas mais velhas que não têm praticamente nada a perder deveriam ter vontade de se expressarem a favor dos jovens e daqueles que estão submetidos a tantos constrangimentos. Gosto de pensar que isso os poderá ajudar". [9] Einstein inquieta-se com o facto de a maioria dos intelectuais ocidentais permanecerem sem reacção simultaneamente perante a História e perante o resto do mundo: "Nada mais me espanta do que a constatação de que a memória do ser humano é tão curta quando se trata de acontecimentos políticos" (Carta à rainha Elisabete da Bélgica, 2 de Janeiro de 1955) [10] Imediatamente antes da sua morte (18 de Abril de 1955), Einstein assina o célebre Manifesto pela paz Russell-Einstein [ver anexo] Nota: o termo "bomba atómica" foi colocado em circulação, em 1945, pelos militares americanos com a intenção de a fazer aceitar pela opinião pública. O termo exacto é, na verdade, "bomba nuclear", mas isso pareceria demasiado rebarbativo! [1] Jean Pestieau et Jean-Pierre Kerckhofs, Einstein, "La personnalité du 20e siècle", 7 mars 2005, http://www.ecoledemocratique.org/article.php3 ?id_article=249 - 42k . [2] Fred Jerome, "Einstein ... Un traître pour le FBI. Les secrets d'un conflit", Editions Frison-Roche, Paris, 2005. A leitura deste livro é recomendada em especial. Fred Jerome, The Einstein File : J. Edgar Hoover's Secret War Against the World's Most Famous Scientist, St.Martin's Griffin Edition, New York, 2003, http://www.theeinsteinfile.com/ [3] Fred Jerome, "Einstein ... Un traître pour le FBI. Les secrets d'un conflit", p.58 [4] ibidem, p.175 [5] ibidem, p.70 [6] ibidem, p.80 [7] ibidem, p.87 [8] ibidem, p.179 [9] ibidem, p.282 [10] ibidem, p.178 A versão em francês do manifesto encontra-se em http://radio-canada.ca/par4/_Notas/manifeste_russell_einstein.htm O original do artigo encontra-se em http://www.ecoledemocratique.org/article.php3?id_article=270 Tradução de Rita Maia. Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ . |
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terça-feira, 22 de novembro de 2016
Einstein, a bomba e o FBI
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