Maria da Luz envenenou o gato, mas o gato... era o marido. Este maltratava-a e ela ia-se vingando. Além disso, queria ir com o amante para Lisboa. E foi por pouco que não escapou à justiça.
Se o tivesse feito por diversas vezes, ao longo do tempo, talvez não fosse apanhada. Mas estava com pressa, farta de ser maltratada, desejosa de ser livre e de rumar à capital do reino. Ao fim de cerca de sete anos de casamento, Maria da luz, menina de boas famílias, desfez-se do marido ao jantar, servindo-lhe um prato de arroz temperado com... arsénio.
Era domingo, 1 de agosto, dia previsto para a partida para Rabo de Peixe. Maria da Luz, de 24 anos, estava aborrecida com a temporada fora. Sair de Ponta Delgada significava não ver o amante, cujo retrato mira às escondidas sempre que pode; e já não era fácil encontrar-se com ele, o marido proibira-a de ir à rua ou mesmo à janela da frente. Augusto fechara-lhe a roupa à chave, só a deixava ir à varanda.
No final de julho, Maria da Luz mandara uma carta a Alexandre de Sousa Alvim, o seu sargento lisboeta de 19 anos destacado no Forte de São Brás, ali bem perto de sua casa na rua do Mercado, a uns dez minutos a pé. Escreveu-lhe sobre a ida para fora da cidade e, salvaguardando os dias até à partida, pois temia que ele a esquecesse, dizia-lhe: "...tu passa às horas do costume, que eu estarei no balcão". Ao despedir-se, já dava alguma ideia do que lhe passava pela cabeça: "Adeus até que o gato vá para longe".
Já chegara aos ouvidos do médico Augusto Baptista da Silva que a mulher andava de namoro com um militar, mas Maria da Luz convencera-se de que o baralhara. “Amor. O gato está mais satisfeito: veio hoje às dez horas da noite mais satisfeito. Eu ajudei-lhe à missa; que te não conhecia: disse mal de ti e ele acreditou-me, e se não lhe tornarem a dizer nada por fora a coisa vai bem. Ele disse-me que um sargento o havia procurado para ir ao quartel, mas ele não quis: eu disse-lhe: fizeste bem, também quando cá vier algum militar hei de corrê-lo pela escada abaixo”, escreveu na carta ao sargento.
Alexandre. que feita a tropa não abandonará os Açores e será diretor da Biblioteca Municipal de Ponta Delgada ao longo de 30 anos, confirmará em tribunal ter recebido a carta, e um seu camarada da tropa, a quem por engano foi primeiro entregue a missiva, esclareceu (o sargento ter-lhe-á confidenciado isso mesmo) que Maria da Luz chamava gato ao marido porque este "tinha asma e costumava arranhá-la quando brigavam".
PLANTA DE PONTA DELGADA
Assim, do pé para a mão, Maria da Luz resolveu despedir Filomena, logo pela manhã desse domingo de 1880. O marido não gostou, não havia pessoal que se aguentasse a servi-los, era um corrupio. O casal fechou-se na sala de jantar, não antes de o criado Sérgio dar pela discussão violenta que se iniciava. Terminada a briga, ela mandou o moço chamar Rosa de Jesus, que há três anos servira lá em casa e morava muito perto, para tratar do jantar.
Pouco antes do meio-dia, danada, talvez até fisicamente magoada, resolveu começar a fazer o jantar. Sozinha na cozinha, preparou a galinha e pôs o arroz a cozer. “O que tem de ser seja”, terá dito esvaziando na panela o pacotinho de pó arranjado por uma "amiga". Quando Rosa de Jesus chegou, encontrou o jantar meio feito, “a galinha a assar e o arroz a suar no forno em prato fino”, como se saberá quando a criada testemunhar no processo.
Estavam casados há uns seis anos, a idade da filha mais velha, Olímpia. Augusto tinha mais 14 anos do que ela; era de Coimbra, nascido e licenciado; fora para os Açores exercer medicina e acabou por exercer um certo encantamento na família do falecido António Jacinto Jorge Botelho ou vice-versa. Maria da Luz ficara sem pai aos cinco anos de idade, mas não passou dificuldades financeiras como sucedia normalmente quando morria o "chefe de família".
A sua mãe, Jacinta Emília de Oliveira, herdara da parte materna o título nobiliárquico de Dona, o que indica, à partida, uma situação confortável. Maria da Luz, nascida a 10 de março de 1858, em Rosto de Cão, freguesia do Livramento, São Miguel, é filha do segundo matrimónio, uma união com o cunhado Botelho quando este ficou viúvo, com três filhos, e ela viúva com um. Juntos tiveram mais cinco, o mais velho dos quais foi padrinho de batismo de Maria da Luz.
UMA INDIGESTÃO DE... ARSÉNIO
Neste domingo de 1880, a família Baptista jantou pelas duas ou três da tarde, como de hábito nesta época em que o almoço era por volta das 10h e a ceia mais ao menos à hora de jantar neste século XXI. Augusto comeu uma boa quantidade da galinha assada e do arroz, rematando a refeição com ameixas. A mulher e as duas crianças - Berta, a mais nova, tinha quatro anos - não tocaram no arroz.
O arroz fora ao forno num prato de porcelana, o mesmo posto na mesa pelo moço Sérgio e que há de ser uma pista para a autoria do crime por apresentar manchas “escuras e espelhentas”. No dia 11 de outubro, quando o procurador régio promoveu a querela contra Maria da Luz Botelho da Silva Baptista, uma das provas era o "pires com dezanove manchas" que os peritos consideraram serem caraterísticas do arsénio.
A seguir ao jantar, Augusto sentou-se no sofá e adormeceu. A mãe e as filhas também fizeram a sesta, provavelmente. Talvez não Maria da Luz que, se calhar, ficou a pensar se o pó arranjado pela Rosa de Andrade iria produzir o efeito desejado. Já não era a primeira vez que lho ministrava, mas nunca em tanta quantidade. Uma das criadas que despedira ao fim de um mês de serviço dirá tê-la visto, no dia 10 de junho, data dos festejos do tricentenário de Camões, deitar "uns pós" no café do doutor e que não eram "de certo açúcar".
Passada cerca de uma hora, Augusto acordou com uma forte dor de estômago e muita sede. Como era médico, tomou logo algumas medidas. Bebeu água, bastante, e os vómitos começaram a emergir. Para acalmar o organismo — assim ficará no processo —, tomou água de Vichy e outras bebidas carminativas e excitantes, como hidrolato de hortelã-pimenta e anis com éter, dois preparados farmacêuticos para problemas respiratórios e distúrbios gastrintestinais.
Pelas cinco da tarde, a situação parecia insustentável. A doença era violenta, Augusto não estava capaz de se automedicar. Maria da Luz chamou o doutor José Francisco de Matos, que diagnostica uma indigestão. Mas Augusto não para de vomitar o jantar e a água que entretanto ia bebendo. E quando deixou de ser sacudido pelos vómitos, as dores de estômago tornaram-se violentas e a diarreia imparável.
Nesta altura, talvez o médico se tenha lembrado das palavras da criada Senhorinha de Jesus que trabalhou lá em casa durante um mês, mas era tarde. A 11 de junho, alertara-o ela para os "papéis" que a patroa guardava para lhe fazer mal. De nada lhe servira descompor a esposa, agarrá-la pelos cabelos e "dar-lhe uma porção de pancadas com uma cadeira", segundo o testemunho da criada que se despediu nesse dia quando a senhora "puxou de uma faca para ela".
Quando o caso chegar aos tribunais, a defesa da viúva há de invocar o facto de Augusto, na sua qualidade de médico, não ter percebido que estava a ser envenenado para afirmar que o crime era uma invenção do Ministério Público. Todavia, o doutor nunca daria por tal, já que o envenenamento por arsénio confunde-se com a intoxicação alimentar; só nesta década de 1880 é que, no estrangeiro, se começará a destrinçar os sintomas. Além disso, as autópsias não eram obrigatórias.
Por cá, também se faziam experiências. "Nos princípios de maio, envenenei um coelho, administrando-lhe uma dose elevada de ácido arsenioso misturado no pão. Na primeira hora que se seguiu à ingestão do veneno, o animal mostrava-se satisfeito e comia muito. Um pouco mais tarde rejeitava o pão e do mesmo modo a hortaliça que lhe dava. Muito inquieto, respirava apressadamente. Ao outro dia encontrei-o morto", explica o jovem médico Júlio de Carvalho Vasques, em 1888, no seu "Estudo Médico-Legal dos Envenenamentos", provando que o arsénio pode matar em dez horas.
MAS POR QUE RAIO SE FEZ A AUTÓPSIA?
Maria da Luz não estranhará o incómodo do marido, mas desempenhará o seu papel de esposa surpreendida. Entretanto, outra situação a preocupou: a criada apresentava-se mal disposta. Mas como? Rosa de Jesus, de 19 anos, há de dizer às autoridades que depois de comer umas couves da panela dos criados e de rapar o "bordo do prato do arroz", ficou "indisposta do estômago, a ponto de lançar". E lançou, ou seja, vomitou ao longo da tarde e da noite. Ficará dois dias de cama. O pai irá buscá-la e a mãe, preocupada com "os muitos vómitos e ânsias", consultará o doutor Matos, que receitará o mesmo que mandara aviar na farmácia para Baptista da Silva.
À patroa, Rosa Jesus pouco disse, tanto que esta ficou desconfiada e lhe perguntou por duas vezes se lavara a panela do arroz. "Olha lá se lavaste, estás bem certa disso?", repetiu Maria da Luz, ao que ela responde afirmativamente (dirá depois) com receio que esta lhe ralhasse, já que, na verdade, não a lavara, nela fizera o caldo de couves. Por seu lado, Sérgio Pereira, o criado moço de 16 anos, deu menos nas vistas, mas, quando interrogado, responderá que se sentiu “incomodado da cabeça e do estômago, lançando”.
O sofrimento de Augusto tornou-se cada vez pior. Pelas 22h15, começou a ter grande dificuldade em respirar. O óbito será registado às 23h. José Francisco de Matos pensou que a causa estava no excesso de comida ou em algo estragado. Maria da Luz disse-lhe que todos comeram do mesmo e que apenas uma das criadas da casa sofreu "uma ligeira indigestão".
O delegado do procurador régio, Júlio Pereira de Carvalho e Costa, que assina apenas com os dois primeiros nomes, achou estranha a "morte repentina". E mandou fazer a autópsia. O magistrado do Ministério Público, amigo do escritor micaelense Antero de Quental dos tempos da Universidade de Coimbra, está há pouco mais de um mês em funções na capital da maior ilha do arquipélago dos Açores, é de fora, nasceu em Aveiro, o seu último posto foi na Póvoa de Lanhoso.
Na segunda-feira seguinte, o mesmo médico Matos e o seu colega Emílio Severino de Avelar confirmaram que Augusto sofreu "uma indigestão ocasionada pela ingestão de uma grande quantidade de alimentos, sobrevindo a este sofrimento uma congestão pulmonar, que julgam ser a causa determinante de morte". Porém, para confirmar esta conclusão, "julgavam necessário o conhecimento do resultado da análise química feita às vísceras".
Quando o novo advogado de Maria da Luz pegar no processo para recorrer ao Supremo Tribunal de Justiça, em novembro de 1881, mostrará a sua indignação com os primeiros passos do processo: "Morre tanta gente repentinamente, apoplexias, aneurismas, etc., nenhum agente do Ministério Público se julga por isso autorizado para requerer autópsias e exames toxicológicos de vísceras! Só o delegado de Ponta Delgada (...)".
Algo terá chegado, contudo, aos ouvidos do magistrado do Ministério Público. Vinte dias depois da morte do médico, Júlio Pereira manda inquirir as criadas para confirmar se o casal discutia ou não, se alguém na casa "acreditava em feitiços e na influência de certas substâncias sobre a inteligência dos que as ingeriam", se todos jantaram do mesmo, "se tinha ou não havido manifestações de vontade de o ensandecer, e até mesmo de o matar", se alguém ficara doente e se frequentavam a casa "mulheres conhecidas por fazedoras de feitiços".
Maria da Luz ficou tranquila. Todas as criadas, bem como Sérgio Pereira, negaram tudo. Mas a viúva, que nunca lidara bem com a criadagem, devia ter ponderado nos dizeres que se repetiam à época - "qualquer pessoa tem pelo menos tantos inimigos quantos são os seus criados". Em especial, nunca deveria ter perguntado às moças se sabiam de "algumas 'misteriagas', não para matar o senhor mas para o tornar pateta".
DEPOIMENTOS FATAIS E UM CASO ESTRANHO
Rosa de Jesus e a mãe terão tido um rebate de consciência e foram ter com o procurador, que as levou ao juiz no dia 18 de setembro. A criada falará sobre a indisposição sofrida e que, na véspera de depor pela primeira vez, fora chamada a casa da mãe da senhora, em Rosto do Cão, e esta lhe oferecera 580 réis (quantia que quase daria para fazer um cruzeiro, com bufete a bordo, de Lisboa à ilha do Montijo) para que "fizesse ela o que estivesse na sua mão".
Rosa dirá ainda que, no dia 13 de setembro, fora com a sua mãe a casa da ex-patroa e que esta confessara à frente de ambas que lançara no arroz uns pós que lhe dera uma mulher da Candelária, a qual "lhe dissera que lhos desse a pouco e pouco para ir adoentando o marido". Porém, ela tinha "tido com ele aquelas pegas" e, por isso, os deitara todos de uma vez. E que "nunca dissesse mais do que aquilo que tinha dito", frisou Maria da Luz.
Maria Rosa de Jesus, de 45 anos, contará o mesmo do que a filha, praticamente, adiantando ter também ouvido da boca de Sérgio Pereira, que as levou a Rosto de Cão, povoação assim chamada devido ao nome do ilhéu à sua beira, que a viúva lhes prometera "duas patacas se saísse livre", muito embora até já se tivesse livrado de um "cativeiro".
Uma outra Rosa, de apelido Oliveira, que fora criada em casa do doutor Baptista e na altura do envenenamento servia em casa da mãe de Maria da Luz, contribuirá mais tarde dizendo que escutara "às pessoas que entravam e saiam da cozinha que o infeliz doutor Baptista não morrera de morte que Deus lhe desse".
Os depoimentos das Rosas serão mortíferos. Mas antes um estranho sucedido há de levar a defesa de Maria da Luz a julgar que o caso iria virar a seu favor. Por sorte dela, três dias depois de enviuvar, um micaelense enamorado, de nome Filipe Tavares, suicidou-se com fósforo e arsénio. Estes venenos eram fáceis de arranjar, eram usados em trivialidades do quotidiano, como matar moscas, ou em remédios.
No dia 6 de agosto, o delegado Júlio Pereira, quando ia a sair da Procuradoria Régia, sentiu dentro do escritório um grande estrondo. Voltou atrás. Mal abriu a porta, viu um rombo no caixote que continha os frascos das duas últimas autópsias - e observou ainda sangue no chão e na porta. O frasco que continha um rim, um pulmão e uma peça de fígado do falecido doutor explodira.
De imediato, o procurador relatou o caso ao juiz, mandaram comparecer o delegado de saúde, selaram um novo frasco e, segundo o processo e a análise do laboratório de Lisboa para onde foram enviados três frascos com as entranhas, nada se alterou. Claro que a defesa de Maria da Luz se irá basear neste facto insólito para sustentar que se tinham trocado as vísceras do jovem de 19 anos com as de Augusto. Mas foi um caminho trilhado em vão.
COM PASSAGEM PARA O BRASIL
Com a mudança de depoimentos, a confirmação do laboratório de que há arsénio nas vísceras e a firmeza do procurador régio, que mesmo sendo transferido para a comarca da Ilha de Santa Maria, no dia 2 de outubro, não abandonou o processo, Maria da Luz começou a ver a vida a andar para trás e... desapareceu. Dois dias depois da promoção da querela, a 13 de outubro, requereu o passaporte e arranjou lugar, para si e para as duas filhas, num navio com destino a Pernambuco.
Como no seu registo de nascimento consta apenas Maria como nome próprio, pediu o passaporte como sendo Maria José Botelho, dona. Mas não saiu da ilha: arrependeu-se, ganhou confiança na influência da família ou foi só para despistar. Entretanto, são emitidos mandados de captura, um deles com a data de 27 de outubro, para "todas as autoridades onde há telégrafos".
"Peço a captura de D. Maria José Botelho ou D. Maria da Luz Botelho da Silva Baptista, pronunciada pelo crime de envenenamento na pessoa de seu marido. Os sinais da criminosa são: alta, branca loura, boca rasgada, gorda. Tem 24 ou 25 anos. Fala francês e inglês, pelo que pode fingir ser estrangeira. É possível que a acompanhem duas meninas, a mais velha das quais tem seis anos e é muito aleijada dos pés. É natural da ilha de São Miguel, onde teve lugar o crime", lia-se no documento assinado pelo comissário geral Morais Sarmento.
A 26 de outubro, o jornal açoriano "República Federal" noticiou serem infrutíferos os esforços de Júlio Pereira para prender a viúva do dr. Baptista, “porque, segundo dizem uns, as medidas tomadas não são as conducentes a esse fim, dizem outros que uma parte da justiça anula ou anulou os esforços de outra”. Todavia, Maria da Luz há de ser encontrada na Ribeira Grande, numa quinta de sua mãe.
Presa no dia 9 de janeiro de 1881, Maria da Luz será finalmente ouvida para dizer que está inocente, que as testemunhas mentem, que "se homiziara" por assim ter sido aconselhada e não porque a consciência a "arguísse de ter cometido delito algum". Disse ter "a consciência tranquila de nunca ter feito mal algum ao mesmo seu marido, com quem vivia bem, tirando algumas leves desinteligências que comummente se dão entre os conjugues, tratando-a ele aliás muito bem, e não lhe faltando com coisa alguma, e se ela respondente mais não obtinha dele é porque não o queria”.
ATERRADA, EXAUSTA, QUASE A SUCUMBIR
Em março de 1881, os progressistas são substituídos no governo pelos regeneradores. No dia 20 de maio, Maria é julgada e condenada a "prisão celular perpétua em possessões ultramarinas de segunda classe" (fora das principais cidades), isto porque a pena de morte fora abolida em 1867 e as mulheres isentas de trabalhos públicos perpétuos. Não lhe valeram as "afinidades com diversos cavalheiros desta cidade" nem o advogado progressista Francisco Pereira Lopes de Bettencourt Ataíde, que defenderá a autonomia do arquipélago e há de ser deputado e presidente da Câmara de Ponta Delgada.
O Tribunal de Relação dos Açores confirmou a sentença, mas considerou que devia ser pena de prisão perpétua ou degredo perpétuo na África Oriental (Moçambique), onde teria de cumprir um ano de cadeia. Na Relação, já não foi o primeiro advogado a defendê-la, assim como no pedido de revista ao Supremo que será feito pelo político e ex-presidente da Câmara de Setúbal Aníbal Alvares da Silva, também do partido Progressista, a viver em São Miguel numa pausa política, mas já sem o apoio da rede dos governantes, uma vez que o Partido Regenerador se manterá no poder até 1886.
Dois anos depois do crime, presa na cadeia de Ponta Delgada e com o futuro comprometido, Maria da Luz encontrava-se "aterrada por ver falharem todas as garantias protetoras da inocência", estava "exausta já de forças para poder resistir a tamanho infortúnio e quase a sucumbir", como escreveu Aníbal Álvares da Silva, que baseará a defesa em eventuais erros processuais. Em vão.
Álvares da Silva insinuará, até, que Júlio Pereira a acusara por ela não corresponder aos seus galanteios: "O modo porque ele procedeu em todo este processo, e que já fica apontado, não parecerá revelar que não era o desagravo da sociedade que ele procurava (porque em nada a ofendera a recorrente) mas talvez a vingança do seu orgulho ofendido pelo desprezo com que ela sempre repeliu os seus detestáveis requebros?!".
E dizia também que a sua constituinte "era incapaz" de cometer este crime e "não tinha mesmo necessidade de o fazer", sabia que "hoje mais que nunca facilitam as leis a separação dos cônjuges", mas, ao que parece, Maria da Luz achou o arsénio mais prático e rápido. Quanto ao envenenamento, se o médico Júlio de Carvalho Vasques tivesse podido estudar este caso, talvez tivesse poupado o coelho a experiências...
expresso.sapo.pt
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