Na manhã de 19 de janeiro de 1982 o brasileiro tinha o seu almoço interrompido por uma trágica notícia, a cantora Elis Regina estava morta! Emissoras de rádios e televisão interromperam a programação normal para cobrir a tragédia. Elis Regina, 36 anos, no auge da sua vitalidade, com uma carreira de sucesso longe de se esgotar, morria de parada cardíaca no seu apartamento nos Jardins, em São Paulo. A notícia comoveu o Brasil, tendo uma repercussão que surpreendeu muita gente, já que a cantora tinha um público restrito, um repertório denso, apesar de vários sucessos de grande alcance popular. Pobres, ricos, intelectuais, gente humilde, todos choraram Elis Regina. O Brasil vestiu-se de luto.
À tarde, o corpo da cantora foi levado para o Teatro Bandeirantes, onde uma multidão de pessoas fazia uma gigantesca fila na porta, esperando o momento de prestar uma última homenagem. A fila estender-se-ia noite dentro, sendo ainda visível às cinco horas da manhã do dia 20. Diante do grande fluxo de pessoas, a família chegou a pedir à polícia que retirasse a multidão espalhada pelos palcos do teatro, mas a mãe, dona Ercy, abriu mão de velar a filha mais intimamente, cedendo o lugar da família para os fãs. Admiradores e amigos, aglomerados nos palcos do teatro, entoaram músicas da cantora, despedindo-se com “Está Chegando a Hora” (Rubens Campos – Henricão), momento de maior emoção.
No dia seguinte, mais de mil pessoas juntaram-se ao cortejo fúnebre, percorrendo lentamente as ruas da capital paulista, conduzindo o corpo de Elis Regina até o cemitério do Morumbi, onde foi enterrado ao som de “Canção da América”, cantada pela multidão: “… Qualquer dia, amigo, a gente vai se encontrar”. Era a última homenagem ao ídolo morto.
Ainda a recuperar-se da comoção da tragédia, o Brasil foi surpreendido, 48 horas depois, pela notícia de que a causa da morte tinha sido ingestão de cocaína. Os resultados do laudo ecoaram pelo país. A família, na esperança de preservar a imagem da cantora, negou veementemente o laudo. Eram criadas teorias da conspiração envolvendo o namorado da cantora Samuel Mac Dowell Figueiredo e o médico que emitira o laudo, o obscuro Harry Shibata. Iniciava-se a caça às bruxas, tendo como resultado a difamação da cantora. A imprensa não se limitou a informar as causas de tão súbita morte, mas a fazer uma condenação moral velada da vida de Elis Regina. O Brasil tornou-se moralista. Assim, após a comoção, as lágrimas e o enterro dramático, iniciava-se a depredação da imagem. Elis Regina teve em 1982, duas mortes, a morte física, que lhe tirou a vida, levando milhares de brasileiros às lágrimas; e a morte moral, promovida por uma imprensa preconceituosa e um país de costumes hipócritas. Com o passar do tempo, o mito superou às duas mortes, e Elis Regina continuou mais viva do que quando respirava, cantava e emocionava o Brasil, transpirando sangue nos palcos.
No dia seguinte, mais de mil pessoas juntaram-se ao cortejo fúnebre, percorrendo lentamente as ruas da capital paulista, conduzindo o corpo de Elis Regina até o cemitério do Morumbi, onde foi enterrado ao som de “Canção da América”, cantada pela multidão: “… Qualquer dia, amigo, a gente vai se encontrar”. Era a última homenagem ao ídolo morto.
Ainda a recuperar-se da comoção da tragédia, o Brasil foi surpreendido, 48 horas depois, pela notícia de que a causa da morte tinha sido ingestão de cocaína. Os resultados do laudo ecoaram pelo país. A família, na esperança de preservar a imagem da cantora, negou veementemente o laudo. Eram criadas teorias da conspiração envolvendo o namorado da cantora Samuel Mac Dowell Figueiredo e o médico que emitira o laudo, o obscuro Harry Shibata. Iniciava-se a caça às bruxas, tendo como resultado a difamação da cantora. A imprensa não se limitou a informar as causas de tão súbita morte, mas a fazer uma condenação moral velada da vida de Elis Regina. O Brasil tornou-se moralista. Assim, após a comoção, as lágrimas e o enterro dramático, iniciava-se a depredação da imagem. Elis Regina teve em 1982, duas mortes, a morte física, que lhe tirou a vida, levando milhares de brasileiros às lágrimas; e a morte moral, promovida por uma imprensa preconceituosa e um país de costumes hipócritas. Com o passar do tempo, o mito superou às duas mortes, e Elis Regina continuou mais viva do que quando respirava, cantava e emocionava o Brasil, transpirando sangue nos palcos.
Os Últimos Momentos de Vida

Elis Regina tinha planos de entrar em estúdio nos próximos dias, para gravar o seu novo disco, já com repertório definido. Jantou com amigos músicos e com o namorado. Nada fazia crer que ela vivia os seus últimos momentos. No fim da noite, já os amigos tinham ido embora, discutiu com Samuel Mac Dowell. Despediram-se em clima de rancor, embora o advogado negasse futuramente qualquer rusga. Com a briga, a cantora entrou em depressão, bebendo toda a noite. Sem dormir, pela manhã atendeu a um telefonema do namorado, pôs-se então, a discutir com ele. Enquanto falava, consumia Campari e cocaína, até que o seu coração não agüentou. Elis Regina silenciou a voz, não só ao telefone, como para a vida. Diante do silêncio repentino, Samuel Mac Dowell, do outro lado da linha, percebeu que alguma coisa de muito grave acontecera. Deixou o seu escritório e rumou para o apartamento da cantora. Foi encontrá-la trancada no quarto, sem responder aos chamados. Desesperado, derrubou a porta do quarto, encontrando-a caída, com o telefone fora do gancho.
Elis Regina foi levada de táxi para o Hospital das Clínicas, mas já estava sem vida. Aos 36 anos de idade, Elis Regina de Carvalho Costa, uma das maiores cantoras do Brasil, encerrava a sua carreira. Deixava três filhos e vários álbuns. Morria a mulher, nascia o mito.
O Adeus de Milhares de Pessoas a Elis Regina

Como local da última homenagem à cantora, foi decidido que o velório seria no Teatro Bandeirantes, no centro de São Paulo, palco do seu mais famoso show, “Falso Brilhante”, de 1976. Seria aberto para familiares e amigos, mas o corpo ainda lá não chegara, e uma grande multidão fazia fila na porta do teatro, à espera de poder dar o último adeus ao ídolo. A fila não parou de crescer, mantendo-se até o dia seguinte, quando seria o enterro.
Numa última homenagem, ficou estabelecido que a cantora vestiria em seu repouso final, uma camiseta com a bandeira do Brasil, que no centro trazia escrito “Elis Regina” no lugar da frase “Ordem e Progresso”. A camiseta de malha fora confeccionada para o show “Saudades do Brasil”, de 1980, mas a cantora tinha sido proibida pela censura militar de usá-la durante o espetáculo, que considerara um acinte à bandeira nacional.
Feitos os devidos preparativos, o corpo de Elis Regina chegou ao Teatro Bandeirantes à tarde. Entre a tarde do dia 19 e a manhã do dia 20 de janeiro, mais de vinte e cinco mil pessoas acederam ao velório da cantora, entoando músicas do seu vasto repertório. O corpo seguiu do centro de São Paulo para o cemitério do Morumbi. Mil pessoas acompanharam a cerimônia. Entre aplausos e os versos de “Canção da América” (Milton Nascimento – Fernando Brant), Elis Regina foi enterrada.
Amigos Defendem a Imagem da Cantora Morta

Entrava em cena a figura do médico Harry Shibata, que declarava ter sido ingestão de barbitúricos ou cocaína com álcool a causa da morte de Elis Regina, descartando a hipótese de morte natural. Uma dúvida punha em questão o laudo de Shibata, se cocaína era ingerida diluída em álcool, já que tradicionalmente era aspirada pelo nariz.
Mas o que pesou realmente foi a credibilidade do legista. Harry Shibata entrou para a história brasileira como colaborador do regime militar e da tortura que se praticou na época. Para justificar as mortes nos calabouços da ditadura, médicos legistas forneciam falsos laudos que apontavam morte natural, jamais tortura. Harry Shibata foi um desses legistas, tendo assinado o histórico laudo da morte do jornalista Vladimir Herzog em 1975, que atestava suicídio e não morte por tortura. Na época, Samuel Mac Dowell foi um dos advogados que condenaram a União pela morte de Herzog, escancarando a farsa assinada por Shibata.
Na tentativa de defender Elis Regina, vários amigos, entre eles Edu Lobo, diziam que o laudo de Shibata era uma vingança a Samuel Mac Dowell, o que levantou grande polêmica na época.
Apesar da contestação do laudo, os estragos na imagem da cantora morta tinham sido feitos. Um pernicioso processo moralista assolou o Brasil, trazendo uma tempestade sem fim de preconceito contra a memória de Elis Regina, atingindo inclusive aos seus filhos, então crianças, que tinham que ouvir o escárnio dos colegas da escola. Diante desta difamação e depredação de memória, os amigos mais próximos da cantora partiram em sua defesa. Jair Rodrigues pediu pela preservação dos
filhos da amiga, foi à televisão defendê-la com arroubos de emoção, apontando o dedo para “muitos” no meio artístico que se drogavam e ninguém dizia nada. As declarações do cantor criaram polêmicas, e vários famosos sentiram-se ameaçados, iniciando contra ele o tradicional patrulhamento ideológico, responsável pelo fim de tantas carreiras no país. Mas Jair Rodrigues não se intimidou, defendendo a inocência da amiga em relação às drogas até o fim.

Henfil, outro grande amigo de Elis Regina, defendeu-a no programa “TV Mulher”, da Rede Globo, onde tinha o quadro “TV Homem”, no qual apresentava os seus desenhos de animação. Na defesa, ele apresentou um quadro em que se propagava a difamação de Elis Regina pela imprensa, sempre com o tema da cocaína como pano de fundo, no meio da difamação, uma mulher do povo abraçava a fotografia da cantora, enquanto que se ouvia a voz da mesma a cantar “Maria, Maria”(Milton Nascimento – Fernando Brant). A mensagem era clara, enquanto a imprensa difamava Elis Regina, o povo brasileiro abraçava o seu mito e mostrava o seu amor e dor diante da perda.
O Mito Elis Regina

Confirmada a verdadeira causa da morte, vários depoimentos começaram a surgir, apontando que nos últimos tempos Elis Regina consumia excesso de álcool e drogas. Que experimentara cocaína e maconha em uma viagem aos Estados Unidos, um ano antes da sua morte. Contraditoriamente, Elis Regina foi a “careta” que morreu de overdose.
O “Fantástico”, TV Globo, levou ao ar o clipe da música “Me Deixas Louca” (A. Manzonero – Paulo Coelho), que a cantora gravara especialmente para tema de Luiza (Vera Fischer), personagem central da novela “Brilhante”, de Gilberto Braga, estreada nos últimos meses de 1981 em horário nobre, somente após a sua morte. O programa justificou que o clipe, última gravação da cantora, feita em 3 de dezembro de 1981, não tinha ido antes ao ar por não ter agradado à direção da emissora, que considerou a cantora visivelmente entorpecida. Visto depois da morte, o clipe emocionou, e percebeu-se que o estado etéreo de Elis Regina corria do sublime ao desespero, não só anunciava o fim da mulher, mas ao grito de um ser humano denso, que se explicava somente através da sua arte.

Elis Regina, carinhosamente chamada de Pimentinha pelos amigos, gaúcha nascida em 17 de março de 1945, atirou-se cedo ao mundo da música. Aos 11 anos já se apresentava no programa de rádio Clube do Guri, em Porto Alegre. Aos 16 anos, em 1961, já tinha o seu primeiro álbum gravado, “Viva a Brotolândia”. Já longe de Porto Alegre, Elis Regina ganhou o I Festival de Música Popular Brasileira da TV Excelsior, numa interpretação monumental de “Arrastão” (Edu Lobo), onde movimentava os braços como um moinho de ventos selvagens. Era a cantora na sua essência. Continuou emocionando o Brasil com grandes sucessos. Em vida não vendeu muitos discos, enquanto Maria Bethânia e Gal Costa chegavam ou ultrapassavam as 500 mil cópias, o último álbum em vida, “Elis”, vendeu pouco mais de 52 mil cópias. Mesmo com pouca vendagem, era uma das cantoras mais bem pagas no palco, além de assediada por músicos e emissoras de televisão, estando sempre presente na mídia de então ou em trilhas de novelas. Elis vendeu mais discos depois de morta, e até hoje, é a única cantora brasileira que nunca deixou de ter os seus álbuns comercializados em período algum.
O impacto da morte de Elis Regina pôde ser sentido pela comoção que trouxe milhares de pessoas ao seu velório e enterro. A perda da cantora em 1982 deixou um grande vazio na MPB, justamente quando esta voltava a ter grande força no cenário político e social da nação. A abertura política possibilitou a volta da canção de protesto, tirando das gavetas muitas das que foram censuradas. No álbum “Elis, Essa Mulher” (1979), a cantora gravava a música “O Bêbado e a Equilibrista” (João Bosco – Aldir Blanc), que se iria tornar o hino da Anistia. No grande show de MPB, o primeiro programado depois do atentado à bomba do Rio Centro, em 1981, que se daria poucos dias após a sua morte, o momento programado para ela cantar foi preenchido pela apresentação de João Bosco, com a sua fotografia ao fundo.
O vazio deixado por Elis Regina na história da MPB criou o mito, que por sua vez apagou para sempre o período que se seguiu à revelação das causas da sua morte. Período negro da história da intolerância no Brasil. Hoje parece confuso um
momento como este, mas à altura, ser drogado no regime militar representava o que havia de mais vil na sociedade repressiva e hipócrita de então. A repressão aos entorpecentes levou Gilberto Gil e Rita Lee à prisão em 1976. O Brasil de 1982 ainda trazia os resquícios do preconceito que levou distintas senhoras de família às ruas, de rosários nas mãos, em 1964, a abraçar o golpe militar. Quase três décadas depois da morte de Elis Regina, ficou na lembrança apenas o carinho e a tristeza do povo brasileiro diante da trágica perda da cantora. A sua segunda morte, movida pelo preconceito ao pó que a matou, foi totalmente apagada, ficando apenas na memória daqueles que viveram o drama na época. Elis Regina, a mulher, deu passagem para o mito, perfeito e intocável na extensão da sua voz e do seu talento.

jeocaz.wordpress.com
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