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Selecção e tradução de Júlio Marques Mota
Schengen e a Crise Migratória na Europa
Domenico Mario Nuti
(conclusão)
2. Circular livremente no Espaço Schengen exige a convergência de padrões de vida no seu interior (incluindo benefícios sociais ). Não estranhamente, os migrantes “pé-descalço” que não tenham laços fortes (língua, religião, familiares, amigos) num determinado país, tenderão a escolher o seu destino final com base na percepção de máxima melhoria do seu nível de vida resultante da migração. As perspectivas de emprego afiguram-se primordiais; efectivamente, a teoria tradicional da migração (exemplificada pelo modelo Harris-Todaro, AER 1970, 60-1) relaciona o incentivo para migrar às diferenças salariais entre os países de origem e de destino, ponderadas pela probabilidade de empregabilidade (tomada como 1menos a taxa de desemprego), ao que, naturalmente, se deve acrescentar a melhoria líquida em benefícios sociais. Os imigrantes potenciais podem tender muito a sobrestimar as suas perspectivas de melhoria de rendimentos, uma vez que parecem imaginar-se, a si e aos seus filhos, a conseguirem um emprego remunerado aos melhores salários; este é um dos factores que incentiva as migrações para lá da razão. Quando os ganhos de rendimentos esperados divergem entre diversos destinos potenciais, os países mais atraentes tenderão naturalmente a ficar desproporcionalmente vulneráveis aos fluxos migratórios. Daí o incentivo para os países de destino levantarem barreiras nacionais, e/ou discriminarem os imigrantes no domínio dos benefícios sociais, ou, pura e simplesmente, desmantelar o Estado Social, tanto para os nacionais como para os imigrantes. Mesmo James Meade - um economista liberal esclarecido, que propôs um generoso rendimento básico generalizado – recomendava, a fim de impedir a imigração oportunista, que os imigrantes deveriam ser tratados pelo princípio da reciprocidade, ou seja, desfrutar dos mesmos benefícios, se os houver, que podem ser concedidos aos nossos cidadãos no país de origem dos migrantes. (Objectou-se que uma tal regra poderia ser aplicada a países do mesmo nível de desenvolvimento, tal como Norte-Norte, e talvez Sul-Sul, mas não para as migrações Sul-Norte).
O Reino Unido é um caso a sublinhar. Os benefícios relativamente generosos concedidos aos imigrantes de outros países da UE, incluindo habitação social, direito aos serviços de saúde e subsídios a familiares residentes no estrangeiro, levaram Cameron a tentar negociar com a UE "suspensões de emergência", sujeitando os benefícios a restrições temporais (passando a excluir os imigrantes durante os primeiros quatro anos de residência), ou acesso só para os membros da família que residam no Reino Unido (restringindo possivelmente o reagrupamento familiar ). Cameron teve sucesso nas negociações com a UE nesse tipo de restrições, embora apenas para o futuro e não para os imigrantes existentes, o que, portanto, reforçou a determinação do governo conservador em querer reduzir os benefícios sociais generalizadamente. Entretanto, os imigrantes não europeus no Reino Unido estão obrigados a atingir um rendimento mínimo nos primeiros 5 anos de residência (que acaba de ser elevado de £ 21.000 para £ 35.000, a partir de Abril próximo), sob pena de expulsão no prazo de um ano adicional de permanência. Novas regras responsabilizarão os senhorios no Reino Unido pela verificação dos documentos dos inquilinos, tornando mais difícil encontrar alojamento, não apenas pelos imigrantes sem autorização de residência, mas também por 60% de cidadãos do Reino Unido que não possuem passaporte.
3. Qualquer tentativa de redistribuição justa dos imigrantes entre países exige o restabelecimento das fronteiras nacionais. Em Julho passado, os Ministros do Interior da UE estabeleceram um plano para realocar por toda a UE 40.000 migrantes que estavam na Grécia e na Itália; um adicional de 120.000 realocações foi acrescentado em Setembro, elevando o total para 160.000 (dos quais 54.000 foram adiados para o ano seguinte), com os votos contra da Roménia, Hungria, República Checa e Eslováquia, que se opuseram fortemente ao plano (FT, 25 de Setembro de 2015). Viktor Orbán, Primeiro-Ministro da Hungria, anunciou um referendo sobre se o país deve ser forçado a reinstalar refugiados, com o argumento de que "Introduzir quotas de reinstalação para os migrantes sem o apoio do povo é um abuso de poder"; é improvável que venha a perder esse referendo. Em 28 de Fevereiro, o Papa Francisco defendeu "uma redistribuição equitativa do encargo dos migrantes" (aceitando, assim, que a imigração é um fardo). No entanto, um tal tipo de realocação é inútil, para não dizer absurda, uma vez que com a livre e irrestrita liberdade de circulação de Schengen qualquer imigrante realocado num país diferente do seu destino preferido pode, em qualquer momento, deslocar-se para lá, e, ao fim e ao cabo, fá-lo-á. Na verdade, poderíamos argumentar que mesmo a realocação de migrantes dentro de um determinado país, para ser eficaz, poderia ter que ser sujeita à introdução de “passaportes e controlos internos”, do tipo que existia na União Soviética até 1991, a fim de impedir os imigrantes de se estabelecerem na capital e áreas metropolitanas já sobrelotadas e congestionadas e desviá-los, em vez disso, para áreas menos desenvolvidas e onde haja abundância de habitações e terras baratas subutilizadas.
Em 29 de Fevereiro, Angela Merkel disse-o alto e bom som: “Os migrantes não podem escolher a seu bel prazer onde serão colocados” (Daily Telegraph, 1 de Março). Referia-se à escolha do país, mas a Alemanha é, em boa verdade, peculiar em impor restrições sobre os locais onde os migrantes podem viver, tanto para evitar a formação de guetos nas grandes cidades, como para direcionar os fluxos de migrantes para regiões com pouca população da antiga RDA onde há muita habitação social e falta de jovens trabalhadores. Esta política tinha sido introduzida nos anos 1990 aquando de um grande afluxo de pessoas de família alemã provenientes da antiga União Soviética e da Roménia. Aos imigrantes são-lhes cortados os benefícios sociais se saírem dos locais que lhes foram estipulados. No Reino Unido, aos imigrantes que requerem habitação social e outros benefícios sociais, são-lhes oferecidos apenas nas cinturas industriais das cidades nortenhas.
Este tipo de restrições parece ser necessário para uma absorção mais suave de imigrantes, mas, paradoxalmente, o Tribunal de Justiça Europeu, ao julgar uma queixa de dois sírios sobre os seus requisitos de residência na Alemanha, decidiu, no final de Fevereiro de 2016, que as normas da UE “precludem” (impedem) as regras alemãs, ainda que estas se destinem a “conseguir uma distribuição apropriada dos encargos relacionados com os benefícios”, embora também tenha referido que as pessoas a quem seja concedida protecção subsidiária podiam ser sujeitas a condição de residência “com o propósito de promover a sua integração”. Em todo o caso, os ministros alemães estão a preparar uma lei destinada a alargar as actuais restrições de residência aos refugiados cujos pedidos de asilo tenham sido aprovados, apesar das objecções das associações de refugiados (FT, 1 de Março).
Desintegração? Actualmente, a UE está a ser sujeita a quatro forças centrífugas (ver Munchau, FT de 28 Fevereiro e Javier Lopez em “Europe in Multiple Organ Failure”): uma divergência Norte-Sul sobre os controlos nas fronteiras; outra divergência Norte-Sul sobre a austeridade e o Euro; uma divergência Leste-Oeste sobre a realocação dos migrantes; e as implicações incertas do Brexit, com possíveis efeitos de contágio noutros Estados membros.
É difícil discordar do cientista político de Oxford, Jan Zielonka (Is the EU doomed? Global Futures, Polity Press, London, 2014) quando afirma que "Infelizmente (...), no momento actual, a UE não está a facilitar a integração, mas sim a impedi-la".... "A União Europeia foi generalizadamente considerada como o projecto mais bem sucedido de integração moderna, mas transformou-se num embaraço"(...)."Não admira que tantos cidadãos tenham perdido a confiança na UE e que o processo de desintegração esteja a ganhar movimento". Mas as expectativa de Zielonka de que "um enfraquecimento da UE e dos seus estados membros fortalecerá outros actores políticos, tais como cidades, regiões e organizações não governamentais (ONG)" é muito pouco convincente: a solução, ou mesmo o aliviar, tanto da crise do Euro, como da crise migratória, não pode depender apenas de uma rede de centros de poder descentralizados, mas exigirá um profundo grau de iniciativa e empenho centralizado para uma maior integração. Ver “A Plan for Europe’s Refugees”, The Economist, 6 de Fevereiro:
"A criação de um sistema bem regulamentado requer três etapas. A primeira consiste em refrear os "factores apelativos" que incentivam os migrantes potenciais a arriscar a travessia, através do reforço da ajuda aos refugiados, em especial para as vítimas das guerras civis na Síria e no Iraque, nomeadamente o enorme número de pessoas que fugiram para os países vizinhos, como a Turquia, Jordânia e Líbano1. A segunda etapa é avaliar os pedidos de asilo enquanto os refugiados ainda estão em centros no Médio Oriente ou nos "locais de concentração" (principalmente na Grécia e Itália), para onde vão quando chegam pela primeira vez à UE. A terceira etapa é a de insistir para que os requerentes de asilo fiquem quietos até que seus pedidos sejam tratados, em vez de saltarem para um comboio com destino à Alemanha”. Infelizmente, “Todas estas etapas estão repletas de dificuldades".
As perspectivas podem tornar-se mais claras em breve, depois da próxima cimeira UE-Turquia (7-8 de Março), com as eleições regionais alemães (13 de Março) a serem encaradas como um teste às políticas de imigração de Merkel, bem como da Cimeira da UE sobre as migrações (18-19 de Março).
Parece haver, no entanto, um conflito constitucional entre as normas europeias e internacionais sobre Tratados, revelado pelo recente acordo obtido pelo Reino Unido com todos os outros Estados-Membros sobre as condições especiais negociados por Cameron para o Reino Unido. Diz-se que este acordo foi depositado na ONU e está, portanto, sujeito à jurisdição do Tribunal Internacional de Justiça, qui funciona com normas diferentes das do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, o tribunal competente para aplicar os Tratados europeus. Downing Street alega que o acordo UE-Reino Unido é vinculativo e executório, mas não é claro se qualquer país a que o acordo não tenha agradado possa tentar contestá-lo no Tribunal Internacional de Justiça. Uma crise constitucional deste tipo é a última coisa que a Europa hoje precisa.
Adicional
A cimeira UE-Turquia, de 07-8 Março levou a um projecto de acordo pelo qual a Turquia recebe de volta os imigrantes provenientes da Grécia, a menos que tenham pedido asilo, enquanto a UE receberá um refugiado sírio por cada imigrante aceite de volta. Em troca, a Turquia receberia € 6 mil milhões de ajuda em vez dos € 3 mil milhões prometidos mas ainda não desembolsados, acelerar-se-ia o progresso de adesão da UE, com isenção de vistos para viajar no Espaço Schengen para 75 milhões de cidadãos turcos - caso esta proposta seja confirmada na cimeira da EU sobre migrações, de 17 a 18 de Março, e depois aprovada pelo Parlamento Europeu. A confirmação desses termos pode não ser um dado adquirido. Enquanto isso, a rota dos Balcãs para a Europa está, em teoria, fechada, 50.000 imigrantes estão bloqueados na Macedónia e na Grécia, receando-se um desvio de 140.000 imigrantes para Puglia (Itália) através do Mediterrâneo .
De passagem, sobre os custos e benefícios da migração em massa com especial referencia para o Reino Unido, veja-se o excelente relatório: R.E. Rowthorn’s Report, 2015.
1 Nota do Tradutor. Esta afirmação suscitou-me algumas dúvidas. Questão de tradução, talvez. Questionei amigos meus, gente bem mais batida na língua de Shakespeare que eu próprio, mas ficaram com a mesma dúvida de interpretação que tinha, quanto à interpretação da afirmação da revista The Economist. Solução. questionar o autor do artigo onde a afirmação está inserida, ou seja, Domenico Mário Nuti. Eis, pois a sua resposta: “A (…) citação é de The Economist. Os ingleses gostam de usar expressões coloquiais (factores de pressão no sentido de incentivos para migrar, no sentido de reforçar a imigração, de a tornar mais forte) o que torna a vida mais fácil para os britânicos mas dificulta-a para nós, estrangeiros. Deixe-me parafrasear a passagem em questão, esperando torná-la mais clara:
"O primeiro passo é reduzir os incentivos que levam os migrantes a deixarem o seu país e a arriscarem a travessia, porque na Europa cresce a assistência aos potenciais refugiados no seu próprio país, em especial para as vítimas das guerras civis na Síria e no Iraque, incluindo o grande número dos que fugiram para os países vizinhos como a Turquia, Jordânia e Líbano.
Eu acho que o problema aqui é que The Economist fala de refugiados mas eles deveriam esclarecer que se estão a referir a potenciais refugiados antes de terem deixado o país, e que a Europa (em vez da Síria ) deveria aumentar (beef up) o apoio a dar aos potenciais migrantes a fim de reduzir o seu incentivo à emigração. "
Curriculum Vitae et Studiorum
[Domenico] Mario Nuti is Professor of Comparative Economic Systems, University of Rome “La Sapienza”. E-mail address: nuti@dep.eco.uniroma1.it. Blog “Transition”:http://dmarionuti.blogspot.com/ He graduated in Law (Rome 1962), was a Fellow of the Polish Academy of Sciences in 1962-63 where he worked with Oskar Lange and Michael Kalecki, and obtained his PhD in Economics at Cambridge, England (1970), under the supervision of Maurice Dobb and Nicholas Kaldor. Formerly Fellow of King's College, Cambridge (1965-79); Professor of Political Economy and Director of the Centre for Russian and East European Studies, University of Birmingham (1980-82); Professor of Economics, European University Institute, Florence (1982-90). President of the European Association for Comparative Economic Studies, 2001-2002. Author of numerous publications mostly on comparative economic systems, in particular on the economics of employee participation, the reform of Soviet-type systems and their post-communist transformations. Economic Adviser to the European Commission, DG II, on central eastern Europe (1990-93). Consultant to the World Bank and other international economic organisations. Specialist Adviser to the House of Lords European Communities Committee (1993-1994). Economic Adviser to the Polish Government within the European Union PHARE Programme (1994-1997; 2002-2003). Economic adviser to the Presidential Administration of Belarus, under World Bank (1998) and EC sponsorship (1999). Economic adviser to the Presidential Administration of Uzbekistan, within the European Union TACIS Programme (1999-2000). A Festschrift Volume in his honour, Transition and Beyond, edited by Saul Estrin, Grzegorz W. Kolodko and Milica Uvalic was published by Palgrave Macmillan, London 2007. FOR AN UPDATE AND THE DOWNLOAD OF PUBLICATIONS, SEE http://sites.google.com/site/dmarionuti/
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