A proposta do fundo de Hong Kong, Ample, era mais do que uma "mera manifestação de interesse": Tinha um valor de referência, admitia manter todos os empregos e balcões. O fundo pedia para fazer uma due-diligence que não foi autorizada
Em Maio de 2015, o Governo de Passos Coelho não deu sequência a uma oferta da Ample Harvest Investment Capital (e recusou, então, abrir concurso público) que admitia pagar 700 milhões de euros pelas acções do Estado no Banif, o que se traduziria numa perda de 15% para os contribuintes que, na altura, tinham verbas em risco de 825 milhões. Sete meses volvidos, o banco acabaria por ser alvo de uma resolução pelo actual executivo com um prejuízo para o Tesouro que pode chegar a 3000 milhões.A intenção de aquisição do controlo do Banif pela Ample Harvest Investment Capital não foi até hoje referida em nenhuma das audições da Comissão Parlamentar de Inquérito à venda (ao Santander) e à resolução do Banif. E onde já estiveram a prestar esclarecimentos alguns dos protagonistas do dossier: o actual ministro Mário Centeno, a ex-ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque, o governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, o ex-responsável pela supervisão, António Varela (e ex-administrador do Banif em representação do Estado), e os dois ex-presidentes da instituição, Luís Amado (não executivo), Jorge Tomé (executivo).
A “carta” é do conhecimento de todos e foi enviada em meados de Maio de 2015 ao anterior Governo pelo fundo de Hong Kong, mas não consta sequer da extensa documentação remetida aos deputados pelas várias entidades. Embora não vinculativa, e sujeita a due dilligence, chegou acompanhada da estrutura da operação e do valor de referência da compra de 61% do capital nas mãos do Estado: cerca de 700 milhões de euros. E contemplava todo o perímetro da instituição, como a compra de toda a rede de balcões, a manutenção dos postos de trabalho do Banif e a seguradora Açoreana. Detalhes que não a tornavam uma “mera manifestação de interesse”.
Mas o veredicto foi não dar seguimento à proposta da Ample por se considerar que não era oportuna e implicar à partida uma perda para o Tesouro da ordem dos 15%. Em Maio o dinheiro dos contribuintes em risco no Banif era de 825 milhões, já que dos 1100 milhões de euros que o Estado injectou o banco já tinha devolvido 275 milhões.
Os representantes do Estado no Banif levantaram obstáculos ao pedido da Ample de iniciar uma due-diligence, o que foi aceite pela gestão de Tomé, apurou o PÚBLICO junto de um ex-responsável da tutela. Informação validada por uma fonte não oficial do supervisor. A posição das Finanças foi fundamentada pela deliberação de Dezembro de 2014 que pretendia dividir o banco em dois: num “banco bom”, a vender até final de 2017; num “banco mau”, um veículo especial onde seriam colocados os activos não estratégicos e problemáticos. Um argumento forte, pois a expectativa do Governo e do BdP era que a cisão viesse a valorizar o activo, uma análise que se veio a revelar um erro.
O impasse no tema Banif não é alheio àquela que parecia ser, em Maio de 2015, a grande preocupação: o êxito do concurso público de privatização do Novo Banco (onde o Estado aplicara 3900 milhões) e que enfrentava então sérias dificuldades. O que, aliás, ficou explícito em Setembro, pois não apareceram ofertas firmes. E hoje o banco continua sem ser vendido.
A coincidência de calendários entre o Novo Banco e o Banif e as prioridades políticas terão estado por detrás da opção do anterior executivo, e do BdP, de recusarem abrir um concurso público organizado de venda voluntária do Banif durante o primeiro semestre do ano passado, quando a situação financeira estava aparentemente estabilizada. E que teria possibilitado discutir a proposta da Ample.
Silêncio sobre a Ample
Na CPI Jorge Tomé nunca aludiu à Ample, mas disse, num aparte, que tinha recebido uma proposta com um valor de referência. E estranhamente nada mais adiantou. O PÚBLICO tentou ao longo de todo o dia de ontem entrar em contacto com o gestor, que esteve sempre indisponível.
Este é mais um dos “mistérios” a que CPI terá de dar resposta, até porque a iniciativa do fundo de Hong Kong está devidamente documentada nas Finanças e no BdP.
Nas audições na CPI quer a ex-ministra, quer o governador, quer António Varela deram como explicação para não terem conseguido ao longo dos últimos dois anos vender o Banif o facto de só terem recebido cartas com “meras manifestações de interesse”.
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