Pedro Tadeu no Diário de Notícias
Deram-nos, há 42 anos, o 25 de Abril e a liberdade mas estão, desde então, a tirar-nos poder democrático... Estou a exagerar? Deixo aqui quatro factos como prova.
1. A Segurança Social deixa escapar para o vazio, desde 2005, 8800 milhões de euros por ano, que se perdem na fraude, na evasão contributiva, nas isenções excessivas e em dívida não cobrada, revela o economista Eugénio Rosa.
A população, na verdade, não sabe disto mas pedem-lhe, mesmo assim, que decida a reforma do sistema. Ora, uma maioria enganada não pode tomar decisões verdadeiramente democráticas porque partem de pressupostos falsos.
2. Burocratas da Comissão Europeia negoceiam em segredo um acordo de comércio livre com os Estados Unidos. Ainda ontem o articulista do Financial Times Wolfgang Münchau denunciou aqui no DN esse TTIP: "Um dos seus aspetos mais controversos é que ele reduziria a soberania legal dos parceiros." De facto, em caso de conflito entre empresas e Estados, se o acordo for aprovado, quem fará a justiça não serão os tribunais: serão instâncias arbitrais cujas decisões têm de ser aceites pelos países, mesmo se violarem as suas leis nacionais ou, até, as constituições.
Um Estado impedido de aplicar o direito que burilou ao longo da história não pode proclamar-se democrático porque perdeu dois dos três poderes definidores desse regime: o legislativo e o judiciário.
3. Um eurodeputado queixou-se disto: para consultar em Bruxelas os documentos disponíveis sobre a negociação do TTIP tinha de o fazer numa sala sobreaquecida onde suava as estopinhas. Podia levar uma caneta: nem computador, nem tablet, nem telemóvel nem, sequer, papel! Durante a consulta, o eleito do povo era vigiado por um funcionário que o pressionava, insistentemente, a ser breve... Se elegemos representantes políticos para serem gozados pela burocracia europeia, para que servem as eleições?
4. Escreve o Expresso que o Grupo Espírito Santo pagou durante 20 anos, através de contas offshore, avenças a políticos, autarcas, funcionários públicos, gestores, empresários e jornalistas... Quando o poder político, estatal, local, económico e mediático está a soldo da finança e manipula para esse interesse o processo decisório e a difusão da informação, como podemos acreditar na limpidez do funcionamento das instituições? Como acreditar na democracia?
Ficámos todos contentinhos porque nos deram a liberdade. Podemos dizer mal de quem nos apetecer. Ótimo! Mas, na verdade, após 42 anos, estão a reduzir-nos ao papel de idiotas úteis, palradores inconsequentes, livres sim, mas utilizados para caucionar uma democracia que, se não for mesmo falsa, é, essencialmente, hipócrita.
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