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segunda-feira, 25 de novembro de 2019

O BALDIO DA SERRA DE SERPA, UM TEXTO DE 2017



Até há um século atrás o mais vasto território comunal do país situava-se a Sul na raia de Serpa. O baldio da Serra de Serpa totalizava perto de 40.000 hectares delimitados a Norte pela Aldeia Nova de São Bento, a Sul pelo concelho de Mértola, a nascente pela Ribeira de Chança e Vila Verde de Ficalho e a poente pelo Rio Guadiana. A forma como este baldio desapareceu é um perfeito retrato de como o fim da gestão comunal de um território descrito em 1751 como “um matagal que havia sido anteriormente uma selva natural”, obedecendo à demanda da agricultura intensiva, resultou na desértica aridez dos solos.
O mel serve de narrativa inicial a esta história. Se as abelhas falassem, zumbiriam tal como hoje o drama dos incêndios de mão humana e a perda dos seus horizontes. A acidentada Serra de Serpa era um extenso matagal de azinheiras, sobreiros e vegetação arbustiva com predomínio da esteva, rosmaninho, alecrim, urze, lentisco, sargaço, medronheiro, etc. Aí durante seis séculos o uso comum da lenha e pastos conviveu com uma peculiar concessão privada do uso do baldio que, remontando à Idade Média, foi regulamentada no final do século XV no chamado Aranzel das Malhadas. As 26 malhadas concessionadas somavam perto de 10.000 colmeias, com o cuidado de abarcar em torno de cada malhada uma légua colmeeira para garantia dos pastos florais desse gado do ar.
A sobreposição desses direitos e usos comuns no baldio veio a acentuar-se nos séculos XVII e XVIII. A apicultura comportava uma relação com o pastoreio e a agricultura que colidia na prática incendiária das roças para conquista de terras. Esta é acentuada em 1690 com a instituição do Celeiro Comum de Serpa com o qual se dá início à perda das terras comunais. O arrendar do baldio em troca de um sexto do cereal das roças abriu caminho ao manifesto desprezo dos usos e recursos da serra. Desordenados cortes de madeira e queimadas que levam à infrutífera proibição régia das roças em 1726, para que a serra voltasse a ser terreno baldio, para que se não lavrasse lá e se restabelecesse o seu uso comum. Repetem os Juízes da serra – que haviam substituído a gestão medieval dos homens bons ou homens antigos – a importância de evitar-se cortes de mato e arvoredos das serras.
Em maio de 1775 o povo de Aldeia Nova de S. Bento dirige-se a Serpa, em grande clamor para “se acabar com a prática de alguém ter eitos na Serra de Serpa ou de possuir o usufruto de parte dela, pois deveria ficar totalmente para pastos comuns a utilizar por todos”. Quatro anos depois reclamam, com respeito pelos direitos das malhadas, que tão pouco lhes deveria ser impedido colocar as suas colmeias ao pé das moitas.
Somado ao não pagamento dos foros, chega a surgir em 1897 a proposta de uma Colónia Militar Agrícola e Disciplinar na Serra de Serpa. A questão no século XIX era a falta de trigo e o aumento demográfico. Dessa pressão resulta o aforamento do baldio em lotes. E rapidamente à Câmara de Serpa surgem disputas entre vizinhos e freguesias e a soberba de proprietários. Em 1904, uma firma de Lisboa pretende abarcar o aforamento da Serra de Serpa, que aprovado inicialmente veio a ser anulado judicialmente face à onda de protestos. Em 1906, inicia-se por fim a desamortização do maior baldio do país.
Uma iniciativa que rapidamente se revelou desastrosa para os povos e lucrativa para as grandes famílias que concentram a propriedade. Contra qualquer lógica sã e natural, cabe a um empreiteiro de obras públicas de Serpa impor uma grelha geométrica que resultará em 5516 lotes de 6 hectares, sendo às malhadas concedidos 18 hectares. Da ilusão mercantilizada e colonizadora resultou a destruição dos pastos comunais e afetada a riqueza secular das abelhas. Sorteadas as terras, seguiu-se a intensificação da cultura cerealífera. Resta na paisagem as ruínas dos montes. Sol de pouca dura em terras pobres. Esgotados os solos, as glebas foram vendidas e abandonadas aos grandes proprietários.
Caía por terra a ilusão da propaganda agrária que desmantelou o baldio, uma terra comum com lugar à concessão de malhadas respeitando a natureza do lugar. A diabolização modernista do Portugal inculto inscrito na política nacionalista da agricultura nunca quisera ouvir os ensinamentos do voo do gado do ar. Já não restam muitos matos por onde este andaria. Mas fica o convite feito, com início num conjunto de roteiros pedestres do concelho de Serpa, a descarregar no site municipal e de que destacamos o PR3 – Vila Verde de Ficalho (12,6 km), para reler de outro modo a paisagem do outrora baldio da Serra de Serpa.



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