Entre 12 e 15 mil pessoas a cantar o Bella Ciao, a canção adotada pela resistência antifascista em Itália, numa praça a rebentar pelas costuras -- ou como sardinhas em lata -- em Bolonha para "abafar" um comício de Matteo Salvini.
Foi assim que a 14 de novembro nasceu o movimento que se autodenominou de "sardinhas", surpreendendo o país e o mundo -- e os próprios impulsionadores do protesto, que não esperavam as mais de 12 mil pessoas que acorreram à chamada.
Quatro dias depois, repetiram o feito em Modena, também no norte de Itália e na mesma região, a Emilia-Romagna, tradicionalmente um bastião da esquerda e que Salvini, o ex ministro da Admistração Interna e líder do partido de extrema-direita Liga anunciou querer "libertar" nas eleições de 26 de janeiro (nas quais se decidirá o governo da zona).
Dessa vez apareceram "só" sete mil sardinhas. Seguiu-se, a 23, Reggio Emilia, com oito mil sardinhas e a 24 Rimini, onde Salvini foi inaugurar o quartel-general do partido na região, com um cardume de sete mil.
Bella Ciao fez sempre parte da ementa da sardinhada. Em Rimini cantou-se também Romagna Mia e comentou-se que a última vez que a praça central da cidade estivera tão cheia fora no funeral de Frederico Fellini, nascido na cidade, em 1993. O diário La Reppublica descreve assim: "Dez dias após a primeira manifestação histórica de Bolonha, hoje, segundo as estimativas, eram sete mil os manifestantes. À praça Cavour chegaram famílias, jovens e anciães, que fizeram rodar uma sardinha azul gigante onde se lia "Isto é a Romagna".
Nos cartazes estava escrito "Salvini para ti só margarina na piadina [pão achatado típico da zona, semelhante à pita do Médio Oriente]" e "Mais sardinhas, menos capitoni [palavra que significa simultaneamente enguia grande ou cobra e militar romano, ou seja figurão]"".
A praça é nossa, a política é nossa, gritou um dos promotores do movimento, Mattia Santori, ainda segundo o diário italiano. "Tudo partiu de uma ideia e as ideias nascem no cérebro. O cérebro é a maior resposta ao populismo de direita e à retórica do ódio. A Romagna é da Liga? Não parece. Salvini provocou-nos dizendo que viria à praça, mas não tem cá lugar porque nós enchemos todas as praças."
"Como o limite deles estava definido, decidimos convocar seis mil pessoas para a Piazza Maggiore", contou Andrea ao Guardian . "Afinal apareceram entre 12 e 15 mil. Eram de todas as idades, apertadas como sardinhas em lata, sob a chuva. A presença delas foi uma mensagem de oposição ao ódio que a extrema-direita está a tentar trazer para a nossa região. Salvini diz que a Emilia-Romagna precisa de ser libertada da esquerda. Mas a Itália toda foi libertada dos poderes do mal no fim da Segunda Guerra. Não precisamos de ser libertados, somos um povo livre e como pessoas livres estamos a juntar-nos para defender os valores básicos da democracia que estão sob ataque."
O movimento, cuja página de Facebook se intitula 6000 sardines, rapidamente se espalhou pela Itália após o sucesso da primeira flash mob ou ajuntamento anti-Liga. Na zona da Costa Amalfitana, no sul do país, as sardinhas mudaram de nome para fravaglie, o nome na zona para os peixes muito pequenos, servidos fritos como os nossos biqueirões ou petingas. "É um conceito ainda mais belo", diz ao Corriere della Sera o chef Michele Esposito, uma das caras do movimento na zona. "As fravaglie são ainda mais pequenas e podem apertar-se ainda mais, estar ainda mais juntas que as sardinhas." Em cada cidade italiana surgem núcleos promotores das sardinhadas. Em Florença, onde Salvini vai a 30 de novembro, a cara é a de Bernard Dika, de 21 anos, que foi representante dos millennials no Partido Democrático sob o ex-primeiro-ministro Matteo Renzi: "Sem bandeiras nem petardos [são proibidas bandeiras partidárias nestes ajuntamentos], estaremos juntos como simples cidadãos por uma Toscana que não se Liga."
Na página de Facebook, um texto publicado este domingo apresenta o movimento, dirigindo-se aos inimigos: "Caro populista, já percebeste. A festa acabou. Durante muito tempo esticaste a corda dos nossos sentimentos, Puxaste demasiado por ela e partiu-se. (...) Somos já centenas de milhares e estamos prontos a dizer-vos basta. Fá-lo-emos nas nossas casas, nas nossas praças e nas redes sociais. Repetiremos a nossa mensagem até te enjoarmos.
Porque seremos os que não pararemos até convencer os nossos vizinhos, a nossa família, os nossos amigos e conhecidos de que por muito tempo andaste a mentir-lhes. E podes estar certo de que vamos convencê-los. Vamos arrastar-te para longe das tuas águas turvas e do teu porto seguro. Somos as sardinhas e estamos em todo o lado. Bem-vindos ao mar aberto."
"Temos tantas datas marcadas. Todos os dias há mais cinco ou seis praças marcadas em toda a Itália. Já há 30 marcadas e juntar-se-ão umas 15 ou 20. Esperamos conseguir fazer tudo até 14 de dezembro que será a data final desta primeira fase, em Roma", diz Santori ao La Reppublica. "Mas é um objetivo de curto prazo, porque sabemos que destas praças nasce uma energia. Vimo-la em Bolonha e queremos que as pessoas, noutras partes de Itália, sinta a mesma emoção, a mesma coisa, para sentir-se parte de uma comunidade, que não é uma comunidade fluida, mas física.
Salvini, como nota a Reuters, ainda não conseguiu encontrar uma estratégia eficaz para lidar com o cerco das sardinhas e tem evitado na Emilia-Romagna, onde teve 34% nas europeias enquanto os seus aliados na coligação tiveram 10%, os comícios de rua em que teve tanto sucesso noutras regiões. "É muito giro estar a olhar todo o dia para o Google para ver para onde vou e qual o local para organizar um protesto contra mim. Mas tenho fé de que vamos ganhar na Emilia-Romagna", disse o líder da Liga recentemente.
Mas Santori tem esperança de que Salvini esteja enganado: "Somos um cardume de sardinhas. Somos muito mais que os tubarões."
E as sardinhas nadam até bem longe. Além da lista impressionante de datas italianas no Facebook do movimento, há um ajuntamento marcado em Amesterdão. E no domingo 200 pessoas juntaram-se em Nova Iorque, em Washington Square.
Foi assim que a 14 de novembro nasceu o movimento que se autodenominou de "sardinhas", surpreendendo o país e o mundo -- e os próprios impulsionadores do protesto, que não esperavam as mais de 12 mil pessoas que acorreram à chamada.
Quatro dias depois, repetiram o feito em Modena, também no norte de Itália e na mesma região, a Emilia-Romagna, tradicionalmente um bastião da esquerda e que Salvini, o ex ministro da Admistração Interna e líder do partido de extrema-direita Liga anunciou querer "libertar" nas eleições de 26 de janeiro (nas quais se decidirá o governo da zona).
Dessa vez apareceram "só" sete mil sardinhas. Seguiu-se, a 23, Reggio Emilia, com oito mil sardinhas e a 24 Rimini, onde Salvini foi inaugurar o quartel-general do partido na região, com um cardume de sete mil.
Bella Ciao fez sempre parte da ementa da sardinhada. Em Rimini cantou-se também Romagna Mia e comentou-se que a última vez que a praça central da cidade estivera tão cheia fora no funeral de Frederico Fellini, nascido na cidade, em 1993. O diário La Reppublica descreve assim: "Dez dias após a primeira manifestação histórica de Bolonha, hoje, segundo as estimativas, eram sete mil os manifestantes. À praça Cavour chegaram famílias, jovens e anciães, que fizeram rodar uma sardinha azul gigante onde se lia "Isto é a Romagna".
Nos cartazes estava escrito "Salvini para ti só margarina na piadina [pão achatado típico da zona, semelhante à pita do Médio Oriente]" e "Mais sardinhas, menos capitoni [palavra que significa simultaneamente enguia grande ou cobra e militar romano, ou seja figurão]"".
A praça é nossa, a política é nossa, gritou um dos promotores do movimento, Mattia Santori, ainda segundo o diário italiano. "Tudo partiu de uma ideia e as ideias nascem no cérebro. O cérebro é a maior resposta ao populismo de direita e à retórica do ódio. A Romagna é da Liga? Não parece. Salvini provocou-nos dizendo que viria à praça, mas não tem cá lugar porque nós enchemos todas as praças."
Quatro amigos contra os "poderes do mal"
Santori, economista, é um dos quatro amigos de Bolonha que inventaram as sardinhadas. Os outros são Andrea Garreffa, licenciado em Ciências da Comunicação e guia turístico, Roberto Morotti, engenheiro, e Giulia Trappoloni, fisioterapeuta. A ideia surgiu-lhes perante o anúncio de Salvini de que ia encher todas as praças de Itália com os seus apoiantes. A sua coligação de direita, que ganhou todas as cinco eleições regionais que tiveram lugar em Itália este ano, lançou a campanha na Emilia-Romagna com um comício marcado para um estádio com capacidade para 5.700 pessoas."Como o limite deles estava definido, decidimos convocar seis mil pessoas para a Piazza Maggiore", contou Andrea ao Guardian . "Afinal apareceram entre 12 e 15 mil. Eram de todas as idades, apertadas como sardinhas em lata, sob a chuva. A presença delas foi uma mensagem de oposição ao ódio que a extrema-direita está a tentar trazer para a nossa região. Salvini diz que a Emilia-Romagna precisa de ser libertada da esquerda. Mas a Itália toda foi libertada dos poderes do mal no fim da Segunda Guerra. Não precisamos de ser libertados, somos um povo livre e como pessoas livres estamos a juntar-nos para defender os valores básicos da democracia que estão sob ataque."
O movimento, cuja página de Facebook se intitula 6000 sardines, rapidamente se espalhou pela Itália após o sucesso da primeira flash mob ou ajuntamento anti-Liga. Na zona da Costa Amalfitana, no sul do país, as sardinhas mudaram de nome para fravaglie, o nome na zona para os peixes muito pequenos, servidos fritos como os nossos biqueirões ou petingas. "É um conceito ainda mais belo", diz ao Corriere della Sera o chef Michele Esposito, uma das caras do movimento na zona. "As fravaglie são ainda mais pequenas e podem apertar-se ainda mais, estar ainda mais juntas que as sardinhas." Em cada cidade italiana surgem núcleos promotores das sardinhadas. Em Florença, onde Salvini vai a 30 de novembro, a cara é a de Bernard Dika, de 21 anos, que foi representante dos millennials no Partido Democrático sob o ex-primeiro-ministro Matteo Renzi: "Sem bandeiras nem petardos [são proibidas bandeiras partidárias nestes ajuntamentos], estaremos juntos como simples cidadãos por uma Toscana que não se Liga."
Na página de Facebook, um texto publicado este domingo apresenta o movimento, dirigindo-se aos inimigos: "Caro populista, já percebeste. A festa acabou. Durante muito tempo esticaste a corda dos nossos sentimentos, Puxaste demasiado por ela e partiu-se. (...) Somos já centenas de milhares e estamos prontos a dizer-vos basta. Fá-lo-emos nas nossas casas, nas nossas praças e nas redes sociais. Repetiremos a nossa mensagem até te enjoarmos.
Porque seremos os que não pararemos até convencer os nossos vizinhos, a nossa família, os nossos amigos e conhecidos de que por muito tempo andaste a mentir-lhes. E podes estar certo de que vamos convencê-los. Vamos arrastar-te para longe das tuas águas turvas e do teu porto seguro. Somos as sardinhas e estamos em todo o lado. Bem-vindos ao mar aberto."
"Temos tantas datas marcadas. Todos os dias há mais cinco ou seis praças marcadas em toda a Itália. Já há 30 marcadas e juntar-se-ão umas 15 ou 20. Esperamos conseguir fazer tudo até 14 de dezembro que será a data final desta primeira fase, em Roma", diz Santori ao La Reppublica. "Mas é um objetivo de curto prazo, porque sabemos que destas praças nasce uma energia. Vimo-la em Bolonha e queremos que as pessoas, noutras partes de Itália, sinta a mesma emoção, a mesma coisa, para sentir-se parte de uma comunidade, que não é uma comunidade fluida, mas física.
Salvini, como nota a Reuters, ainda não conseguiu encontrar uma estratégia eficaz para lidar com o cerco das sardinhas e tem evitado na Emilia-Romagna, onde teve 34% nas europeias enquanto os seus aliados na coligação tiveram 10%, os comícios de rua em que teve tanto sucesso noutras regiões. "É muito giro estar a olhar todo o dia para o Google para ver para onde vou e qual o local para organizar um protesto contra mim. Mas tenho fé de que vamos ganhar na Emilia-Romagna", disse o líder da Liga recentemente.
Mas Santori tem esperança de que Salvini esteja enganado: "Somos um cardume de sardinhas. Somos muito mais que os tubarões."
E as sardinhas nadam até bem longe. Além da lista impressionante de datas italianas no Facebook do movimento, há um ajuntamento marcado em Amesterdão. E no domingo 200 pessoas juntaram-se em Nova Iorque, em Washington Square.
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