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quarta-feira, 6 de novembro de 2019

6 de Novembro de 1919: Nasce a poetisa Sophia de Mello Breyner Andresen




 Ficheiro:Sophia Mello Breyner Andersen.png


Retrato de uma princesa desconhecida

      Para que ela tivesse um pescoço tão fino
Para que os seus pulsos tivessem um quebrar de caule
Para que os seus olhos fossem tão frontais e limpos
      Para que a sua espinha fosse tão direita
         E ela usasse a cabeça tão erguida
    Com uma tão simples claridade sobre a testa
Foram necessárias sucessivas gerações de escravos
     De corpo dobrado e grossas mãos pacientes
     Servindo sucessivas gerações de príncipes
         Ainda um pouco toscos e grosseiros
            Ávidos cruéis e fraudulentos

         Foi um imenso desperdiçar de gente
        Para que ela fosse aquela perfeição
           Solitária exilada sem destino


          Sophia de Mello Breyner Andresen


Poetisa e ficcionista, nascida em 1919, natural do Porto, frequentou o curso de Filologia Clássica na Universidade de Lisboa. O seu nome encontra-se ligado ao projeto Cadernos de Poesia, tendo colaborado ainda, ao lado de nomes como o de Jorge de Sena, David Mourão-Ferreira, Ruy Cinatti, António Ramos Rosa, entre outros, entre a década de 40 e 50, em várias publicações, como Távola Redonda e Árvore, que marcaram, na história da literatura contemporânea, a busca de uma terceira via, a do objeto literário em si enquanto projeto intrinsecamente humanista, num panorama literário dividido, até meados do século, entre o princípio social e o princípio estético do objeto artístico. 

Autora também de traduções, a sua obra recebeu os mais reconhecidos prémios literários, dos quais se destacam, por exemplo, o Prémio Vida Literária da Associação Portuguesa de Escritores, em 1994, o Prémio Camões e o Prémio Pessoa, ambos em 1999, e o Prémio Rainha Sofia da Poesia Ibero-Americana, em junho de 2003. Desde a publicação de Poesia, em 1944, Sophia afirma-se no panorama da literatura nacional com uma conceção de poesia que, sem deixar de dar continuidade a uma tradição lírica que passa por autores como Camões ou Teixeira de Pascoaes, recupera valores da cultura clássica, funde-os com um humanismo cristão, para contrapor um tempo absoluto a um "tempo dividido", numa aspiração à comunhão do homem com uma natureza de efeito lustral, produzindo uma impressão global de atemporalidade e de inexauribilidade da escrita. 

O privilégio da essencialidade, da unidade, implica ainda a consciência de que a literatura só cumpre a sua função social e de desalienação do homem quando repudia uma cultura de separação e persegue a "inteireza", "o verdadeiro estar do homem na terra", quando "estabelece a relação inteira do homem consigo próprio, com os outros, e com a vida, com o mundo e com as coisas" (cf. comunicação lida no 1.º Congresso de Escritores Portugueses, in O Nome das Coisas, 1977, p. 76). Deste modo, a poesia de Sophia de Mello Breyner Andresen não deixa de relevar de um sentido ético, radicado num sentido cristão da existência, que impõe à escrita o assumir de uma função social, na denúncia da injustiça, da desigualdade, de qualquer tipo de alienação ou atropelo à dignidade humana, quer em volumes poéticos de maior empenhamento como Livro Sexto, quer em algumas das belíssimas narrativas de Contos Exemplares, como o conto "O Jantar do Bispo" ou "O Homem". 

Por outro lado, a poesia de Sophia vem resolver o impasse que as cisões do modernismo tinham imposto à palavra poética e apresentar-se como a evolução possível para a escrita poética pós-Pessoa, na medida em que "Enquanto em Pessoa a aspiração à unidade como totalização subjetiva coincide com um movimento de multiplicação e divisão [...], em Sophia a dispersão corresponde a um movimento, não subjetivo, que encontra plenitude em cada coisa, pois a plenitude está na relação e não na totalização por uma subjetividade". (LOPES, Silvina Rodrigues - Poesia de Sophia de Mello Breyner Andresen, Lisboa, ed. Comunicação, 1989, p. 22). Política, católica, helénica, a poesia de Sophia remete o homem para um espaço utópico que, comparável ao lugar buscado pelo casal que protagoniza o conto alegórico 
'A Viagem' (in Contos Exemplares), não deixa de corresponder à imagem mais perfeita de uma felicidade humana terrena e possível desde que o homem contemporâneo readmita a sua fidelidade ao tempo, às palavras, à natureza, às coisas: "Ali parariam. 
Ali haveria tempo para poisar os olhos nas coisas. 
Ali poderiam respirar devagar o perfume das roseiras. Ali tudo seria demora e presença. 
Ali haveria silêncio para escutar o murmúrio claro do rio. Silêncio para dizer as graves e puras palavras pesadas de paz e de alegria. 
Ali nada faltaria: o desejo seria estar ali.

" Aprendizagem da simplicidade, a arte poética perfilhada por Sophia "É uma poética da experiência, da necessidade de mergulhar de olhos abertos e retirar da diversidade, profusão, estranheza, a forma simples e perfeita que é o poema. 
Sem que simplicidade e perfeição anulem em absoluto o caos, matriz de todas as formas" (LOPES, Silvina Rodrigues, op. cit., p. 44) ou, segundo as suas próprias palavras, numa das várias "artes poéticas" que formulou: "A poesia não me pede propriamente uma especialização pois a sua arte é a arte de ser. 
Também não é tempo ou trabalho o que a poesia me pede. Nem me pede uma ciência, nem uma estética, nem uma teoria. Pede-me antes a inteireza do meu ser, uma consciência mais funda do que a minha inteligência, uma fidelidade mais pura do que aquela que eu posso controlar. 
Pede-me uma intransigência sem lacuna. Pede-me que arranque da minha vida que se quebra, gasta, corrompe e dilui uma túnica sem costura. 
Pede-me que viva atenta como uma antena, pede-me que viva sempre, que nunca durma, que nunca me esqueça. Pede-me uma obstinação sem tréguas, densa e compacta. // pois a poesia é a minha explicação com o universo, a minha convivência com as coisas, a minha participação no real, o meu encontro com as vozes, as imagens." ("Arte Poética II" in Antologia, Lisboa, 1968, p. 231.).

Foi casada com o advogado e jornalista Francisco Sousa Tavares, de quem teve cinco filhos. Esteve desde cedo ligada a movimentos de luta anti-fascista, tendo sido uma notória ativista contra o regime salazarista: apoiou, com o marido, a candidatura do General Humberto Delgado; subscreveu o "Manifesto dos 101", um documento da autoria de um grupo de ativistas católicos contra a guerra colonial e o apoio da Igreja Católica à política do Governo de Salazar; fundou e integrou a Comissão Nacional de Apoio aos Presos Políticos; e, depois do 25 de abril, foi Deputada à Assembleia Constituinte. Desde sempre, foi público o seu apoio à causa timorense.

Na sua obra, que inclui, para além da poesia, a literatura infantil - sobretudo contos - e o ensaio, coexistem referências marcantes e recorrentes como o mar e a praia, a infância e a família, e ainda a civilização grega, reflexo da sua cultura clássica e da sua paixão por aquele país.
Sophia de Mello Breyner Andresen faleceu a 2 de julho de 2004, em Lisboa.







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