1. Depois de ver uma «onda de reclamações» em 20 queixas de pais, por falta de vagas no pré-escolar e no 1º ciclo, a jornalista Clara Viana decide dar nota de um «estudo» do Observador Cetelem para concluir, sem pestanejar, que a «maioria das famílias vai dispensar manuais gratuitos». Realizado por uma empresa de crédito ao consumo, o dito «estudo» é basicamente um amontoado de enviesamentos (como assinalou Bárbara Reis num texto de leitura imprescindível), tornando impossível qualquer encontro com a realidade. De facto, ao contrário das conclusões a que a Cetelem chega («97% [dos inquiridos] prefere adquirir livros novos»), «mais de 90% das famílias» elegíveis tem optado por «receber os manuais oferecidos pelo ministério da Educação» (como lembra Bárbara Reis).
2. Depois de fazer eco, sem pestanejar, de um dos «furos» mais repugnantes da história do jornalismo português, o Semanário Sol chama a destaque de capa, no passado sábado, um alegado «mistério» que envolveria a casa de férias de João Galamba, arrendada ao Estado pela mãe (falecida há poucas semanas), através de concurso público. O que falta de matéria jornalística sobeja, em falta de tudo, à dita «notícia»: da mais elementar sensibilidade e razoabilidade ao mais básico critério editorial, digno desse nome.
3. Que uma empresa de crédito ao consumo amanhe um «inquérito» em linha com os seus interesses, mesmo que em contra-mão com a realidade, entende-se. Que uma jornalista reproduza, sem qualquer espírito crítico, os resultados desse inquérito, já se entende menos. Mas o que é mesmo difícil de entender, tanto no caso da «dispensa de manuais» como do «mistério da casa» do Semanário Sol, é como é que este tipo de «notícias» ou «reportagens» passa incólume pelo crivo da direção de um jornal. Será que passou realmente a valer tudo, mesmo tudo?
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