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sexta-feira, 31 de agosto de 2018

SOBRE A REFORMA AGRÁRIA (António Gervásio)




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SOBRE A REFORMA AGRÁRIA
(António Gervásio)

Camaradas e amigos, agradeço o convite para partcipar nesta iniciatva.
1 – A reforma agrária foi a conquista da revolução de Abril mais avançada e mais à esquerda, a realização democrática que mais mexeu com a vida dos trabalhadores e das populações locais. 
Não há tempo para fazer desenvolvimentos.


A figura histórica de Vasco Gonçalves, militar de Abril, viveu o fervor da reforma agrária. Foi um impulsionador de a terra a quem a trabalha! Muitas UCP’s, nos campos do Alentejo e Ribatejo, foram baptizadas com o nome “Companheiro Vasco”. 
Em vida visitou grande parte das UCP’s. Foi um primeiro ministro da reforma agrária eintransigente na sua defesa.
Álvaro Cunhal, apaixonado e conhecedor da reforma agrária, um destacado lutador da terra a quem a trabalha, afirmava com profunda convicção: “A reforma agrária é a mais bela conquista da revolução portuguesa”!





A reforma agrária de Abril foi um processo muito discutido, com muita organização,rápido, não encontrou oposição de outros trabalhadores nem das populações locais.
Não foi “um roubo de terras”, “um fracasso”. A bandeira da “terra a quem a trabalha”já vinha de trás, na luta sem tréguas pelo pão, pela liberdade, pelo derrube do fascismo. 
Não caiu aos trambolhões com o 25 de Abril. O processo da reforma agrária portuguesa não tem outro igual. Não nasceu à procura de modelos nos manuais de economia ou noutras reformas agrárias. 

A reforma agrária de Abril criou o seu modelo,
de acordo com as realidades nacionais. Realizaram-se plenários, muita discussão e organização.
Nos campos do sul, a reforma agrária ganha força, ganha convicção. As forças progressistas, no governo, na assembleia da república e na rua empurram o avanço da reforma agrária. 

Por outro lado, as forças de direita no aparelho de Estado travavam
tudo a quatro rodas para a reforma agrária não avançar, a lei não sair! A reforma agrária passa ao lado do governo, avança para a ocupação dos latifúndios incultos.


2 – Em meados de 1974 os agrários agudizam a sua contra-revolução: despedem os trabalhadores, recusam dar emprego. Recusam aceitar cumprimento dos contratos colectivos de trabalho. Deixam estragar as culturas, deixam morrer gado à fome e à sede. Esvaziam as albufeiras. Fogem com máquinas e gado para fora da região,verdadeira sabotagem económica. A luta de classes agudiza-se. 
Surgem muitas interrogações: 

Que fazer? Surgem nos meses de Outubro/Novembro as primeiras
ocupações de latfúndios como resposta à ofensiva dos agrários – herdade do Cuteiro,

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Donas Maria (Beja); herdade do Picote e anexos (Montemor-o-Novo; )Sousa da Sé
(Évora) e outras.

Não era o avanço da reforma agrária, mas eram sinais. A pressão da reforma agrária crescia. O PCP convoca a 1ª Conferência dos trabalhadores agrícolas do Sul em 9 de Fevereiro de 1975, em Évora. Participam mais de 4000 delegados e muitos convidados.
Participaram membros do governo, militares de Abril, delegações sindicais, organizações camponesas de todo o País, delegações camponesas de Angola,Moçambique. Guiné-Bissau, Brasil, Espanha e várias outras. No Rossio de Évora juntam-se mais de 30.000 pessoas para assistir ao comício e encerramento da conferência,para ficarem a saber o que foi discutido e decidido.
O debate de um dia foi vivo. O slogan constante levantado era “avante com a reforma agrária, a terra a quem a trabalha”.


No comício, quando um dirigente da organização afirmou que a Conferência decidiu avançar para a ocupação dos latifúndios, ouviu-se um estrondo de 30.000 pessoas!
Esta Conferência marca o avanço da reforma agrária de Abril em Portugal, pela primeira vez na história do País!


3 – Quando falamos em rapidez e organização, vejamos: a seguir à Conferência houve um espaço de tempo para ver as herdades a ocupar, ver os colectivos de trabalhadores
a formar para construir as UCP’s. Foi um espaço relato de muitas reuniões e plenários, de discussão. Como dirigir colectivos de muitas dezenas e centenas de trabalhadores e centenas de milhares de hectares de terra, era uma tarefa que assustava. 

No início não se conhecia as UCP’s. Falava-se de “herdades colectivas”.
Depois de muita discussão retirou-se a herdade colectiva e criou-se a “Unidade Colectiva de Produção” (UCP), organismo eleito, com estatutos, dirigente das UCP’s.


Vejam a rapidez do processo:

Em Julho de 1975, 6 meses depois da Conferência, estavam ocupados 500 000 ha. A Lei
da reforma agrária saiu em 29 de Julho de 1975, com metade das ocupações feitas.
Nos começos de 1976, cerca de um ano depois da realização da Conferência:


Estavam ocupados 1.140.000 ha,
Criadas 550 UCP’s,
Criados mais 50.000 postos de trabalho.

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Nos dois primeiros anos, antes da grande ofensiva, eis os sucessos alcançados da reforma agrária:


Área semeada, mais 139%;
Máquinas e alfaias, mais 169,6%;
Regadio, mais 126%;
Cabeças de gado, mais 112%;
Postos de trabalho, mais 50.000;
Acabou o fagelo do desemprego;
Acabou com o latifúndio em muitos concelhos.

Agarrou-se rápido os caminhos da mecanização, regadio, pecuária, novas culturas,produção forrageira, estufa, aumento da produtividade por unidade: arroz, tomate, milho por hectar, leite por animal e outras.
As UCP’s criaram novas estruturas para servir as populações, nomeadamente:


Centros de Dia para idosos,

Creches e jardins de infância para os filhos dos trabalhadores, transportes para os seus trabalhadores de casa para o trabalho e vice-versa,

Criaram-se cooperativas de consumo, talhos, padarias, adegas, lagares, hortas colectivas, mercados da reforma agrária com produtos de melhor qualidade e mais baratos, para servir as populações.

4 – Em alguns casos, as herdades ocupadas só tinham terras incultas e mato. Eram UCP’s pobres, sem máquinas, sem sementes, sem água, sem gado, sem habitações.

Houve experiências extraordinárias. As UCP’s mais ricas juntaram-se com as suas máquinas, lavraram e semearam as terras dessas UCP’s pobres.

Em muitas UCP’s os trabalhadores emprestaram dinheiro, nos primeiros tempos, às suas UCP’s para comprar máquinas, gado, sementes e alfaias.
Nos primeiros tempos, antes da grande ofensiva, as UCP’s começam a estabelecer relações comerciais com pequenos agricultores do norte e centro, venda e compra de
palha e fenos e outros. Um conjunto de UCP’s do distrito de Portalegre , foram ceifar, grátis, o arroz de pequenos agricultores da zona da Figueira da Foz. Um acto desolidariedade que colheu grande simpatia.

5 – A reforma agrária de Abril colheu uma ampla simpatia, adesão e solidariedade, no País e fora de fronteiras. Milhares de pessoas, homens, mulheres e jovens, em excursões e transportes próprios, deslocavam-se para os campos do Alentejo e do Ribatejo a ver o avanço da reforma agrária, sobretudo nos fins de semana, oferecendo jornadas de trabalho voluntário. Formaram-se grupos de médicos, nos fins de semana,dando apoio clínico às populações locais. 

Grupos de artistas cantores, oferecendo boa
música aos homens e mulheres da reforma agrária, artistas como Ary dos Santos Samuel Quedas, Lopes Graça, Vitorino, Janita Salomé, Adriano Correia de Oliveira Manuel Freire e vários outros. 




A reforma agrária de Abril ganhou grande parte da
opinião pública do nosso País e além fronteiras. A União Soviétca (ainda então socialista) ofereceu á reforma agrária portuguesa cerca de 250 máquinas agricolas (Outubro de 1976). A RDA, Bulgária, Hungria, Roménia e Checoslováquia ofereceram tractores e alfaias agrícolas. 

Na Holanda capitalista um grupo de holandeses, amigos
da reforma agrária de Abril, elaboram um pedido ao parlamento holandês no valor de milhares de contos (moeda antiga) para comprar uma oficina mecânica e oferecê-la à reforma agrária. 
 Foi aceite. (Outubro de 1976). Essa oficina foi instalada emMontemor-o-Novo para servir as UCP’s.



No nosso País, zonas industriais, como Mague (Alverca), Sorefame (Lisboa), Siderurgia (Seixal), Arsenal do Alfeite (Almada) e outras da zona do Porto ofereceram tractores e alfaias agrícolas, a sua solidariedade à reforma agrária. Extraordinária solidariedade.

A reforma agrária trouxe grandes melhorias na vida aos trabalhadores agrícolas dos campos do sul. Nascia um Mundo novo nos campos do sul! Sem a ofensiva destruidora, os campos do Alentejo e do Ribatejo seriam, hoje, uma região
forescente.

6 – A reforma agrária de Abril trouxe experiências novas. Importa estudá-las. Como as UCP’s – Unidades Colectivas de Produção, com órgãos dirigentes, eleitos pelos trabalhadores, com Estatutos, iniciativa, capacidade e disciplina no trabalho, organização na produção. A ofensiva travou o “avanço da mais bela conquista da
revolução Portuguesa”.

As Conferências anuais da Reforma Agrária.

Ao longo de 14 anos realizaram-se 12 conferências, todas em Évora, nos pavilhões do Rossio.
Cada conferência era um grande acontecimento polítco nos campos do sul, ligado à produção agrícola. Envolvia milhares de trabalhadores. A sua preparação ocupava meses de trabalho.

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As suas realizações atraíam milhares de pessoas do País e do estrangeiro. Eram balanços de produção, análise, propostas, novos planos. As Conferências foram outra criação nova da reforma agrária de Abril.

Ao longo de 14 anos realizaram-se, também, vários encontros de cultura. Aumentar a produção era uma preocupação constante.
A reforma agrária era uma realização que envolvia um amplo trabalho de organização.

Alguns exemplos:


Comissão da reforma agrária junto do CC;
Comissão regional dos 5 distritos do sul;
Secretariado regional da reforma agrária (unitário);
Secretariados distritais da reforma agrária (unitários);
Secretariados concelhios da reforma agrária (unitários);
Comissão organizadora das conferências da reforma agrária (unitária);
Secretariados de células das UCP’s (Partdo).

Álvaro Cunhal acompanhou activamente o percurso da reforma agrária. Ao longo de 14 anos ele visitou a grande maioria das UCP’s, algumas muitas vezes.
Participou em todas as conferências da reforma agrária (12). Sem o PCP não teria havido reforma agrária de Abril.



7 – A OFENSIVA DESTRUIDORA.

O avanço rápido do processo da reforma agrária, a crescente simpatia e adesão do povo português, a solidariedade, os êxitos alcançados na produção e organização, em pouco tempo, etc., assustaram as forças de direita e da política
de direita. Daí não ficarem à espera. Alteraram a Lei 406-A para a Lei 77/77 (Lei Barreto). Mobilizaram poderosas forças militarizadas com chaimites, jeeps, cães-policias, cavalos, metralhadoras e aviões, pensando que acabariam com a
reforma agrária em poucos meses. Enganaram-se, a resistência prolongou-se cerca de 14 anos.
Em 1986, 10 anos de ofensiva destruidora tinham roubado e destruído às UCP’s:


720.000 hectares de melhores terras;
230 UCP’s destruídas e muitas outras deixadas à beira da morte;
247.000 cabeças de gado roubadas;
53.000 postos de trabalho destruídos, um golpe mortal!
Mais de 2000 trabalhadores espancados e feridos;




Dois trabalhadores mortos a tro, em 27 de Julho de 1979, António
Casquinha, 17 anos, e José Geraldo (Caravela), 57 anos, na UCP
Bento Gonçalves, Montemor-o-Novo, numa luta em defesa de um
rebanho de vacas.




A reforma agrária foi destruída pelas forças de direita, utilizando armas pesadas. Sem as armas não teriam destruído a reforma agrária! Em 1990 a reforma agrária estava praticamente destruída. O que restava já não era reforma agrária! Repetimos: A reforma agrária não falhou! Ela foi destruída pelas forças poliítcas de direita com armas na mão apontadas!

8 – PORTUGAL PRECISA DA REFORMA AGRÁRIA.

A ofensiva não destruiu só a reforma agrária, destruiu igualmente a
agricultura nos campos do sul. Voltaram os latifúndios, a terra está mais concentrada e inculta. Voltou o desemprego. Os campos do sul
despovoaram-se. Hoje, a população nos campos do sul é sensivelmente igual há de 100 anos atrás. Não há investimento nem desenvolvimento. As vilas e aldeias dos campos do sul estão despovoadas, reduzidas a população idosa.
Quem passa pelas ruas só vê, pratcamente, casas velhas e vazias.
As herdades dos campos do sul cheias de mato, cheias de cercas de arame farpado e coutadas. As estradas de terra com séculos de vida foram charruadas, destruídas. Não se pode atravessar as herdades de uma zona para a outra, não há caminhos, é proibido passar.
Hoje, em geral, as herdades têm uns rebanhos de gado, subsidiados com dinheiro europeu. Um feitor, com jeep ou cavalo, dá a volta às herdades, muda o gado de uma cerca para outra.
O Alentejo está enxameado com olivais de produção intensiva, na sua maioria dos espanhóis, e o terreno também foi comprado pelos capitalistas espanhóis!
O grande lago do Alqueva não serve os campos do sul, rega os olivais espanhóis e corre para o oceano...
Os campos do sul e Portugal de Abril precisam da reforma agrária, precisam de um governo democrático, de uma política de esquerda ao serviço do Povo e do País. Esse passo está nas mãos do Povo Português!

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Mas não tenhamos ilusões! Com governos de direita, com polítcas de direita, com governos contra, não há reforma agrária. É a nossa experiência ao vivo.
Não é uma questão de não gostar da reforma agrária, é uma questão de classe. Estes governos ao serviço do capital, curvados à União Europeia, não vão mexer no latifúndio e entregar a terra a quem a trabalha! Sem a
liquidação do latfúndio não há reforma agrária no País!
As grandes extensões de olivais espanhóis de produção intensiva, o aumento de algumas vinhas, não nos devem tapar os olhos, esconder a realidade viva!
A reforma agrária não está esquecida, continua a ser uma bandeira de todas as forças progressistas do País, uma sentida aspiração dos trabalhadores e populações do sul e do nosso Povo. 

A luta continua...

A REFORMA AGRÁRIA É NECESSÁRIA!

A TERRA A QUEM A TRABALHA!


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