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quarta-feira, 29 de agosto de 2018

18 de Janeiro de 1934 – Os dias em que Silves parou


Artigo publicado na edição nº 64, janeiro de 2006presos de silves





















Instalado no poder, um dos objectivos de Salazar, foi o de tentar dissolver os sindicatos livres existentes, substituindo-os por sindicatos nacionais, controlados pelo regime. Contra esta medida levantou-se em Portugal um amplo movimento de contestação, que culminaria com a decisão dos trabalhadores em organizar uma Greve Geral.
A 18 de Janeiro de 1934 a greve geral tem início, em várias localidades do País, com destaque para a Marinha Grande, Silves, Barreiro e Almada.

Reprimida duramente, a greve geral resultou em várias prisões e encerramento de fábricas. Salazar, que no final do ano anterior, em 1933, atirara já para a prisão os principais opositores ao regime, incluindo militares, não hesita com os operários.
Após o 25 de Abril, a importância do 18 de Janeiro de 1934 começou a ser realçada, sobretudo na Marinha Grande, onde foi construído um monumento evocativo da data.

Em Silves, no entanto, esta data tem sido ignorada, não estando também devidamente estudado o papel dos operários corticeiros da cidade na greve de 1934. Mas alguns trabalhos recentes de investigadores universitários confirmam que os acontecimentos na cidade corticeira foram do maior relevo para a história nacional e do movimento de resistência ao fascismo.
Dia 18 de Janeiro
Na altura dos acontecimentos, Silves conta com cerca de 10 mil habitantes e constitui um importante centro corticeiro, onde se encontravam instaladas fábricas rolheiras e de recortes, cuja produção se destinava quase exclusivamente aos mercados externos, em particular aos de França e Alemanha. Existiriam então 23 empresas, de pequena dimensão, já que só uma ultrapassa a centena de trabalhadores, e cerca de 880 corticeiros.

È em finais de 1933 que se inicia a preparação do movimento grevista que, em Silves, é organizado por dois grupos diferentes. Por um lado, estão vários operários ( e não só), militantes ou simpatizantes do Partido Comunista; do outro, o grupo de libertários e anarquistas. Apesar das suas diferenças de opiniões e do combate que travam nos sindicatos para o seu domínio, ambos os grupos apoiam a realização da greve geral, a “Greve Geral Revolucionária”, como fica conhecida.

Comunistas e anarquistas reúnem-se na noite do dia 17 de Janeiro, separadamente, para prepar as acções do dia seguinte. 

Mas, enquanto os comunistas decidem esperar o sinal de que a greve se está a concretizar em todo o País, o grupo de anarquistas empreende sozinho a sua acção.
No dia 18 de madrugada, avançam para a primeira operação: o derrube de postos telegráficos e telefónicas, com o consequente isolamento de Silves. Mas seja porque uma parte dos que estão destacados para tal missão falham, seja porque se atrapalham os postes de um dos lados da cidade ficam por derrubar. 

De qualquer forma, o corte das comunicações marca o desencadear do movimento na cidade.

A não chegada do comboio a Silves às 7 horas da manhã, é outro dos momentos decisivos. Convencidos de que os ferroviários também tinham aderido a greve, os anarquistas passam à fase seguinte. Grupos de anarquistas, alguns deles armados de pistolas, revólveres e bombas, percorrem as fábricas de Silves instigando os operários a abandonar o trabalho.

Quando os líderes sindicais entram nas fábricas e apelam à greve, o operariado que entrara à hora habitual abandona os postos de trabalho de forma unânime. 

Quando as notícias dos acontecimentos chegam ao governo, é para informar que em Silves “todos os operários” estavam em greve. Ou seja, a greve, além de envolver os operários da indústria da cortiça, teria alastrado a outros sectores.

Esvaziadas as fábricas, enchem-se as praças e as ruas mais importantes de Silves. É para a sede da antiga Associação de Classe dos Operários Corticeiros que dirigentes e grevistas se dirigem.
A presença dos grevistas na ruas leva a GNR a estabelecer um serviço de patrulha, forças de cavalaria e infantaria são colocadas nas ruas, sem que isso intimide os operários. 

Na posse de um respeitável arsenal, os anarquistas preparam-se para uma das acções que haviam projectado: o ataque ao quartel da GNR.

No entanto, essa intenção é perturbada pela entrada na estação do comboio que deveria ter chegado a Silves às 7 horas da manhã. 

A sua chegada significa que a greve não está a ter a amplitude que os grevistas imaginavam.

Também a GNR se apercebe da implicação da chegada do comboio, “passando logo ao ataque, a bater e a prender as pessoas”. 

A repressão é imensa. Aos trabalhadores não resta outra solução senão a de abandonarem as ideias de sublevação, mantendo-se apenas em greve.

Ao fim do dia o administrador do concelho manda afixar um edital em que intimida os operários a retomarem o trabalho, no dia seguinte, dia 19, pede aos proprietários do comércio que reabram os seus estabelecimentos e impõe o recolher obrigatório a toda a população a partir das 21 horas. 

Tal como sucedeu na Marinha Grande e em Almada, os patrões são notificados para que laborem normalmente no dia 19 e para que forneçam às autoridades não só a identificação dos operários que abandonaram o trabalho no dia 18, como a dos que vierem a fazê-lo no dia 19.
A noite chega com a polícia no encalço dos principais responsáveis pela greve.
O outro dia
No dia 19 de Janeiro, as fábricas abrem as suas portas como de costume mas cedo se verifica uma situação insólita: cerca de duas centenas de operários não comparecem ao trabalho.

Ao início da tarde, a situação torna-se ainda mais estranha quando os operários que tinham comparecido na parte da manhã, resolvem abandonar o seu posto de trabalho. Às 14h30, um telegrama informa o ministro do Interior de que parte dos operários que em Silves tinham retomado o trabalho voltaram a abandoná-lo.

No mesmo dia reúne o Conselho de Ministros a fim de fazer o ponto da situação, sobretudo das que se vivem em Almada e Silves, e o governador civil de Faro recebe ordens para nomear elementos militares a fim de conduzirem as investigações. Assim, enquanto a manutenção da ordem pública, as buscas e as prisões, continuavam a cargo da GNR, a direcção das investigações passa para foro militar.

A 20 de Janeiro de 1934 Silves acorda “sob rigorosa vigilância militar”, a secção da GNR é reforçada com elementos vindos de Faro e Monchique.
Perante esta situação, as autoridades esperariam decerto que os operários regressassem às fábricas. Mas, surpreendentemente, os corticeiros de Silves não comparecem nas fábricas.

O jornal “Século” noticia: “ As fábricas de Silves continuam paralisadas e estão inactivos cerca de mil operários”, afirmando que se “mantém paralisadas desde quinta –feira, por não terem comparecido ao trabalho os respectivos operários, as várias fábricas de cortiça desta cidade”.
E mais não diria o jornal nos próximos dias, em virtude da censura.
Mas em Silves a situação continua complicada. No dia 21, por ser domingo, não se trabalha nas fábricas, mas no dia 22 de Janeiro, os operários mostram-se dispostos a regressar às fábricas. 

Mas agora são os patrões que estão impedidos de os aceitar, por imposição do governo que pretende castigar os grevistas, determinando que não possa voltar a trabalhar quem tenha participado da greve. 

O problema é que em Silves a greve teve a adesão de todos, pelo que não há quem os substitua.

De facto, o governo escolhe Silves para dar o exemplo, sendo aqui muito mais rigoroso do que fora noutras localidades como Barreiro, Sines e Almada.

E as fábricas em Silves continuam fechadas.
Cria-se assim uma situação insustentável para os operários, que não recebem os seus salários, e para os industriais que não podem abrir as suas fábricas. 

Descontentes, os patrões enviam uma delegação ao ministro do Interior, mostrando que as ordens governamentais originaram o “encerramento de todas as fábricas”, que a “substituição desses operários se torna praticamente impossível num meio pequeno como é Silves” e que dessa “paralisação de trabalho resultam para a indústria prejuízos graves” e que estão impedidos de cumprir “sérios compromissos tomados tanto no País como no estrangeiro”.

Não obstante estes apelos, o governo está disposto a castigar os grevistas de Silves sem contemplações, e até finais de Janeiro a situação permanece inalterada.

Finalmente, ao fim de 21 dias de encerramento, o que correspondia à mesma quantidade de dias sem trabalho e sem salário, o governo permite que as fábricas reabram, cedendo aos variadíssimos apelos dos industriais.
Os presos da greve
Como resultado da repressão, são presos muitos operários. A prisão, que na altura era no Castelo de Silves, enche-se, mas por pouco tempo. Levados a julgamento, 35 trabalhadores de Silves, pertencendo 12 ao grupo comunista e 23 ao grupo anarquista, são considerados culpados e transferidos para Angra do Heroísmo. 

A maioria, que na altura dos acontecimentos é muito jovem, cumprirá 12 anos de cadeia, em condições absolutamente inumanas que trarão a morte e a doença a muitos.
Entre os operários de Silves destacam-se, António Estrela, Joaquim dos Santos Caetano, José Gonçalves Rita, Manuel Simão, Abatino da Luz Rocha, António Feodor, Miguel Chucha, Domingos Passarinho, Daniel Pincho, Casimiro da Silva, Carlos Maria, Francisco Marques, António Baptista, Virgílio Aço, Manuel Pessanha, Pedro Baptista, Virgílio Barroso, José do Carmo, José Passarinho.

Mas para o governo a prisão não era castigo suficiente. Um exemplo disso foi o que aconteceu aos operários que foram presos mas posteriormente absolvidos pelo tribunal. Ao regressarem a Silves, às suas casas, foram impedidos de o fazer pelo administrador local, Salvador Gomes Vilarinho, pelo que tiveram de abandonar a cidade com as suas famílias procurando trabalho noutros locais.
Por outro lado, o governo fascista nunca esqueceria a grandeza da greve de 1934 em Silves e empregou todos os meios ao seu dispor para levar as empresas corticeiras a abandonarem a cidade ou a fecharem as portas, como aconteceu com a firma J.A. Duarte, Lda, que empregava 500 operários e cuja falência foi praticamente imposta pelo governo.
Progressivamente, a pressão governamental foi produzindo os seus efeitos e a maioria dos operários acabaria por se deslocar para outros centros corticeiros como Cova da Piedade, Barreiro, Alhos Vedros, onde persistem até hoje grandes comunidades de silvenses.
Mas a resistência em Silves, essa, não acabou com as prisões de 1934. Apesar do governo ter destruído praticamente o grupo de anarquistas, um novo grupo de resistentes, liderados pelo PCP, encabeçou a luta dos operários e a resistência antifascista, que foi sempre permanente nesta cidade, apesar das sucessivas prisões, até ao 25 de Abril de 1974.

Nota: Para escrever este artigo, foi necessário consultar várias fontes, nem sempre coincidentes em números, nomes, e relato dos acontecimentos, pelo que não é de excluir alguma falha, pela qual antecipadamente peço desculpa. Penso que muito haverá ainda por descobrir, estudar e divulgar no que respeita à história do operariado de Silves e do restante concelho, e este artigo não tem qualquer pretensão além a de dar a conhecer aos nossos leitores os acontecimentos da greve de 18 de Janeiro de 1934 em Silves.
Agradeço particularmente a Edmundo Estrela que me facultou um vasto dossier, com os artigos de José Luís Cabrita “ Silves – Lutas sindicais e anti-fascistas”; a parte respeitante a Silves do livro “Sindicatos contra Salazar – A revolta do 18 de Janeiro de 1934”, da investigadora Fátima Patriarca; o artigo de Alfredo Canana publicado no Diário de Lisboa em 1980, “ A propósito de uma efeméride que se aproxima – O 18 de Janeiro em Silves”; bem como ampla documentação pertencente a seu pai, António Estrela, um dos operários que interveio na greve e que esteve preso durante 12 anos; assim como as fotos e fichas policiais que aqui se reproduzem.


www.terraruiva.pt

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