FUTEBOLISTAS EM FUGA
Durante a greve estudantil de 1962, uma das medidas tomadas contra a Associação Académica de Coimbra foi a nomeação de uma comissão administrativa para a gestão da equipa de futebol, que também entrou em greve, não se apresentando para jogar contra o Beira-Mar a 5 de Maio. O comunicado oficial sobre o assunto rezava assim: «O desafio não se realizou hoje por circunstâncias muito especiais que não se deseja constituam precedente».
O jogador angolano Daniel Chipenda (1931-1996), que se transferira do Benfica para a Académica, estava na mira da PIDE por suspeitas de simpatia pelo MPLA. Levado de carro pelo seu patrício Santana, que continuava a jogar no clube encarnado, foi mandado parar a caminho da Figueira da Foz. Santana protestou e invocou o seu estatuto de bicampeão europeu, mas teve de esperar até chegar pelo telefone a informação de que uma busca pidesca ao seu quarto no Lar do Benfica dera em nada. Chipenda chega a ir preso, mas é libertado depois de manifestações estudantis.
Aproxima-se o fim do campeonato e aumentam as pressões sobre a Briosa para se apresentar em campo no último jogo da época, a disputar com o Sporting. O capitão Mário Wilson, futuro treinador do Benfica, diz que têm de ser os jogadores a decidir. E quando estes votam «sim», Chipenda fica furioso e decide desertar. Pega na sua mulher e nos companheiros de equipa Araújo, França e José Júlio e fogem para o Algarve, onde pagam umas dezenas de contos a um arrais para os levar de traineira para Marrocos, porta para a guerrilha do MPLA.
Conta-se que, em 1967, quando Chipenda comandava o sector de leste de Angola, mandou suspender as operações do MPLA porque ouvira dizer que do lado da tropa portuguesa estava o seu ex-camarada da Briosa, Jorge Humberto, com quem estava preocupado. Desistente do MPLA depois do 25 de Abril, acabaria por regressar ao partido em 1992.
1964/66
O INSPECTOR QUE CONSPIRAVA PELO BENFICA
A crónica da relação dos atletas do Benfica com a PIDE não se fica pelos casos Chipenda e Santana. Também o guarda-redes Costa Pereira e o médio Coluna eram considerados politicamente suspeitos por serem ambos moçambicanos. E Coluna era casado com a angolana Fernanda, que nem a polícia sonhava ser simpatizante do MPLA e sua discreta financiadora.
Costa Pereira é mais que uma vez chamado à António Maria Cardoso, sobretudo depois de, em 1964, se ter encontrado com o seu conterrâneo Marcelino dos Santos antes de um jogo do Benfica em Praga. Também ficou famoso um ralhete a Coluna no regresso de um jogo em Praga mas pela Selecção, a contar para o apuramento do Mundial de 1966. Durante um breve encontro com estudantes angolanos exilados, o jogador deu-lhes roupa, dinheiro e bilhetes para o jogo. Chamado no regresso a Lisboa, disse-lhe o inspector que o ouviu: «Se eu não fosse benfiquista você estava completamente lixado. Veja lá no que se mete…».
Nem todos tinham esta bonomia. Referindo-se a Casimiro Monteiro, o inspector Rosa Casaco, chefe da brigada que assassinou Humberto Delgado, classificava assim o seu subordinado: «Um facínora, esse Casimiro, isso era verdade. Matava a torto e a direito. Mas era um patriota exacerbado…».
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