Selecção e tradução de Júlio Marques Mota
A Itália deve abandonar a zona euro. A Itália tem urgência em salvar a sua economia
Jean-Luc Gréau[1], L’Italie doit sortir de l’euro. Il ya urgence si elle veut sauver son économie
Revista Causeur.fr, 29 de Dezembro de 2016
A rejeição da reforma proposta por referendo, em 4 de dezembro, puniu desta forma toda a política de ajustamento económico e social de Matteo Renzi imposta pela sua pertença à zona euro. Basicamente, o povo italiano intuitivamente partilhou a nossa análise: o país não pode restabelecer a sua situação económica através da aplicação das chamadas reformas estruturais. A aposta estúpida e suicida da manutenção na moeda única está já francamente perdida.
O fracasso nas urnas veio na pior altura. O governo de transição, instalado após a demissão de Matteo Renzi enfrenta uma falência não declarada do sistema bancário. Este é um governo sem legitimidade que deve tratar desta falência sob o olhar arrogante da Chancelaria de Berlim, que assumiu o poder na Europa durante a crise do euro. A sua responsabilidade ultrapassa as fronteiras da Itália: um resgate bem-sucedido seria eliminar a ameaça de uma nova crise na zona euro, subjacentes à crise bancária. Um falhanço poderia pôr em causa a experiência do euro. Poderia também, tendo em conta a importância económica da Itália, a terceira maior economia da zona euro, provocar um terremoto comparável ao da falência do Lehman Brothers e de vários outros bancos de ambos os lados do Atlântico. Algumas pessoas pensam que o banco de Siena, Monte dei Paschi (2), que está no centro do furacão, poderia entrar na história, da mesma forma que o Lehman Brothers.
Podemos salvar os bancos italianos?
Recordemos os dados da falência bancária: 360 mil milhões de créditos de cobrança duvidosa ou impossível, uma vez que 200 mil milhões se referem mesmo a cobrança muito complicada senão mesmo impossível, consistindo principalmente de empréstimos para pequenas e médias empresas. Os créditos de cobrança difícil estão avaliados em 16% do total: a Itália está imediatamente a seguir à Grécia (47%), que sobrevive graças a um gotejar de liquidez constante da Europa, mas pior que a Espanha (6%), cujos bancos salvaram-se no entanto ao custo de injeções de 60 mil milhões de fundos públicos espanhóis e europeus. Oito bancos estão em causa, entre os quais o famoso Monte dei Paschi já citado, terceiro banco na Itália pela importância da sua atividade. No dia seguinte ao referendo de 4 de dezembro, a sua nacionalização estava na ordem do dia.
Mas porque é que não se poderia fazer com a Itália o mesmo que se fez com a Espanha? Bastaria, segundo os peritos contabilísticos especializados, 70 ou 80 mil milhões de euros de fundos públicos. Formalmente, existem dois obstáculos.
Um obstáculo financeiro primeiro: a Itália também apresenta a segunda maior dívida pública europeia, ou seja 133 por cento do PIB, logo a seguir à Grécia que tem uma divida de 200% do PIB! Um substancial resgate levaria a uma nova deriva da dívida pública que enormes esforços de austeridade já consentidos não conseguiram reduzir, pela falta de crescimento económico.
Mas há também um obstáculo político: a zona euro está sujeita desde 1 de janeiro de 2016 a novas regras da união bancária. Regras que incluem uma devastadora inovação: não podem ser injetados fundos públicos a menos que, previamente sejam imputadas perdas aos credores dos bancos que se quer resgatar, em conformidade com uma regra imposta por Berlim. No entanto, o que são os credores? Os outros bancos que emprestaram a estes mesmos bancos que se quer resgatar mas também e especialmente aos seus clientes, que subscreveram empréstimos a seu favor! São milhões, os italianos que depositaram a sua confiança nos seus bancos como parte de uma política de poupanças que é uma especificidade da península na Europa. Na Itália, país de baixa fertilidade, os rendimentos da poupança aparecem como um complemento da pensão futura. Portanto, a partir deste dado qual é o governo que se atreveria a impor perdas substanciais à massa de clientes dos bancos?
O Fundo Europeu de Estabilidade que permitiu a manutenção no euro da Grécia, Irlanda, Portugal, Espanha e Chipre, poderia ser um último recurso. Deveria, no entanto, obter o consentimento das autoridades europeias, colocado sob a supervisão de Berlim. Ora, a opinião pública alemã não quer de modo nenhum que a sua economia venha a resgatar a dos seus vizinhos em situação de falência. Consequentemente, o resgate do banco aparece problemático a partir do duplo ponto de vista financeiro e político.
O caminho da cruz da Itália
As elites económicas, políticas e mediáticas italianas assemelham-se às nossas. Elas andaram a fazer de fanfarrões da globalização feliz, até a ascensão da China, após a sua entrada na OMC, em 2001. Mas a economia italiana, é ainda mais centralizado do que a nossa sobre a produção industrial de forte intensidade de mão-de-obra, e não resistiu ao ataque de concorrentes mais baratos na Ásia, ou mesmo de alguns países mediterrânicos.
O euro tem desempenhado um papel duplamente arrasador: impedindo tanto a desvalorização face aos seus concorrentes de todo o mundo como face à Alemanha. É a cruz que a Itália tem levado nos ombros durante todo o seu calvário que começou em 1999. A produção italiana per capita voltou ao seu nível de 1997. Enquanto isso, a Itália, como os Estados do Sul da Europa e a França, acumulou défices comerciais relativamente à Alemanha que atingem um total de 359 mil milhões de euros, enquanto a Alemanha tem à sua frente 754 mil milhões de euros de créditos sobre todos os seus parceiros na zona euro! Toda a gente compreenderá imediatamente que a vizinha Itália não tem senão uma alternativa: carregar a Cruz até a crucificação final, sob o olhar dos legionários merkelianos ou rejeitá-la.
Uma passagem do ano sem champagne
Na véspera da passagem do ano, para 2017, é o destino imediato do banco Monte dei Paschi que mais importa. O BCE acaba de a puxar o sinal de alarme sobre “a brutal deterioração da posição de liquidez” do banco de Siena. O ‘buraco’ na contabilidade é largamente superior ao que foi anunciado pelos dirigentes, as retiradas dos depositantes totalizam 20 mil milhões de euros desde 1 de Janeiro, incluindo 2 mil milhões desde 1 de Dezembro. São necessárias decisões urgentes.
Uma coisa é certa: na noite de S. Silvestre os dirigentes italianos não irão abrir garrafas de champanhe.
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[1] Agradecemos ao autor e à revista Causeur a disponibilização deste texto para ser editado na língua de Camões.
(2) Criado em 1472, será o banco mais antigo do mundo moderno.
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Leia o original na revista Causeur.fr clicando em:
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