PCP promove Audição Pública
«Crise, austeridade e aumento da pobreza infantil: realidades e saídas»
O PCP realizou, no dia 22 de Janeiro, uma Audição Pública subordinada ao tema «Crise, austeridade e aumento da pobreza infantil: realidades e saídas», com o objectivo de ouvir associações, organizações e figuras públicas, intervenientes diários nesta matéria. «Num contexto de profunda crise económica e social e de agravamento contínuo desta realidade, é fundamental ouvir aqueles que todos os dias, no terreno, com a sua intervenção, lutam para defender os direitos das crianças, e combater a pobreza e a exclusão social», afirmou, antes do início desta iniciativa, Rita Rato, deputada à Assembleia da República, que acompanha as matérias relacionadas com os direitos das crianças e jovens.
Na mesa desta iniciativa, que se realizou na Assembleia da República, estiveram Rita Rato, Paulo Loya, do Comité Central e da Comissão de Assuntos Sociais, Fernanda Mateus, da Comissão Política e responsável pelas Áreas Sociais, e Bernardino Soares, presidente do Grupo Parlamentar e da Comissão Política do PCP.
A abrir os trabalhos, Rita Rato alertou para a «profunda crise económica e social com que o País está confrontado», assim como para o «seu contínuo agravamento», que «tem tido impactos brutais na vida de milhares de famílias», particularmente sobre as crianças e jovens. A deputada avançou, por isso, com alguns números - referidos por diversas organizações sociais, escolas e hospitais pediátricos - que dão conta de situações de carências alimentares graves, de condições mínimas de sobrevivência e do aumento do número de crianças e jovens em risco.
Na área metropolitana de Lisboa, por exemplo, metade dos alunos do pré-escolar e do 1.º ciclo são abrangidos pelo escalão «A» e «B» da Acção Social Escolar (rendimentos mensais de referência até 419 euros) - mais 50 mil crianças em que 2007. Por outro lado, desde Agosto de 2010, cerca de 70 mil crianças perderam o abono de família e muitos milhares viram o ser valor reduzido. A estas situações, segundo a Sociedade Portuguesa de Pediatria, junta-se o facto de cada vez mais famílias terem dificuldades em cumprir as necessidades básicas das crianças, e a Ordem dos Nutricionistas dá mesmo conta de uma quebra de dez por cento na venda de leite artificial para crianças até um ano e de 6,6 por cento em crianças até três anos. Já o Hospital de Loures informou que em apenas nove meses surgiram mais de 60 casos de maus-tratos, 70 por cento deles físicos, denunciados através de professores. Paralelamente, duplicou o número de bebés retidos nos hospitais, por incapacidade da família assegurar o superior interesse da criança e, informou o Ministério da Educação e Ciência, mais de 13 mil crianças estão sinalizadas nas escolas com carências alimentares.
Fome envergonhada
Problemas e situações que foram denunciados por organizações, associações, entidades e personalidades, que, com o seu exemplo, ajudaram a compreender e a analisar o problema, de modo a que o PCP continue a intervir no plano legislativo com propostas que possam garantir o respeito e a dignidade na vida das crianças e jovens.
Manuel Marcos, em representação da Comissão de Protecção a Crianças e Jovens (CPCJ) de Sintra Oriental e da Federação das Associações de País do Concelho de Sintra, foi o primeiro a intervir, tendo informado que os problemas assinalados referem-se às crianças com mais de 12 anos. «Há crianças que vão para a porta dos refeitórios e que não entram por vergonha», salientou, acrescentando que estão já detectadas, pelas instituições a que pertence, cerca de 500 famílias abaixo do limiar da pobreza e «com muitas dificuldades».
A Audição contou ainda com o testemunho de Armando Leandro, da Comissão Nacional de Protecção de Crianças e Jovens em Risco, que, na sua intervenção, afirmou que «não há qualidade humana sem qualidade na infância» e que «não há qualidade de desenvolvimento sem qualidade humana». «Esta é uma questão prioritária que nos deve preocupar a todos e que exige uma atitude emergencial. Não podemos permitir que as crianças tenham fome», sublinhou.
Ana Gonçalves, da Associação Portuguesa de Famílias Numerosas, falou da necessidade de «conhecermos as causas desta crise, que também têm a ver com a falta de crianças e de jovens no País». «É muito frequente falarmos das consequências da falta de crianças e jovens, mas esquecemos toda uma outra situação que compromete todo o crescimento económico do País, que passa pela criação de emprego. O nascimento de 20 novas crianças pode significar o emprego de mais um professor, mais vendas de produtos. Tudo isto gera riqueza económica», destacou, lamentando, por outro lado, o aumento do «número de famílias com rendimentos diminutos», mas também o número de famílias a «quem foram cortados todos os apoios», por serem «consideradas ricas». «É dramático que muitas famílias estejam a cortar na alimentação para fazer face a despesas fixas e indispensáveis», considerou.
«Sopa dos pobres»
Alberto Marques, da Santa Casa da Misericórdia de Alhos Vedros, informou que existem, no mundo, mais de 202 milhões de desempregados. «Enquanto não apostarmos num País com mais emprego, melhores condições, mais bem-estar, andamos só a tapar buracos», salientou. Sobre o anúncio, por parte do ministro da Solidariedade e da Segurança Social, de que existem aproximadamente 600 cantinas sociais em Portugal, que se apelidam de «sopa dos pobres», Alberto Marques referiu que os portugueses ficavam «contentes se o ministro informasse que era encerrada a última cantina social, porque já não eram necessárias».
Mário Coelho, de Setúbal, falou dos reflexos da crise e da fome nos internamentos hospitalares. «Cada vez mais sentimos as mães pressionadas para não estarem junto dos filhos enquanto eles estão internados. É o medo do desemprego, a pressão das entidades patronais», criticou.
Já Florindo Paliotes, da União Distrital das IPSS de Setúbal, manifestou a sua certeza de que a «fome» e as «carências» vão agravar-se em 2013. «A nível nacional, as IPSS atingiram o seu limite e uma fase critica. Algumas instituições entrarão, a curto prazo, em insolvência», anteviu.
De Sintra veio a sugestão de uma maior aposta em políticas que salvaguardem e conciliem o trabalho com a família. «Todas as crianças, a partir dos três anos, deverão ter acesso à educação pré-escolar, bem como a estruturas comunitárias em que o desporto e a cultura sejam dinamizados, como forma de ocupação dos tempos livres dos mais jovens», afirmou Rui Ramos, da Assembleia de Freguesia de Agualva e do CPCJ de Sintra Oriental.
Por seu lado, Fernando Nobre deu a conhecer que a Fundação AMI possui 17 equipamentos espalhados pelo País e ilhas, que acompanham 4160 crianças. No seu entender, as causas da crise provêm do «aumento do desemprego, da precariedade, dos baixos salários, dos cortes nos abonos, nos subsídios de inserção e de desemprego», o que faz «que cada vez mais famílias portuguesas mergulhem no cenário da pobreza e da exclusão social». «Os orçamentos das famílias estão cada vez mais limitados e dai resultam insuficiências para as necessidades básicas, como adquirir material escolar, alimentação, vestuário, medicamentos, consultas médicas e transportes».
Destruição do Estado Social
A Audição prosseguiu com a intervenção de Célia Portela, da CGTP-IN. «As denominadas políticas de austeridade promovidas pelo Governo, às quais se juntam a destruição do Estado Social, num momento em que é fundamental que assuma as suas responsabilidades, e não que delas se demita, são profundamente injustas e estão a levar à asfixia da maior parte das famílias, afectando a generalidade de quem vive e trabalha no nosso país», acusou a sindicalista, que deu conta de um estudo da UNICEF, em que «27 por cento das crianças portuguesas vivem com insuficiências económicas, percentagem que se agrava para 46,5 por cento no caso das crianças que vivem em agregados mono-parentais».
Também Francisco Bartolomeu, presidente da Junta de Freguesia da Ramada, criticou a política que tem sido seguida nos últimos anos, que tem gerado «situações completamente lamentáveis». «Constato que as crianças à segunda-feira apresentam uma sofreguidão enorme, e, nos refeitórios escolares, repetem tudo o que lhes põem à frente», ilustrou.
Relatos semelhantes foram trazidos por Maria do Carmo Borges, do Agrupamento de Escolas Miradouro de Alfazina, no Monte da Caparica. «É um agrupamento com todo o tipo de carências. Quando falamos de pobreza infantil falamos da pobreza das famílias, que não conseguem pagar o prolongamento escolar, um par de óculos para os seus filhos. Devido ao aumento brutal das rendas sociais, as famílias estão asfixiadas e não conseguem assumir os seus compromissos», alertou.
Para além de José Britos, da Associação «O Companheiro», que tem desenvolvido a sua actividade na óptica da inserção social de pessoas reclusas e ex-reclusas, de Adílio Costa, da Câmara de Palmela, de Maria João Ataíde, do Programa Prioridade às Crianças – Cáritas Portuguesa, de Gabriel Ramos, da CPCJ de Moura, interveio Robertina Pinela, da Câmara de Santiago do Cacém, município com 1048 quilómetros quadrados, bastante disperso, com 11 freguesias, que muito contribuiu, entre 1975 e 1985, segundo dados da Escola de Saúde Pública, para a diminuição da mortalidade infantil. «Aos dias de hoje, e ao arrepio daquilo que é a política do Poder Central, o município de Santiago do Cacém investe 56,6 por cento do seu Orçamento nas funções sociais», valorizou, dando a conhecer que no concelho «existem 45 circuitos de transportes para crianças, que são assegurados por viaturas municipais, ou por ajustes com empresas». A nível do pré-escolar, para além do alargamento do programa de refeições a estas crianças, «temos uma cobertura de 100 por cento da rede, que é efectivamente gratuita». Sobre os problemas que chegam à CPCJ, Robertina Pinela deu conta que, entre o 9.º e o 11.º ano, «há muitas crianças que nem se chegam a matricular», porque «as famílias não têm recursos».
Carências alimentares
Seguiram-se as intervenções de Maria Martins, do Sindicato dos Professores da Grande Lisboa, que deu conta que na escola onde lecciona «chegam todos os dias meninos com graves carências alimentares» e que têm disparado «o número de pais que não consegue já pagar a senha de refeição dos seus filhos», de Manuel Matias, presidente da Cooperativa «Pelo Sonho é que Vamos», que condenou a diminuição «dos serviços de saúde» no concelho do Seixal, e de Maria José Domingos, da Rede Europeia Anti-Pobreza, que frisou que «o problema do desemprego, de um ou dos dois progenitores, leva muitas vezes a que as crianças abandonem os serviços de apoio educativo, com os ATL, as creches e mesmo as actividades extra-curriculares». «Esta situação é prejudicial para as crianças, uma vez que se vêem afastadas das suas rotinas diárias e da aquisição de novas competências», afirmou.
Quase a terminar, Inês Fernandes, da Associação «Os Pioneiros de Portugal», abordou o problema do trabalho infantil, que «está interligado com a pobreza infantil», situação que «não ocorre só quando se passa fome, mas sempre que as crianças estão privadas daquilo que elas necessitam para o seu bem-estar», e Conceição Loureiro, da Câmara de Setúbal, falou do aumento da «carência económica» das famílias. «No concelho existem 13 bairros sociais, onde vive uma população maioritariamente com problemas relacionados com a educação e com o analfabetismo», verificou.
Futuro hipotecado
Fernanda Mateus completou as intervenções, fazendo um balanço da Audição do PCP. «A situação das crianças não é dissociável da situação das famílias», afirmou a dirigente comunista, sublinhando que é preciso dar uma dimensão política maior ao «aumento das situações de empobrecimento, de pobreza e de exclusão social a que as nossas crianças estão sujeitas». «Esta é uma realidade que, se não for travada, vai hipotecar o futuro das crianças, nas suas várias componentes enquanto indivíduos», condenou, manifestando, por outro lado, «grande preocupação» com o facto de «grande parte das famílias» estarem a ser confrontadas «com uma situação de empobrecimento e de pobreza, vivendo numa profunda solidão e humilhação».
Graves políticas económicas
No final da audição, Bernardino Soares acentuou que «a pobreza infantil, um retrocesso civilizacional, está a aumentar, consequência das graves políticas económicas e sociais que estamos a viver, do desemprego, dos salários em atraso, dos cada vez mais baixos salários, do corte nas prestações sociais, do regresso do trabalho infantil».
«Isto quando a Assembleia da República, respondendo a uma petição da Comissão de Justiça e Paz, declarou a pobreza como uma violação dos direitos humanos», denunciou o presidente do Grupo Parlamentar do PCP. «Ora, se é uma violação dos direitos humanos, tem que se dar a resposta adequada à gravidade dessa situação», acrescentou.
Governo responsabiliza os pobres
Bernardino Soares contestou, ainda, a «drástica» retirada das competências do Estado no combate à pobreza, «não só porque delegou, ao longo dos anos, nas IPSS um conjunto de respostas, como agora as retira, mas também porque reduziu e continua a não proporcionar as respostas próprias de rede pública, que são indispensáveis e que não são substituíveis».
Sobre os cortes nas prestações sociais, alertou para a diabolização do Rendimento Social de Inserção, «que aparece como justificação para o desperdício do Estado e como forma de responsabilizar os pobres por aquilo que são as consequências de uma política que favorece os ricos». «Isto é bem o exemplo de como atrás desta política há toda uma doutrina de culpabilização da pobreza, que retoma as ideias de que os pobres o são por serem preguiçosos ou imprevidentes, que está cada vez mais implantada em certos meios de propaganda e no discurso de responsáveis políticos, que são depois os mesmos que cortam nas respostas necessárias àquelas que são as necessidades sociais», criticou, acrescentando: «Há uma linha que procura confundir a necessidade e a justeza de intervenção solidária de instituições e de pessoas, individualmente consideradas, como uma outra coisa que é essa intervenção servir para acomodar a pobreza e promover a sua aceitação».
«Armadilha estatística»
O presidente do Grupo Parlamentar do PCP falou ainda da «armadilha estatística» que diminuiu, em 2012, a pobreza. «O referente estatístico mais utilizado é o limiar de pobreza, que é indexado ao salário médio, que está e vai continuar a diminuir. Ou seja, vamos ter pessoas que ganham o mesmo ou menos dinheiro, e que deixam estatisticamente de ser pobres. A isto acresce as questões do abandono escolar, que já não aparecem», acentuou.
Como solução, Bernardino Soares frisou que é preciso uma intervenção que «aposte na solidariedade, no apoio, no presente e no concreto, às situações de pobreza», e, em paralelo, «uma política que combata de raiz as causas da pobreza». «É preciso introduzir uma outra política que, do nosso ponto de vista, tem que partir da renegociação da dívida, e não pelo mero aumento dos prazos, que tem de produzir mais e distribuir melhor a riqueza», defendeu, terminando: «Não podemos ter um País que se afunde cada vez mais nesta situação de pobreza generalizada».
Pobreza Infantil: tempos de retrocesso civilizacional
Dois dias depois da Audição Parlamentar do PCP, Rita Rato levou à tribuna da Assembleia da República uma declaração política, onde se afirma que o combate à pobreza e à exclusão social é inseparável de um caminho mais geral de crescimento económico, valorização do trabalho e dos trabalhadores, de uma política de aumento dos salários e das pensões, de maior justiça na distribuição da riqueza, elevação das condições de vida do povo.
«Há fome nas escolas, porque há fome em casa. Falências e encerramento de empresas, salários em atraso, desemprego, cortes nos apoios sociais, no subsídio de desemprego, abono de família, rendimento social de inserção, aumento do custo de vida. É uma espiral de empobrecimento que arrasa a vida de largos milhares de famílias no nosso país», afirma o documento, apresentado pelos deputados comunistas, onde se dá conta, por exemplo, que segundo a Sociedade Portuguesa de Pediatria «têm surgido nos hospitais casos que não se registavam há 20 anos», nomeadamente «mães que acrescentam água ao leite artificial» ou que «dão leite de vaca a bebés de meses».
Causas da pobreza
Para o PCP, «as causas estruturais da pobreza em Portugal têm sido profundamente agravadas com mais de 36 anos de políticas de direita, o processo de integração capitalista na União Europeia, a natureza do capitalismo e da crise, e a aplicação das medidas do pacto de agressão da troika». «Em Portugal, a taxa de risco de pobreza é superior à de alguns países com rendimentos mais baixos, mesmo após a transferência dos valores das prestações sociais, o que torna claro a necessidade efectiva de reforço dos mecanismos sociais de combate à pobreza e à exclusão social», salientam os deputados, frisando que «o aumento do risco de pobreza está em estreita relação com a destruição, em curso, de importantes funções sociais do Estado».
Participantes na Audição Parlamentar
Na Audição promovida pelo PCP participaram a Associação Médica Internacional (AMI), a Associação Pioneiros de Portugal, a Associação Portuguesa de Famílias Numerosas, a Benefica e Previdente – Associação Mutualista, a Câmara Municipal de Almada, a Câmara Municipal de Palmela, a Câmara Municipal de Santiago do Cacém, a Câmara Municipal de Setúbal, a Cáritas Portugal – Programa Prioridade às Crianças, o Comando da GNR, Comissão Nacional de Protecção de Crianças e Jovens em Risco, Comissão de Protecção de Crianças e Jovens do Barreiro, a Comissão de Protecção de Crianças e Jovens de Sintra, a Comissão Nacional dos Organismos dos Deficientes, a Cooperativa «Pelo Sonho é que Vamos», a EAPN Portugal – Rede Europeia Anti-Pobreza, a Federação das Associações de Pais do Concelho de Sintra Oriental, o Grupo Recreativo e Cultural Amigos do Alto do Mocho, a IPSS «Reguilas» - Barreiro, a Junta de Freguesia da Ramada, a Liga Operária Católica, o MDM – Movimento Democrático de Mulheres, o Sindicato dos Professores da Grande Lisboa, o Provedor da Santa Casa da Misericórdia de Alhos Vedros e a União Distrital das IPSS de Setúbal.
Avante !
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