Há um menino perdido nos braços da minha alma.
Já viveu todas as idades e não se lembra de pai nem mãe.
Por isso se encolhe no meu colo cansado onde recebe os
raios que eu recebo do sol que se põe e aí fica deitado,
fazendo-me companhia, conversando comigo em silêncio e
em palavras que nunca pude entender.
Com o mesmo rosto brilhante recebe o dia e a chuva,
a noite e o frio e com eles brinca fazendo castelos que
logo desfaz por não serem como ele quer.
Contou-me que nasceu numa aldeia muito antiga da
qual já não há história, em que os homens (e também as mulheres),
todas as noites se juntavam numa mesma musica que
lhes saia do coração e pelas suas bocas subia às nuvens onde
ficava a pairar e ainda três dias depois de podia ouvir desde que
os nossos corações fossem tão puros como os deles.
À volta da aldeia havia verdes prados onde ele se deitava a
ouvir o sol nascer no canto das árvores que recebiam a
vida todos os dias como se fosse o primeiro.
Um dia, estava ele absorto nestas coisas e ouviu um silêncio profundo,
pouco natural que só podia vir do fundo da terra e
quando olhou em volta a sua aldeia já não estava lá.
Parecia que a morte tinha batido às portas das casas e todos ao
mesmo tempo tinham corrido para ir abrir e ficado do lado
de fora com as suas casas e tudo e ele ficou ali perdido, sozinho,
na minha alma olhando as enormes escadas que se estendiam à
sua frente mas que não davam vontade de subir por não
conduzirem a lado nenhum e por isso encolheu os ombros e voltou a
deitar-se de cara virada para o céu a contar os minutos que
cresciam em horas sempre insatisfeitas: uma mais escuras que
outras que logo a seguir davam lugar a outras radiosas ou
molhadas e depois vinham os dias, sempre a correr a fugir
das semanas que desciam enroladas pelos meses abaixo e a pairar,
sobre tudo isto, na sua imponente cadeira, os anos que
olhavam para cima a ver a eternidade passar.
26 05 2011
José Maria Almeida
Toque de Midas
Toque de Midas
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