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domingo, 26 de junho de 2011

MARIA LAMAS
Maria da Conceição Vassalo e Silva da Cunha Lamas
(1893-1983)



Escritora e interveniente política portuguesa. Mulher de personalidade admirável, oriunda de uma família burguesa de Torres Novas, ali estudou até aos dez anos. Aprendeu línguas o que lhe viria a ser útil mais tarde, quando teve de ganhar a vida com traduções. Traduziu mais tarde "Memórias de Adriano", de Marguerite Yourcenar, que conheceria em Paris. Casou nova e aos 25 anos já tinha duas filhas. Viveu em Luanda e quando o casamento naufragou divorciou-se e quis ser ela a assegurar a educação das filhas. Começa a escrever para os jornais Correio da Manhã e Época, mais tarde para O Século, A Capital e o Diário de Lisboa. Casou, em 1921, com Alfredo da Cunha Lamas, e foi mãe mais uma vez. Em 1928 passou a dirigir o suplemento Modas & Bordados do jornal O Século, dando-lhe uma feição diferente. Um jornal que dava prejuízo passou a dar lucro, tal a importância da sua colaboração. Era preciso chegar às mulheres trabalhadoras pouco esclarecidas quanto aos seus direitos. A sua colaboração no "Correio da Joaninha" passou a ser um diálogo educativo com as leitoras. Ligou-se ao MUD (Movimento de Unidade Democrática) e depois ao Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas, onde desenvolveu intensa actividade política e cultural. Presa, pela primeira vez, por motivos políticos, em 1949 sofreu imenso na prisão, porque a PIDE a colocou numa prisão incomunicável durante quatro meses. Esteve muito doente. Depois de várias prisões viu-se forçada ao exílio. A sua actividade como escritora é intensa e diversificada. Escreveu contos infantis, estudos na área da mitologia, porém o seu livro mais importante, fruto de dois anos de viagens por todo o país é «As Mulheres do Meu País», uma obra de referência, onde colaboraram com ilustrações os mais famosos intelectuais do tempo, editado em 1950. Seguem-se «A Mulher no Mundo», 1952 e «O Mundo dos Deuses e dos Heróis», 1961.Esteve exilada por diversas vezes, entre 1953 e 1962. Passados sete anos regressou do exílio. Tinha 76 anos e ainda a mesma esperança de melhores dias para Portugal. Viveu o 25 de Abril de 1974 com enorme alegria. Foram-lhe atribuídas duas das mais honrosas condecorações portuguesas, a de Oficial da Ordem de Santiago da Espada e a da Ordem da Liberdade. Faleceu com 90 anos, em Dezembro de 1983. A cidade de Torres Novas relembra-a numa pequena intervenção escultórica. A jornalista Maria Antónia Fiadeiro dedicou-lhe um estudo monográfico.

mais pormenorizado ...
Já considerada como a mais vibrante personalidade portuguesa deste século, Maria Lamas foi escritora e jornalista, mas acima de tudo soube viver com total liberdade e autenticidade Nasceu numa casa de província de uma família abastada em Torres Novas, no dia 6 de Outubro de 1893, recebendo na pia baptismal o nome de Maria da Conceição. Criança reservada, preferia escutar e olhar o mundo dos adultos a participar em brincadeiras.

Foi educada no Convento de Santa Teresa de Jesus, onde aprendeu línguas, pintura e bordados, embora nunca tenha chegado a completar os exames, tirando apenas o curso de liceu depois de casada.

Saiu do colégio pouco tempo antes de ser proclamada a República, em 1910, acontecimento que a marcou profundamente, sendo filha de um republicano. Mas o ano de 1910 estaria recheado de surpresas. É a altura em que conheceu o que viria a ser o seu primeiro marido num casamento de amor, um garboso oficial de cavalaria, Ribeiro da Fonseca com que casa um ano depois, ao completar dezassete anos.

Acompanhando o marido, parte para África e lá teve a primeira filha, aos dezoito anos. É a sua vivência em África que mais recorda no seu livro ‘Confissões de Sílvia’. Mas esta época leva-a a desejar mais da vida e em 1920 divorciou-se, regressando a casa dos pais com duas filhas a seu cargo.



Tomou então a decisão de ir viver para Lisboa, e para ganhar a vida decidiu dedicar-se ao jornalismo. Começou a trabalhar numa agência de notícias, depois na revista ‘Civilização’ e finalmente no ‘Século’ onde entrou, aos 36 anos, pela mão de Ferreira de Castro, sendo-lhe confiada a direcção do ‘Modas&Bordados’ que ela tenta transformar em algo mais do que uma revista para donas de casa.

A coluna que manteve durante anos no ‘Modas&Bordados’, intitulada ‘O Correio da Tia Filomena’ ficou famosa e recebia centenas de cartas, falando da condição das mulheres em Portugal, as suas revoltas e os seus sonhos.

Lidando com a elite cultural e social de Lisboa, Maria Lamas era considerada como uma das mulheres mais belas e fascinantes da capital. Excedia-se em projectos tendo sempre como metas que o impossível estava ao alcance das mãos.

O jornal ‘O Século’ era um dos expoentes máximos da cultura portuguesa na época, organizando conferências, concertos e exposições, actividades em que participou activamente. Um dos seus projectos mais famosos foi a exposição acerca da mulher portuguesa, onde apresentou teares do Minho, mesas de trabalho de mulheres como a Marquesa de Alorna e Carolina Michaelis, e onde recriou um conjunto de actividades femininas.




Outra das suas exposições que ficou célebre foi a realizada com tapetes de Arraiolos fabricados pelas presas da cadeia das Mónicas e que permitiu a estas algumas horas de liberdade, tendo sido transportadas da prisão para os salões do ‘Século’ em táxis para apreciarem os seus trabalhos.

Durante a sua vida como jornalista, acabou por casar com um homem da mesma profissão, Artur Lamas, de quem viria a ter a terceira filha, o que não evitou o divórcio, embora tenha sempre mantido o nome deste nos seus trabalhos.

Com o pseudónimo de Rosa Silvestre escreveu diversas obras infantis, como ‘Caminho Luminoso’ e ‘Para Além do Amor’, entre outros.

Mas a sua vontade de mudar as coisas não se limitou à escrita e em 1945, Maria Lamas é eleita presidente do Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas, uma associação que tinha sido fundada durante a I República mas que o regime salazarista fizera por apagar. E é nessa posição que é obrigada a escolher entre abandonar o ‘Modas’, a que dedicara vinte anos da sua vida ou o Conselho, decidindo-se pela primeira opção, embora o Conselho tenha sido encerrado algum tempo depois pela P.I.D.E.




Maria Lamas militante do Partido Comunista Portugues numa exposição em Lagos

Percorre então o país para conhecer melhor a condição das mulheres e dessas viagens nasce o livro ‘As Mulheres do meu país’, que ficará como um marco histórico. Após estas obras publicaria ainda ‘A Mulheres no Mundo’ e ‘O Mundo dos Deuses e dos Heróis’.

Após o fim da II Guerra, Maria Lamas dedica-se a apoiar a candidatura do General Norton de Matos, e acaba por ser presa sob a acusação de propagar notícias falsas e pedir a libertação dos presos políticos. Esta seria a primeira de outras detenções, sendo a que mais a abalou o encarceramento solitário durante seis meses, nos anos cinquenta, que afectou profundamente a sua saúde.

Portugal sufoca-a e decide visitar outros países, na sua qualidade de membro do Conselho Mundial da Paz e em 1961 fixa-se em exílio durante oito anos na cidade de Paris. É da janela do seu quarto no Hotel Sain-Michel que durante o Maio de 1968 passou baldes de água para os jovens na rua se protegerem dos gases lacrimogéneos.

Apenas regressa a Portugal em 1970 e apoiou com todas as restantes forças dos seus oitenta anos, a revolução de Abril, que instaurou a democracia.

Volta a ser a directora honorária do ‘Modas&Bordados’ e foi uma das primeiras pessoas a receber a Ordem da Liberdade das mãos do Presidente da República.

Os seus últimos dias passou-os em Évora com uma das filhas e é lá que acaba por falecer aos noventa anos de idade, tendo perdido totalmente a audição, o que nunca foi impedimento para continuar a receber amigos e familiares, dialogando através de um pequeno bloco de notas.

Quem a conheceu de perto descreve-a como uma pessoa com a qual quem lidava sentia sempre que podia tonar-se melhor seguindo-lhe os exemplos, influindo assim, de forma subtil, na formação de muitas mulheres e também de homens, num país em que as fronteiras de posição social marcavam mais do que as personalidades.
Mulher portuguesa


Maria Lamas no Dia da Fotografia

Lamas372net
 Maria Lamas, Jovens trabalhadoras das minas de S. Pedro da Cova (de "As Mulheres do Meu País", pág. 372, 1948-50) © Herdeiros de Maria Lamas, Lisboa / Editorial Caminho
A inicitiva com que o "I" assinalou o Dia Mundial da Fotografia foi uma excelente oportunidade para fazer publicar uma foto de Maria Lamas, fotógrafa desconhecida ainda, 60 anos depois de ter publicado "As Mulheres do Meu País" (1948-50). Menos desconhecida desde 2008, e agora apresentada por Jorge Calado na exposição "Au Féminin", no Centro Cultural da Fundação Gulbenkian em Paris (até 29 de Setembro, sem itinerância). E é mesmo Maria Lamas a autora mais representada, com oito imagens e um livro, nesse inédito panorama da fotografia feita por mulheres sobre mulheres, em todo o mundo e desde o início da fotografia até hoje. Jorge Calado apresenta-a no catálogo com uma frase decisiva - "Em Portugal, o equivalente fotográfico da FSA (Farm Security Administration) é obra de uma única mulher: Maria Lamas".
(No I, a reprodução saiu demasiado densa, apesar ou por causa dos 300 dpi e dos 3,5M)

Uma das mais insólitas curiosidades da fotografia portuguesa é o facto da obra fotográfica de Maria Lamas - mesmo que reduzida a um único grande livro editado em 15 fascículos ao longo de menos de dois anos, e nunca exposta no seu tempo - ter permanecido ignorada tantas décadas. É certo que não se tratava de um álbum de ilustrações mas de um longa reportagem, ou inquérito jornalístico muito ilustrado; que as condições editoriais da reprodução fotográfica não eram as melhores da época; que além das muito numerosas imagens da autoria de Maria Lamas ela própria escolheu e fez publicar outras tantas (?) de fotógrafos que eram famosos ou desconhecidos por meados do século XX (esse é outro dos motivos de interesse do livro); que o activismo e o protagonismo político da autora (o exílio e os condicionalismos partidários) se sobrepuseram à apreciação da sua obra de escritora e de ocasional fotógrafa.
Ignorada na história de António Sena (1998), que permanece a única obra de referência, a produção fotográfica de Maria Lamas não costuma ser representada ou mesmo referida nas mostras monográficas que lhe foram dedicadas (Biblioteca Nacional 1993, em especial). Só com a muito cuidada reedição em fac-símile realizada pela ed. Caminho em 2002 (com reprodução das imagens a partir das provas originais, sempre que possível - graças à coordenação gráfica de José António Flores) é que o trabalho fotográfico de Maria Lamas começa a ganhar a atenção que merece. No ano seguinte, Maria Antónia Fiadeiro, numa biografia publicada pela Quetzal, aponta Maria Lamas como uma repórter fotográfica pioneira.
MLamas161net
Maria Lamas, Jovem mãe da Castanheira, Serra da Estrela ("As Mulheres do Meu País", pág. 161, 1948-50. "Au Féminin", nº 8 - prova vintage, 8 x 5 cm) © Herdeiros de Maria Lamas, Lisboa / Editorial Caminho
Quando Maria Lamas concebe e produz o livro "As Mulheres do Meu País", criando uma estrutura editorial artesanal e familiar para o efeito, tinha já 53-54 anos. A relação com a fotografia seria apenas a de uma jornalista do quadro de O Século (entrou em 1929) com uma longa experiência de direcção de suplementos e revistas, e em especial do semanário feminino "Modas e Bordados", entre 1930 e 1947. Nem fotógrafa profissional, nem "amadora" (no sentido habitual de aficionado ou praticante da arte fotográfica), Maria Lamas apenas por necessidade recorreu por algum tempo a um "caixote Kodak" para fazer as imagens que deveriam acompanhar o seu inquérito sobre a vida e o trabalho das mulheres portuguesas.
Queria-as "verdadeiras, expressivas, com valor documental e inéditas", conforme diz numa entrevista a O Primeiro de Janeiro (28 de Abril de 1948). "Resolvi arranjar uma máquina e ser eu, também, fotógrafa" - "Ler - Informação Bibliográfica", Publicações Europa-América (Maio-Junho 1948). Um genro que trabalhava para a Kodak ensinou-lhe os rudimentos da fotografia e tratou do material trazido das deslocações pelo país. O espólio conservado pela família compreende os negativos e as provas positivas de que se escolheram as imagens reproduzidas no livro, em contactos e provas de pequeno formato que nunca houve a intenção de expor. Por vezes, revela Jorge Calado, as provas foram reenquadradas para eliminar figuras masculinas ou sujeitas a colagens para os grupos serem apenas femininos.
São circunstâncias que fornecem alguns ensinamentos sobre a realidade ambígua da fotografia e sobre os seus circuitos de reconhecimento e consagração. Por um lado, uma grande aventura fotográfica, que é também um grande obra (única no contexto português do seu tempo), pode surgir no exterior das práticas institucionalmente estabelecidas, à margem da profissão e das suas aptidões funcionais (o fojornalismo, o retrato, a ilustração documental, reconhecidas ou não como produção artística) e também à margem da intencionalidade artística oposta aos usos funcionais, ou autónoma, que tinha à data os seus códigos associativos e rituais expositivos, identificados como amadores (mas não exclusivos destes, e os dois circuitos não são nunca estanques). Prática isolada e exercício breve no tempo (3 anos), sem aprendizagem, de intenção documental e alheia, pelo que se pode saber, à ambição da arte e dos seus circuitos, certamente sem modelos históricos ou conceptuais, a obra fotográfica de Maria Lamas é fundada num projecto próprio de inquérito e de comunicação, e também numa vontade de activismo cívico.


Maria Lamas com Chu En Lai 
mãe jovem uma das fotos do seu livro
a mulher, a lutadora



 

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