AVISO

OS COMENTÁRIOS, E AS PUBLICAÇÕES DE OUTROS
NÃO REFLETEM NECESSARIAMENTE A OPINIÃO DO ADMINISTRADOR DO "Pó do tempo"

Este blogue está aberto à participação de todos.


Não haverá censura aos textos mas carecerá
obviamente, da minha aprovação que depende
da actualidade do artigo, do tema abordado, da minha disponibilidade, e desde que não
contrarie a matriz do blogue.

Os comentários são inseridos automaticamente
com a excepção dos que o sistema considere como
SPAM, sem moderação e sem censura.

Serão excluídos os comentários que façam
a apologia do racismo, xenofobia, homofobia
ou do fascismo/nazismo.

domingo, 3 de novembro de 2019

O PACIFISMO É ANTI PACÍFICO: E MATA




O título do texto pode parecer estranho e, a primeira vista, a afirmação parece logicamente impossível, já que defender o pacifismo supostamente significa ser a favor de um mundo pacífico. Nesse sentido, é necessário esclarecer qual o real sentido da afirmação em questão.
O pacifismo é, antes de mais nada, um moralismo. Mas o quê exatamente é “Moralismo”? Em geral, a ideia comum com relação a tal conceito é de que ele é essencialmente conservador (no sentido de que remete à valores religiosos, da família tradicional ou que defende o passado num quadro geral), entretanto, o moralismo também pode ser considerado progressista, que é uma tendência mais à esquerda do reformismo e pós-modernismo. Porém, o moralismo em si significa uma formação moral exercida por indivíduos (os moralistas) que têm um viés irrefletido e abstrato. Isso quer dizer que “O moralista é uma pessoa que segue cegamente (e discursivamente) a moral e exige que todas as pessoas sigam os mesmos passos” [1], o que o torna dogmático.
Assim, o pacifismo é um moralismo porque é uma concepção que prega a pacificidade acima de tudo e que normalmente ignora as complexidades das circunstâncias historicamente determinadas. No interior do moralismo, inclusive do pacifismo, a frase “os fins justificam os meios” faz pouco sentido, apenas em casos bastante excepcionais e geralmente de teor individual. No caso do pacifismo, isso poderia ser exemplificado em uma reação violenta à um assalto para salvar alguém ou para o próprio indivíduo que reagiu se salvar. Porém, a tendência universal é a de construir princípios fundamentados em si mesmos, que pairam no ar como valores incontestáveis e que, na visão do moralista, devem ser aplicados por todos e em tudo.
A redescoberta marxiana da primazia ontológica na ordem do conhecimento e da existência (sim, essa parte parece difícil, de forma simplificada quer dizer: onde o objeto conhecido/transformado tem prioridade sobre o indivíduo que o conhece/transforma, porque existe antes dele e tem características próprias, que independem do indivíduo) afasta qualquer possibilidade do marxismo criar preconceitos moralistas, que por sua vez rechaçam as condições históricas e muitas vezes se pautam em fundamentações metafísicas (como as ideias religiosas, por exemplo). Sendo o marxismo autêntico rigorosamente materialista em suas análises sociais, nenhum juízo de valor pode ser precedido por um exame prévio das condições históricas. Isso não quer dizer que temos que começar do zero todas as análises, mas sim que, de acordo com as tendências universais já elucidadas por autores marxistas, há a necessidade de captar as especificidades próprias de cada contexto histórico. Essas “universalidades”, aliás, também são rigorosamente materialistas, ou seja, foram apreendidas não a partir de valores prescindidos de adequação histórica, mas sim em acordo com a própria essência da estrutura que gera essas universalidades.
Com o arcabouço estabelecido por esses autores, sobretudo por Marx e Engels, foram reveladas leis tendenciais não apenas da sociedade burguesa, que é a mais contemporânea e totalizante, mas da humanidade em geral. Uma dessas “leis” é a da revolução social. A revolução social deriva necessariamente de conflitos estabelecidos por grupos sociais antagônicos, sendo os principais deles as classes sociais. Desde o fim da era primitiva e com a deflagração das sociedades divididas em classes, sempre existiu o antagonismo entre classes opressoras e classes oprimidas, e como os interesses são distintos, lutas são realizadas até que haja a chegada de uma revolução social e que a mesma conduza para uma nova forma de sociedade. Isso comumente ocorreu tendo como base a transição de uma sociedade de classes para outra (como do feudalismo para o capitalismo), mas no caso da proposta de Marx, é fundamental que haja uma revolução social que conduza a humanidade para a supressão completa das classes sociais e de todas as contradições geradas por elas. Seria, desse modo, uma sociedade harmônica e onde os problemas atuais não existiriam, o que não quer dizer que esse seria o ponto máximo de evolução da humanidade e nem que eventuais problemas não pudessem surgir.
Dessa forma, o objetivo do marxismo é a construção de uma sociedade pacífica, mas o meio para isso é baseado nas revoluções, que são essencialmente violentas, como diz Marx:
“A revolução não é só necessária porque a classe dominante de nenhum outro modo pode ser derrubada, mas também porque a classe que a derruba só numa revolução consegue sacudir dos ombros toda a velha porcaria e tornar-se capaz de uma nova fundação da sociedade”. [2]
Aí que há uma diferença clara entre o pacifismo e uma sociedade pacífica. Os moralistas pacifistas negam veemente meios assim para a progressão social, pois os mesmos contradizem seus valores a-históricos e generalizados, e é por isso que desejam conservar a ordem vigente e apenas emendar certos aspectos aqui e ali. O principal erro dos que defendem isso deriva do a-historicismo que procede do moralismo, ou seja, são incapazes não só de compreenderem que julgamentos morais não podem vir antes de análises históricas, como também não compreendem que mudanças qualitativas e “radicais” são necessárias na história humana. A partir disso, se prendem na ilusão de que dá para manter o capitalismo para o futuro, bastando apenas torná-lo menos contraditório (daí saem bizarrices como “capitalismo ambientalista”, “consumo ético”, dentre outras concepções que visam resolver problemas sociais sem erradicar a estrutura que os mantém).
Para não tornar o texto mais longo ou cansativo, não haverá uma fundamentação mais minuciosa do porquê o capitalismo precisa ser suprimido, até porque a própria CPL tem diversos textos sobre isso e muitos leitores sabem que isso é necessário (apesar de muitos não quererem admitir). Porém, pelas próprias lições históricas e pela situação atual do mundo, já fica claro que uma revolução popular de caráter emancipatório se faz fundamental para a própria sobrevivência da espécie humana. Quantas crises financeiras ainda mais catastróficas do que a de 2008 precisarão para que os pacifistas compreendam isso? Quanta exploração ainda será promovida pelos países centrais nos países periféricos? Quantas florestas terão de ser queimadas e mares poluídos? Quantos terão de sofrer e morrer pela criminalidade, problemas mentais, opressão estatal e privada, dentre outros fenômenos típicos dessa sociedade doente e macabra, que objetifica e aliena o homem, fazendo dele uma máquina miserável e destinada para a manutenção do lucro? Por isso que a luz da teoria revolucionária e científica deve ser preconizada para que a humanidade sobreviva e evolua.
A força revolucionária não é um fim em si mesmo, como se houvesse o uso da violência gratuita e voltada para interesses egoístas; muito pelo contrário, ela apenas é o impulso necessário para que uma nova sociedade seja erguida. E é necessário porque os responsáveis pela sociedade contemporânea, que mantém a mesma funcionando, não iriam ceder as condições certas para tal objetivo, e portanto eles são o motivo principal que impede uma nova sociedade. Por isso o que deve mover o comunista não é um sentimento maquiavélico de destruição, mas sim uma consciência daquilo que é preciso para que o capital seja superado, o que infelizmente implica na destruição. Um exemplo claro disso na atualidade é o Chile, que apesar de não estar efetivamente num processo revolucionário, se encontra em um estado subversivo das massas populares, que lutam por seus direitos e contra a irracionalidade neoliberal. Sem as ações violentas que estão ocorrendo por lá, a mera pacificidade não iria resolver absolutamente nada.
Em resumo, o pacifismo é uma forma de legitimação mais sútil da estrutura em que nós estamos inseridos, e portanto  sua influência mistificadora é muito poderosa na totalidade social. Em aparência está de acordo com o progresso humano, mas em essência é só mais um dos fatores que impedem que isso ocorra. O pacifismo é supérfluo e inofensivo. Apenas o poder revolucionário, consciente e científico, pode conduzir a humanidade para um mundo verdadeiramente pacífico e desprovido das mazelas que existem.
Referências:
[1] VIANA, Nildo. Crítica ao Moralismo.
[2] MARX, Karl. A Ideologia Alemã.
cienciaproletarialivre.com

Sem comentários: